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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

D. Dulce de Aragão

(vinheta da CVP de 1939)
Aldonça, Dulcia, Doce ou Dulce (versões do mesmo nome em documentos administrativos), a segunda rainha de Portugal, casou em 1174, aos 14 anos de idade, com o então infante D. Sancho, futuro D. Sancho I, de vinte anos, num casamento de conveniência política, como eram todos, negociado entre o pai do noivo, o rei português D. Afonso Henriques e o conde Raimundo Berenguer IV, de Barcelona, pai da noiva, o Dominador ou Protector do Reino de Aragão.
A sua mãe, a rainha Petronilha, única herdeira do reino de Aragão, foi dada com apenas um ou dois anos de idade em casamento ao conde-rei Raimundo de Barcelona, que contava cerca de 24 ou 27 anos e um dos mais bravos cavaleiros do seu tempo, com a condição deste proteger a herança da sua pequenina esposa, sendo-lhe outorgado o título de Protector do Reino de Aragão, estipulando-se no contrato de casamento que o futuro filho de ambos herdaria o reino, ou no caso de não haver descendência, seria o próprio Raimundo o herdeiro. Na altura em que D. Dulce nasceu, por volta de 1159, já existia o seu irmão Raimundo Berengário, que ao tornar-se príncipe herdeiro depois da morte de um irmão mais velho, Pedro,mudará o nome para Afonso, subindo ao trono de Aragão como Afonso II, tal como fez o noivo de D. Dulce, o príncipe D. Sancho, nascido Martinho, após a morte do irmão mais velho, Henrique.
Nesta altura, o reino de Portugal ainda não tinha sido reconhecido como tal pelo Papa, por isso ter como esposa uma filha de rainha e irmã de um rei que beneficiara do privilégio de ser ungido pelo Papa aquando da sua emancipação só podia trazer uma boa ajuda ao monarca português e a união com uma princesa da linhagem real de Aragão, cujo estatuto de reino independente já tinha sido reconhecido em 1095, só prestigiava a própria linhagem de D. Sancho que urgia fazer reconhecer como régia.
Não sabemos também se ela amou o homem de “meã estatura, mui dobrado de membros, rosto grande, boca grossa e grande, olhos pretos e grandes, cabello castanho mui tirante a preto”, que gostava de caça, de correr touros e dos serões da corte onde não faltavam jograis e trovadores de que ele fazia parte, poemas e vinho, mas que D. Dulce agradou ao marido atesta-o os cerca de 15 filhos que os cronistas lhe apontam, embora só se conheçam onze, e o facto de apenas se conhecerem filhos bastardos ao rei ou depois da morte da rainha, como apontam alguns historiadores, ou já nos seus últimos anos de vida, como referem outros. D. Sancho I apenas sobe ao trono em 1185, pelo que a primeira década do casamento da rainha é passada em Coimbra, sendo que depois provavelmente acompanhará a normal itinerância da corte.
Nada se sabe sobre o dote que trouxe ou das arras que lhe foram concedidas, e do seu séquito sabe-se que, entre outros, trouxe Martim de Aragão que aqui se estabeleceu e casou com D. Maria Reimondo ou Reimondes e uma aia, D. Toda Palazim, talvez filha de D. Palazim, cavaleiro aragonês e tenente de Saragoça, que a acompanhou toda a vida e que depois da morte da rainha ajudou a criar os filhos mais pequenos, sendo-lhe feita por D. Sancho I a doação do reguengo de Entre Ambos-os-Rios.
Segundo Luciano Cordeiro, a rainha "Formosa e excellente senhora, tranquilla e modesta, condizente no carácter com o nome", gostava de administrar e acrescentar a sua casa, conservando-se indiferente à política. Suportou as ausências do marido constantemente em batalha contra os mouros para expansão do reino, os surtos de fome e as epidemias que o reino atravessou e que prejudicaram a saúde do seu herdeiro Afonso, o futuro rei leproso. Aguentou também o feitio inconstante do rei e os seus ciúmes. Diz o Conde de Sabugosa no seu livro “Donas de Tempos Idos”:
Conta-se que induzido pelos murmúrios pérfidos de algumas vozes de invejosos, picados pelo valimento de algum mimoso da côrte, valente e galenteador. O Rei chegou a suspeitar da fidelidade de sua mulher. A Regina Dulcia, e a manifestar a intenção de castigá-la e ao suposto cúmplice. Ficou porém inconsolável pela sua suspeita ao reconhecer a inocência dos dois, e pesaroso por ter dado ouvidos a perversos caluniadores.
Dulce de Aragão estava inocente, e não consta mesmo que, usando dos seus encantos, quisesse vingar-se das empresas amorosas do marido”.
Se não há a certeza que a Rainha D. Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques possuísse bens em Portugal, não acontece o mesmo em relação à sua nora, pois em testamento feito em 1188, quando tencionava visitar a Palestina, D. Sancho I deixa a sua mulher os rendimentos de Alenquer, terras do Vouga, de Santa Maria e do Porto; ignora-se se a rainha gozou os rendimentos de todos estes bens, mas enquanto a Alenquer, junto a um lugar chamado Marinha fez a rainha muitas aquisições de terras e courelas que comprou a diversos, sendo de facto, senhora de Alenquer. Comprou também várias terras na Beira, adquiriu Ervedel, que doou à albergaria de Poiares, perto de Coimbra, comprou dezanove casais em Travanca (de Lagos) e as herdades de Sameice e de Seia, pelo que se pode depreender que no tempo de D. Sancho I, as rainhas de Portugal já tinham Casa.
Por mandato do rei outorga algumas cartas e entre elas, em 1192, o foral aos povoadores de Mortágua.
Era também uma princesa muito beneficente e piedosa que frequentemente vestia o hábito da Ordem Terceira, no entanto não fundou nem igreja nem mosteiro algum, provavelmente porque a relação de D. Sancho I com o clero foi sempre conflituosa, tendo sido excomungado por várias vezes. Nos primeiros anos do seu reinado doou um cálice de prata dourada e pedras preciosas ao Mosteiro de Alcobaça para serviço no altar-mor conforme consta na inscrição, e outro mais pequeno para servir nos altares laterais. Juntamente com o marido, em 1187,ofereceu também um outro cálice ao Mosteiro de Santa Marinha da Costa, em honra de sua sogra, a rainha D. Mafalda, considerada a fundadora do mosteiro. Na sacristia do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra conservava-se um anel com uma esmeralda, que se diz ter pertencido a D. Dulce.
Conhecida como a “Rainha Fecunda” devido à sua extensa prole, o seu primeiro herdeiro varão só nasceu ao fim de quase doze anos de casamento e quando já toda a corte desesperava, apesar das três infantas já nascidas. Três das suas filhas foram beatificadas, outras foram rainhas, mas apenas assistiu ao casamento de uma delas, a sua primeira filha, D. Teresa, rainha de Leão, pois em 1138, o seu corpo enfraquecido por tantos partos, alguns deles múltiplos, não resistiu ao últimos deles e à peste que então grassava no país, tendo falecido, a 26 de Agosto de 1198.
Tanto D. Sancho como D. Dulce foram sepultado em Santa Cruz de Coimbra, em sepultura rasa. O rei D. Manuel I mandou levantar o rico mausoléu que hoje contém os restos do segundo rei de Portugal e supõe-se que o corpo da rainha se encontre dentro dele, tal como aconteceu com D. Mafalda.

Descendência
D.Teresa (1176-1250), casou com Afonso IX de Leão, fundou o Mosteiro feminino de Lorvão e foi beatificada em 1705.
D. Sancha (1177/1180-1229), fundou o Mosteiro de Celas, em Coimbra e foi beatificada em 1705.
D. Constança (1182-1186?) morreu em criança
D. Afonso (1186- 1223) futuro D. Afonso II de Portugal.
D. Pedro (1187-1258),chamado de Henrique durante o seu primeiro ano de vida, casou com Arumbaix, condessa de Urgel, foi senhor feudal de Maiorca.
D. Fernando (1188-1233), casou com Joana de Constantinopla, condessa da Flandres e de Hainaut.
D. Henrique (1190-1191), morreu em criança.
Uma filha? (1192-?)
D. Raimundo(1195-1196?), morreu em criança.
D. Mafalda (1196-1257), casou com Henrique I de Castela, reestruturou o Mosteiro de Arouca e o de Bouças e foi beatificada em 1705.
D. Branca (1198-1240), monja e senhora de Guadalajara, fundou com a irmã Teresa o Mosteiro de S. Domingos e está sepultada em St. Cruz de Coimbra.
D. Berengária (1198-1220), casou com o rei Valdemar II da Dinamarca.
Talvez mais dois ou três filhos provavelmente mortos à nascença, ou gravidezes que não chegaram ao fim, mas não há registos.


As Primeiras Rainhas - Colecção Rainhas de Portugal do Circulo de Leitores
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal








quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Batalha de Ponte Mílvio







Poucas batalhas têm sido tão autênticos pontos de viragem na História como a batalha hoje travada em Ponte Mílvio, perto de Roma.
No início do sec. IV, vários rivais competiam e combatiam pelo controlo do império romano. Dois dos mais poderosos eram Constantino (Flavius Valerius Constantinus), também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande, que tinha dominado a Gália, a Britania, e a Germania, e seu cunhado Maxêncio (Marcus Aurelius Valerius Maxencius Augustus), que se tinha auto-proclamado imperador e que dominava a Itália, a Hispânia e a África.
Em 310, Constantino conquistou a Hispânia e decidido a apoderar-se de todos os territórios de Maxêncio desce em 312 até à Itália a fim de eliminar seu cunhado e fazer-se proclamar imperador em Roma. Instala-se em Mediolano (Milão) até meio do Verão desse ano, prosseguindo depois a campanha.
Esperava-se que Maxêncio tentasse a mesma estratégia que aplicara antes contra os seus inimigos, Severo e Galério, ou seja, protegido na bem-defendida cidade de Roma, e esperar que os recursos dos inimigos se esvaíssem num cerco caro e perigoso. Por razões pouco claras, resolveu enfrentar Constantino a 28 de outubro de 312, numa das pontes que atravessavam o Rio Tibre, em Roma. Possivelmente, após ter consultado os seus adivinhos, estes devem ter assumido que o dia 28 de Outubro (o seu dies imperii, o dia da sua ascensão ao trono a 28 de Outubro de 306), seria o mais indicado para a batalha.
Segundo os cronistas cristãos do sec. IV, na véspera do combate, às 12h00, Constantino viu suspensa nos céus, uma cruz luminosa, mais brilhante que o Sol, com as palavras In hoc signo vinces (Com este sinal vencerás!). Eusébio de Cesareia, na sua “Vida de Constantino” descreve o sinal como Chi (Χ) atravessado por RÕ (Ρ) ou , um símbolo representando as primeiras duas letras da grafia grega da palavra Cristo (Christos). Interpretando esta visão como uma mensagem directa de Deus, mandou bordar o sinal no estandarte imperial assim como nos escudos dos seus soldados.
No dia seguinte os dois adversários defrontaram-se na Ponte Mílvio ou Mílvia, onde as tropas inspiradas de Constantino obtiveram uma vitória esmagadora; Maxêncio morreu afogado no Tibre quando, ao fugir do campo de batalha uma ponte flutuante ruiu sob os seus pés.
O primeiro resultado desta batalha foi a reunificação do império romano sob um único governante (após a derrota de um outro César regional, Licínio, em 324). No entanto, a consequência de longe a mais duradoura foi a conversão de Constantino ao Cristianismo. No ano seguinte ao da batalha, ele e Licínio promulgaram o Édito de Milão, aceitando o Cristianismo por todo o Império.
Qualquer que tenha sido a fé individual de Constantino, o fato é que ele educou os seus filhos no cristianismo, associou a sua dinastia a esta religião, e deu-lhe uma presença institucional no Estado Romano (a partir de Constantino, o tribunal do bispo local, a episcopalis audientia, podia ser escolhida pelas partes de um processo como tribunal arbitral em lugar do tribunal da cidade). E quanto às suas profissões de fé pública, num édito do início de seu reinado, em que garantia liberdade religiosa, ele tratava os pagãos com desdém, declarando que lhes era concedido celebrar "os ritos de uma velha superstição".
Esta clara associação da casa imperial ao cristianismo criou uma situação equívoca, já que o cristianismo se tornou a religião "pessoal" dos imperadores, que, no entanto, ainda deveriam regular o exercício do paganismo — o que, para um cristão, significava transigir com a idolatria. O paganismo retinha ainda grande força política — especialmente entre as elites educadas do Ocidente do império — situação que só seria resolvida por um imperador posterior, Graciano, que renunciaria ao cargo de pontífice máximo em 379 — sendo assassinado quatro anos depois por um usurpador, Magno Máximo. Somente após a eliminação de Máximo e de outro usurpador pagão, Flávio Eugénio, por Teodósio I, é que o cristianismo se tornaria a única religião oficial (395).
O imperador romano Constantino influenciou em grande parte a inclusão na igreja cristã de dogmas baseados em tradições. Uma das mais conhecidas foi o Édito de Constantino. promulgado em 321, que determinou oficialmente o domingo como dia de repouso, com exceção dos lavradores, — medida tomada por Constantino utilizando-se da sua prerrogativa de, como Sumo Pontífice, fixar o calendário das festas religiosas, dos dias fastos e nefastos (o trabalho sendo proibido durante estes últimos). Note-se que o domingo foi escolhido como dia de repouso, não apenas em função da tradição sabática judaico-cristã, como também por ser o "dia do Sol" — uma reminiscência do culto do Sol Invicto de que o imperador era adepto. Aboliu também a crucificação como forma de castigo, devido ao seu significado simbólico e quando partia para a guerra, fazia-se acompanhar de um altar portátil.
Apesar de a Igreja ter prosperado sob o auspício de Constantino, ela própria decaiu no primeiro de muitos cismas públicos. Constantino, após ter unificado o mundo romano, convocou um Primeiro Concílio em Niceia, um grande centro urbano da parte oriental do império, em 325, um ano depois da queda de Licínio, a fim de unificar a Igreja cristã, pois com as divergências desta, o seu trono poderia estar ameaçado pela falta de unidade espiritual entre os romanos. Duas questões principais foram discutidas em Niceia (atual Iznik): a questão da Heresia Ariana que dizia que Cristo não era divino, mas o mais perfeito das criaturas, e também a data da Páscoa, pois até então não havia um consenso sobre isto.
Foi em grande parte devido aos esforços de Constantino que o mundo ocidental se converteu ao Cristianismo tão cedo e tão completamente. Estranhamente, o Imperador só aceitou receber o baptismo poucos dias antes de morrer e pelas mãos de um bispo ariano, Eusébio de Nicomédia.

 

Fontes: wikipedia,org.
Marsh, W.B. E Bruce Carrick – 365 Grandes Historias da História





terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Batalha de Nicópolis








Em finais do sec. XIV, os Turcos Otomanos tinham reduzido o outrora poderoso império bizantino a pouco mais do que a própria cidade de Constantinopla. Em 1389, o sultão Murad I tinha vencido os exércitos sérvios e búlgaros na batalha de Kosovo Polje, terminando assim com a independência da Sérvia e da Bulgária. O seu império abrangia a maior parte da península balcânica. Da Arménia e do Cáucaso estendia-se até ao Adriático. Só as muralhas de Constantinopla resistiam ainda aos Turcos. No Ocidente, um certo número de países seguiam com apreensão as conquistas otomanas.
O novo sultão era agora o temível Bayezid I, ou Bajazet, que tinha ascendido ao sultanato em 1389, após o assassinato do pai, Murad I, por um nobre sérvio no Kosovo. Uma das suas primeiras medidas é assassinar todos prisioneiros sérvios capturados na batalha como vingança pelo assassinato do pai, muito embora o próprio Bayezid tivesse mandado matar seu irmão Yakub, popular herói das campanhas balcânicas e um virtual pretendente ao trono otomano. Apesar de sua falta de piedade com os prisioneiros de guerra sérvios, e da redução daquele país à condição de vassalo dos Otomanos, Bayezid consegue uma aliança de paz com o rei Lázaro da Sérvia, ao tomar em casamento sua filha Olivera Despina, e ao conceder aos sérvios uma autonomia considerável sob o governo de Stefan Lazarevic, filho do rei Lázaro. É possível que os sérvios tenham preferido o protectorado otomano porque os Húngaros já faziam incursões em território Sérvio planeando conquistar o país e usá-lo como trincheira contra os Otomanos.
Quando da ascensão de Bayezid ao trono, a Bulgária resumia-se a um estreito polígono entre o Mar Negro, a cordilheira do Haimos, as fronteiras com a Sérvia e o rio Danúbio e a Roménia dividia-se em dois reinos: o da Valáquia (entre os Cárpatos e o Danúbio) e o do Principado da Moldávia (dos Cárpatos ao Rio Bug do Sul).
Na tentativa de conquistar Constantinopla e desejando eliminar os dois estados cristãos ao norte, de onde poderiam partir expedições de socorro, Bayezid impõe um cerco à capital bizantina em 1391 e dois anos depois, invade a Bulgária, tomando a capital Tarnovo e a maior parte daquele país, restando livres apenas o Czarado de Vidin e o Despotado de Dobruja.
Todavia, ao cruzar o Danúbio em 1394, é derrotado por Mircea I, comandante das forças romenas, na Batalha de Rovine. Mircea ocupa temporariamente a Dobruja até esta ser conquistada por Bayezid em 1396. Alcunhado de “O Raio” devido aos seus repentinos e devastadores ataques, tendo decidido alargar os seus domínios mais além, em 1395 marchou para Ocidente, ameaçando directamente a Hungria, governada pelo rei Sigismundo I, o Sacro Imperador Românico Germânico que chamou em seu socorro os príncipes e os povos da Europa Ocidental. Em princípios de Julho, alcançou Nicópolis, uma fortaleza búlgara situada nas margens do Danúbio que conquistou após um breve cerco aniquilando os defensores.
Desta vez, o Papa Bonifácio IX convocou uma cruzada para eliminar a ameaça muçulmana. A ideia propagou-se com os melhores resultados. Carlos VI de França prometeu ajuda e os duques de Borgonha reclamavam a honra de serem psotos à frente de um exército de cruzados. Assim, em Julho de 1396 Jean de Nevers, o herdeiro da Borgonha conhecido mais tarde como João Sem-Medo, pôs-se em movimento à testa de um exército heterogéneo formado por 10.000 franceses, 2000 alemães, 1000 ingleses e grande variedade de soldados provenientes da Polónia, Áustria, Lombardia e Croácia, bem como um contingente de Cavaleiros Hospitalários. Marcharam para leste e em Buda juntou-se-lhes um grande exército de 30.000 húngaros, sob o comando do seu rei Sigismundo. O objectivo dos Cruzados era nada menos do que expulsar os Turcos dos Balcãs e depois, através da Anatólia e da Síria, seguir rumo a Jerusalém para reconquistar a Cidade Santa. O seu primeiro alvo importante era Nicópolis, recentemente conquistada e agora ocupada pelos Turcos. À frente deste imponente exército marchavam oito cavaleiros, escoltando a bandeira da Virgem, cuja imagem estava rodeada de flores de lis. Os cruzados não tinham dúvida de que iam exterminar facilmente os inimigos da cristandade.
Ao longo dos séculos, sempre a coragem e a determinação dos Cruzados foi muito mais forte do que o planeamento e a preparação. A Cruzada de 1396 não constituiu excepção, porque os exércitos europeus não tinham trazido material de assédio, pelo que foram forçados a cercar e a isolar Nicópolis, em vez de a subjugar. Este erro deu aos Turcos várias semanas para segurarem a fortaleza, enquanto esperavam por reforços que não tardaram a chegar. Resolvido a salvar Nicópolis, o sultão saiu da Turquia à testa de um grande exército, que incluía os temíveis janízaros (do turco Yeniçeri ou “Nova Força”), um contingente de infantaria composto por jovens cristãos raptados às famílias e obrigados a converter-se ao Islamismo. Era o chamado “imposto de sangue” imposto pelo Sultão Murad I e aplicado aos povos cristãos que ficavam sob o jugo otomano. Não podiam casar e depois de anos de treino intensivo, formavam a guarda pessoal do Sultão, a quem eram fiéis até à morte e à sua ordem combatiam até os seus antigos irmãos, sendo considerados a elite do exército otomano. Depois de se lhe juntarem os aliados sérvios, Bajazet ocupou posições defensivas na estrada para a cidade, com os flancos protegidos por fundas ravinas.
Era o dia 25 de Setembro de 1396. Ávidos de sangue e honra, os impacientes cavaleiros franceses lançaram imediatamente um ataque, não obstante os conselhos em contrário do rei Sigismundo que propôs que a infantaria húngara fosse a primeira a atacar. A princípio foram bem-sucedidos derrotando a infantaria turca e a cavalaria ligeira e lançando-se sobre os Janízaros. Bruscamente, a cavalaria francesa foi obrigada a uma paragem; tinham chegado a um campo de estacas aguçadas cravadas no terreno e tiveram de desmontar dos seus cavalos esventrados. Mesmo a pé eram combatentes formidáveis, rompendo a linha dos Janízaros e matando-os aos milhares.
Os Franceses e seus aliados subiram então uma pequena colina, na esperança de pilharem o acampamento do sultão; mas deram de caras com a cavalaria pesada otomana ali reunida. Isolados do resto do exército cristão, foram cercados e chacinados ou aprisionados.
Entretanto, a infantaria húngara dos Cruzados inicialmente saiu-se melhor, derrotando as forças turcas à sua frente, antes que os soldados sérvios de Bajazeto surgissem de emboscada e pusessem em fuga todo o exército dos Cruzados em pânico.
Apenas alguns poucos escaparam. O rei Sigismundo fugiu para o Danúbio, onde embarcou; Jean de Nevers e cerca de vinte e quatro outros cavaleiros de grande nome e fortuna foram feitos prisioneiro e libertados após o pagamento dos seus resgates, o que poderia demorar anos. Os restantes, no dia seguinte à batalha, foram obrigados a desfilar perante o Sultão furioso pelas baixas sofridas e entregues ao carrasco, depois de se negarem a converter-se ao Islão, sendo decapitados na presença do conde da Borgonha e dos outros cavaleiros. Os cruzados marcharam para o suplício como verdadeiros mártires. Segundo relatam testemunhas, podiam-se ouvir agradecer a Deus a graça que lhes fora concedida de morrerem por Ele. Os que sobraram foram dados aos soldados como escravos.
Toda a cristandade sentiu uma emoção intensa em face do relato do destino pavoroso reservado aos Cruzados e voltaram a ver-se no Ocidente as procissões de penitentes conhecidas dos tempos das epidemias da peste. Poderia o sultão executar a ameaça de levar os seus cavalos a pastar nos jardins de S. Pedro?
Mas Bajazet que tinha também sofrido pesadas perdas, conquista as províncias remanescentes da Bulgária e pôs cerco a Constantinopla. Todavia, em 1401 levanta-se na Ásia um novo império mongól, liderado por Timur-I-Leng, conhecido na literatura ocidental como Tamerlão. Este já havia conquistado boa parte da Ásia Central, todo o Irão e o Cáucaso, e invadira o leste da Anatólia, alcançando os Otomanos pela retaguarda. Bayezid é obrigado a abandonar o assédio a Constantinopla e voltar todas as suas forças para a defesa da Anatólia. Em 20 de Julho de 1402, Bayezid é derrotado e capturado pelos Mongóis na Batalha de Ancara. Em vão esperou que os filhos o fossem libertar. Quando após o cativeiro de nove meses soube que iria ser arrastado em triunfo a Samarcanda, não pode suportar esta ideia e morreu em 1403 vítima de uma crise de coração.
Os turcos mantiveram sua pressão sobre Constantinopla que só cairia em 1453 aumentaram o controle sobre os Balcãs e tornaram-se uma grande ameaça para a Europa Central. A nobreza búlgara foi eliminada – os aristocratas foram obrigados a aceitar o Islamismo sob pena de serem executados. Os camponeses foram reduzidos à servidão sendo-lhes também aplicado o famigerado “imposto de sangue”. Demoraram cerca de cinco séculos a reconquistarem a sua liberdade! 

Fontes:
Grimberg, Carl - História Universal
Marsh, W.B. e Bruce Carrick - 365 Grandes Histórias da História
www.wikipedia.org 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

D. Mafalda



Mafalda, Matilde, Mahault ou Mahalda, da vida da primeira rainha de Portugal, como aliás de algumas outras, sabe-se muito pouco.
Filha de Amadeu III, conde de Sabóia, Maurienne e Piemonte e da condessa Mafalda de Albón, ignora-se ao certo o ano e o dia do seu nascimento, supondo-se que tivesse sido entre 1125 e 1130, pelo que teria entre 16 ou 20 anos quando se casou em 1146 com D. Afonso Henriques, que rondaria então os 37 anos de idade, pois a partir desse ano o seu nome figura, embora como Mahalda, em todos os documentos públicos do seu tempo, juntamente com o nome do rei. Seu pai tinha participado na 2ª Cruzada, sendo considerado um príncipe muito piedoso e um fiel Defensor do Papa, e além de D. Mafalda tinha mais 9 filhos. Pelo lado materno era sobrinha do rei Luís VII, de França, visto sua mãe ser irmã da rainha Adelaide, esposa deste soberano. Um seu tio-avô tinha sido Papa entre 1119 e 1124, com o nome de Calisto II e era também bisneta de Berta, imperatriz da Alemanha, casada com o imperador Henrique IV.
Como todas as princesas da sua época deveria possuir uma cuidada formação moral e religiosa influenciada pela Ordem de Cister, mas a noiva do nosso primeiro rei deve ter trazido também, juntamente com as suas aias e validos, alguma coisa da galantaria e do requinte que se verificava entre a alta aristocracia tanto de além Pirenéus como de além Alpes já muito mais sujeita à influência trovadoresca da França, que em Portugal ainda dava os primeiros passos.
As razões para este consórcio também não estão muito bem esclarecidas, mas além da Casa de Sabóia ter fortes ligações com a Casa de Borgonha de que D. Afonso descendia, o rei ganharia um excelente aliado para a expulsão dos mouros do território português. Roma também era favorável a esta união e o facto do monarca se unir matrimonialmente com a filha de um vassalo do imperador romano-germânico não só o distanciava do imperador hispânico, como o prestigiava e favorecia a legitimação do reino junto da Santa Sé.
Mas enquanto decorriam as escolhas e as negociações para o matrimónio do rei, em 1138 ou talvez antes, D. Afonso apaixonou-se por D. Flâmula ou Chamoa Gomes, sobrinha de Fernão Peres de Trava e filha de Gomes Nunes de Pombeiro, antigo conde de Toroño. Tinha sido casada com Paio Soares da Maia, com quem teve 3 filhos. O mais velho, Pedro Pais foi alferes – mor de D.Afonso entre 1147 e 1169. Após enviuvar, D. Chamoa entrou para o Mosteiro de Vairão, mas ainda teve uma relação com D. Mem Rodrigues de Tougues, de quem teve também um filho. É depois destes acontecimentos que D. Afonso estabelece com ela uma relação sentimental da qual nasceram 2 filhos e que só acaba com o casamento do Rei. Chamoa foi o grande amor da vida do monarca português que tudo tentou para casar com ela, mas dado que era “devota, isto é deo vota, votada a Deus”, nem a Santa Sé teria poder para a desligar dos votos monásticos. Por outro lado, D. Afonso teria também a oposição dos barões portugueses que, de maneira nenhuma, quereriam ver uma sobrinha do conde Fernão Peres de Trava, sentada no trono de Portugal…
Atendendo a todas estas razões e porque era imperioso garantir a sucessão do trono, D. Afonso Henriques aceita o casamento com D. Mafalda e Chamoa Gomes retira-se para o convento de Grijó, onde ainda sobreviveu ao rei. Seria um casamento de conveniência, como era normal na época, mas os cronistas dizem que era “mui formosa e dotada de muitas bondades.” Dizem também que tinha mau génio, que a união não seria muito pacífica, e que a presença da rainha no reino não estivera isenta de conflitos.
O mais célebre deu-se com S. Teotónio, prior do Mosteiro de St. Cruz, de quem se dizia que D. Afonso quando o via, descia do cavalo para lhe beijar a mão. Diz a tradição que D. Mafalda era de partos difíceis; assim achando-se uma vez às portas da morte, por ocasião de estar no último período de gravidez, sem poder nem ter forças para parir, diz a lenda que mandara chamar S. Teotónio, o qual deitando-lhe a benção, logo a rainha dera à luz o menino com toda a facilidade. Um quadro foi mandado fazer, em 1627, pelo prior geral D. Miguel de Santos Agostinho, para a capela de S. Teotónio na igreja de Santa Cruz, representando aquele milagre.
A Rainha foi depois ao Mosteiro em acção de graças, pela recuperação do parto, e pretendeu de todos os modos, ver o claustro interior. S. Teotónio guardava-se das mulheres como se fossem inimigos e nunca falava com uma sem ter testemunhas, recusou-lhe terminantemente a entrada por “nem ser coisa de ordem nem de louvável costume, mulher alguma entrar na morada dos que fugiam ao mundo, senão por ventura fosse morta nem ser ofício de rainha, nem por Deus lhe seria reputado a glória fazer tal cousa.” - Em Vida de S. Teotónio, 1968 p.164. Acrescenta Fonseca Benevides, que muitas foram as desavenças entre a rainha e o prior, a quem perseguiu com o seu ódio e muitas vexações.
De qualquer modo, D. Mafalda cumpriu em pleno o seu papel de procriadora, dando à luz em 12 anos de casada, sete filhos. O primogénito herdeiro, a quem foi dado o nome de Henrique, nasceu a 5 de Março de 1147, fruto de um parto difícil e complicado, como foram todos os seis seguintes. Sucederam-se Urraca (1148), Teresa (1151), Mafalda (1153), Martinho, futuro Sancho I (1154), João (1156) e Sancha, nascida em 1157 a quem não chegou a ver pois morreu dez dias após o seu nascimento.
Não se conhece qualquer interferência da rainha na vida política do país. Dedicou-se à educação dos seus filhos e dos bastardos do rei, que como era uso na altura eram criados juntos e passou pelo desgosto de ver morrer o seu primogénito. Às mortes do outros três filhos que morreram jovens, Mafalda, João e Sancha , já não assistiu, pois já não era deste mundo.
Quanto ao seu casamento, é certo que durante os doze anos que durou, não se conheceram quaisquer ligações amorosas ao rei, mas dado o feitio colérico de D. Afonso, sujeito a excessos, violências e brutalidades e as suas constantes ausências da corte devido aos combates que teve de travar para a expansão e consolidação do reino, não deve ter primado pela felicidade...
Segundo as poucas notícias que temos dela, são-lhe atribuídas algumas obras sociais, como a fundação de uma igreja em Marco de Canaveses juntamente com uma albergaria para peregrinos e pobres “e com boas portas fechadas porque os peregrinos que ali albergarem não recebam algum desaguisado. E estarão aí camas boas e limpas em que se possam bem albergar nove desses peregrinos, aos quais serão dadas rações de entrada ou de saída e lume e água e sal quanto lhe fizer mester. E finando-se algum desses peregrinos seja enterrado com três missas. E com pano e cera.” – La Figaniére, 1859,p.222.
Fundou também o Mosteiro da Costa, sobranceiro a Guimarães. Atribui-se-lhe o estabelecimento do serviço de dois barcos em Moledo e Porto de Rei, de modo a proporcionar a travessia do rio Douro, perto de Lamego. Os barqueiros recebiam pelo serviço as rendas de algumas propriedades locais pertencentes à rainha e estavam proibidos de cobrar o que quer que fosse aos passageiros, sob pena de multa ou prisão. Mandou também construir uma ponte sobre o rio Tâmega e outra sobre o Douro, em Mesão Frio.
Morreu a 3 de Dezembro de 1157/1158, provavelmente de complicações do último parto, com cerca de 32 anos e jaz sepultada na Igreja de St. Cruz, no mesmo mausoléu do seu marido, que lhe sobreviveu 27 anos.

Descendência:

D. Henrique (1147 – 1155) presumível herdeiro do trono, falecido aos 8 anos de idade.
D.Urraca ( 1148 – 1211?) casada com Fernando II, de Leão e cujo casamento foi anulado pelo Papa ao fim de onze anos de casamento, por falta de dispensa de parentesco.
D. Teresa (1151 – 1218) também conhecida por Matilde, casou em primeiras núpcias com o conde Filipe da Flandres em 1184, e depois com o duque Odo III da Borgonha, de quem se separou, tendo-se tornado condessa regente da Flandres.
D. Mafalda (1153 – 1162) noiva de Afonso II de Aragão, morreu jovem.
D. Martinho, futuro Sancho I (1154-1211) herdeiro do trono de Portugal, depois da morte do seu irmão Henrique, altura em que lhe trocaram o nome para Sancho por ser um nome mais usual entre os monarcas leoneses.
D. João (1156 – 1163) falecido ainda criança.
D. Sancha (1157 – 1167) faleceu aos dez anos.
Fontes:
Domingues, Mário – D. Afonso Henriques
Freitas do Amaral, Diogo – D. Afonso Henriques
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Imagem: Purl,pt

sábado, 11 de julho de 2015

Magna Carta IV



Após a morte do rei Ricardo,que não deixou descendência, sobe ao trono o seu irmão mais novo, João Sem-Terra, coroado como João I, de Inglaterra.
Embora no início do seu reinado procurasse reorganizar as finanças do país, a sua natureza violenta e cruel, a arrogância e o desprezo com que tratava os nobres – irlandeses, ingleses e normandos – e a impopularidade que já o acompanhava, depressa o tornaram odiado pela maior parte dos seus súbditos.
Uma má estratégia política e militar resultou na perda da quase totalidade das suas possessões no norte da França em 1204 e uma última tentativa em 1214 para recuperar o ducado da Normandia resultou num fracasso total. Em 1211 entrou também em conflito com o Papa Inocêncio III ao recusar-se aceitar o candidato nomeado por este para Arcebispo da Cantuária e ao confiscar os bens eclesiásticos, o que lhe valeu a excomunhão.
As desastrosas campanhas militares exigiam cada vez mais dinheiro e se em 1207, o rei controlava a sexta parte de todo o dinheiro em circulação no país, por volta de 1213 era já a metade desse todo que a Coroa arrecadava, o que não impedia que estivesse arruinada e o reino a braços com uma forte recessão económica.
Aproveitando-se desta debilidade interna, os barões do Norte (os chamados Northeners), ainda não esquecidos do poder que tinham adquirido durante o período da Anarquia revoltaram-se, pelo que por volta de 1212 o país encontrava-se num quase estado de guerra civil.
O humilhante desfecho do conflito que pôs frente a frente o monarca inglês e o autoritário Papa acabou por levar ao rubro a cólera de todos os ingleses. Além da excomunhão, Inocêncio III ameaçou destronar João I e dar a coroa ao seu rival, o rei Filipe Augusto, de França, que preparava uma expedição para invadir a Inglaterra. Perdendo toda a coragem, o rei ajoelhou-se em frente ao legado do Papa e estendeu-lhe a coroa, o que significava que aceitava a Inglaterra como um feudo do sumo pontífice, prometendo também pagar um tributo anual a Roma.
Em 1215, os vassalos romperam o juramento de fidelidade ao rei apoiados pelos burgueses de Londres e outras cidades seguiram-lhe o exemplo, tais como Bury, St. Edmunds e St. Albans, conhecidas como Charter Towns (as cidades da Carta). Liderados pelo Arcebispo da Cantuária, Stephen Langton, apresentaram ao rei, a 10 de Junho de 1215, um documento de 63 cláusulas, a que então se deu o nome de “Artigos dos Barões” (Articles of the Barons), e que foi assinado por ambas as partes a 19 desse mesmo mês, sendo enviadas cópias para as cidades mais importantes do país, existindo hoje apenas quatro delas.
A cláusula 61, a que os historiadores conhecem como “cláusula de segurança” e que estipulava a criação de uma comissão de 25 barões encarregada de vigiar a aplicação da Magna Carta, pressupunha uma humilhação inaceitável para qualquer governante, pois tornava-o formalmente num refém dos seus próprios súbditos.
Imediatamente depois de ser assinada, a Carta foi praticamente ignorada por ambas as partes; os barões não levantaram o cerco a Londres e o rei apelou para o Papa, que excomungou tanto o Arcebispo como os revoltosos, declarando que o documento “era nulo e vazio de qualquer conteúdo”, o que levou ao começo da Primeira Guerra dos Barões que durou de 1215 a 1216, altura da morte de João I.

Para os seus contemporâneos a Magna Carta foi um fracasso, com aplicação problemática uma vez que nenhuma das partes tinha a intenção de cumprir o acordado. Mas os compromissos que continha foram retomados nas décadas seguintes e, com algumas alterações, acabou por ser integrada na legislação inglesa.
Curiosamente, embora as cláusulas da Magna Carta na sua grande maioria tenham sido anuladas ao longo do tempo, substituídas ou simplesmente tornadas irrelevantes, 800 anos depois três delas - sobre a liberdade da igreja de Inglaterra, sobre as liberdades da cidade de Londres e sobre a recusa da privação de liberdade de forma arbitrária - continuam em vigor na lei inglesa, provando a imortalidade e invulgar atualidade de um dos mais importantes documentos da história universal.




domingo, 28 de junho de 2015

MAGNA CARTA - III


Henrique II




 Henrique II (1154-1189), filho de Matilde e Godofredo, além de rei de Inglaterra era também duque da Normandia e é considerado o primeiro rei da Casa Plantageneta (assim chamada por ter uma flor de giesta – plant à genêt- nas suas armas) e cabeça do império angevino.
Pelo lado da mãe possuía a Normandia e a Bretanha; pelo pai, as regiões do Loire, e, após o seu casamento aos 19 anos com a bela e rica Leonor de Aquitânia, ex-rainha de França e 12 anos mais velha, o ducado da Aquitânia de que ela era a herdeira. Por isso, quando subiu ao trono em 1154, pouco depois do seu casamento, Henrique governava um vasto país que se estendia das montanhas da Escócia até aos Pirinéus.
Este rei iria dar um novo impulso à evolução da sociedade inglesa ao tentar submeter tanto a nobreza como o clero à autoridade da Coroa. As suas primeiras medidas foram dirigidas aos nobres que se haviam tornado imprevisíveis durante a crise. Castelos construídos sem autorização real foram desmantelados e um novo sistema de colecta de impostos implementado. A administração pública melhorou significativamente com o estabelecimento de registos públicos criados pelo rei. Descentralizou também o exercício da justiça através de magistrados com poderes de agir em nome da coroa e implementou o julgamento por júri.
Em 1164, o monarca promulgou uma série de leis conhecidas como As Constituições de Clarendon – Constitutions of Clarendon. Estes textos, apresentados no Palácio de Clarendon, em Wiltshire, e que pretendiam diminuir a independência do clero e a influência de Roma na política inglesa, tiveram uma grande influência no posterior desenvolvimento do direito inglês. Entre outras medidas, determinou que os clérigos fossem julgados em casos de assassinato, não só por tribunais eclesiásticos, mas também por um tribunal civil, para assim evitar a sua impunidade.
Mas se conseguiu impôr-se aos seus barões, o rei não quis ou não soube impôr-se aos seus próprios filhos. Da rainha Leonor teve vários filhos varões e por volta de 1170, sentindo-se doente, Henrique decidiu separar os seus territórios de forma a serem herdados pelos diferentes filhos, nada deixando porém ao mais novo, João, por ser ainda muito jovem e que ficou conhecido por João Sem-Terra (John Lackland). O resultado foi desastroso uma vez que os príncipes, apesar do pai ter recuperado a saúde, decidiram mesmo assim apropriar-se das terras antes da sua morte, o que levou a vários anos de guerras civis entre pai e filhos, que culminaram após a morte de Henrique, o Jovem, primeiro e do próprio Henrique II depois, na coroação de Ricardo, Coração de Leão, como rei de Inglaterra.
Ricardo (Oxford, 8 de Setembro de 1157 – Châlus, 6 de Abril de 1199) durante o seu breve reinado de dez anos, apenas passou vários meses em solo inglês. Guerreiro brilhante e experiente(aos 16 anos já comandava o seu próprio exército), educado principalmente por sua mãe no Ducado de Aquitânia e sem saber falar inglês, foi um dos principais chefes da 3ª Cruzada, ficando célebre pelas suas vitórias contra Saladino, embora não conseguisse reconquistar Jerusalém.
Imediatamente após a subida ao trono, começou a preparar a expedição à Terra Santa. Para tal, não hesitou em esvaziar o tesouro do pai, cobrar novos impostos, vender títulos e cargos por somas exorbitantes a quem os quisesse pagar e até libertar o rei Guilherme I da Escócia dos seus votos de vassalagem por cerca de 10.000 marcos. Ao partir, deixou como regente sua mãe, a rainha Leonor, auxiliada pelo seu irmão mais novo, João.
Em 1192, viu-se obrigado a regressar ao reino, devido não só à atitude do irmão que intentava tirar-lhe o trono, mas principalmente devido à ameaça pendente sobre as suas possessões francesas, representada pelo rei Filipe II de França, que lhe cobiçava a Aquitânia e a Normandia. Preso pelo arquiduque de Áustria, o seu resgate custou 150.000 marcos ao tesouro de Inglaterra, soma equivalente ao dobro da renda anual da coroa, o que colocou o país na absoluta bancarrota e obrigou a muitos impostos adicionais nos anos seguintes.
Apesar do esforço do país para o libertar, Ricardo abandonou a Inglaterra de novo ainda no mesmo ano de 1194 para lidar com os problemas fronteiriços com a França nos territórios do continente, mas é morto por uma flecha quando cercava o castelo de Châlus, em 1199.

Ricardo, Coração de Leão

sexta-feira, 19 de junho de 2015

MAGNA CARTA – II

Henrique I






Em 1066, Guilherme, duque da Normandia, invade a Inglaterra, derrotando o rei Harold Godwinson na Batalha de Hastings e sobe ao trono com o nome de Guilherme I, o Conquistador.
Para poder cumprir as suas promessas feitas aos cavaleiros ávidos de saque que o acompanhavam, declarou traidores todos os que pegaram em armas contra ele, e todas as terras que o rei não conservou para si, distribuiu-as pelos seus vassalos normandos, a título de feudos, introduzindo assim o sistema feudal na Inglaterra.
Embora Guilherme permitisse inicialmente aos nobres ingleses manter suas terras em troca da sua submissão. em 1070 a nobreza nativa tinha deixado de ser parte integrante da paisagem inglesa, e em 1086, apenas controlava 8% das suas propriedades originais.
Oprimidos, espoliados das suas terras e dos bens, vendidos como escravos ou reduzidos à situação de servos dos grandes senhores, os Anglo-Saxões, desesperados, por diversas vezes se revoltaram, mas as suas revoltas foram afogadas em sangue.
O ódio aos conquistadores exprime-se nas narrativas populares relativas ao nobre salteador Robin Hood, que vivendo à margem da lei, distribuía pelos pobres o dinheiro que tirava aos ricos
Apenas com o decorrer do tempo o ódio entre Anglo-Saxões e Normandos diminuiu; foi preciso século e meio para que estes dois povos se fundissem num único povo inglês e que o idioma misto, que se transformou na língua inglesa, se consolidasse.
Os sucessores de Guilherme, o Conquistador foram os seus outros filhos, que herdaram do pai a força brutal e o egoísmo impiedoso, assim como parte do seu talento de homem de estado, principalmente o mais novo, que subiu ao trono como Henrique I, reinou de 1100 a 1135 e consolidou o reino de Inglaterra frente a galeses e escoceses.
De acordo com a tradição inglesa e para legitimar o seu reinado, Henrique emitiu uma carta régia, também conhecida como Carta das Liberdades (Charter of Liberties), em que garantia os direitos da nobreza e prometia “abolir todos os maus costumes pelos quais o Reino de Inglaterra era injustamente oprimido.” Apresentou-se como tendo restaurado a ordem a um país devastado por dificuldades e anunciou que iria abandonar as políticas de Guilherme em relação à igreja, que eram vistas como opressivas pelo clero; prometeu também evitar os abusos reais dos direitos de propriedade dos barões, garantindo uma volta aos costumes gentis de Eduardo o Confessor, afirmando também que iria “estabelecer uma paz firme" por toda a Inglaterra, e ordenando que essa paz fosse mantida.
Apesar da Carta das Liberdades ser praticamente ignorada durante mais de um século (até ser recuperada para servir de base à Magna Carta),Henrique I sempre se esforçou por consolidar a sua autoridade mais pela força do Direito do que pela força das armas. Em 1120, sofre uma tragédia pessoal e política com a morte do seu único filho varão de apenas 17 anos de idade, Guilherme Adelin (1103-1120), no naufrágio do “White Ship”, no rio Sena, pelo que para evitar uma guerra de sucessão, e apesar de ter vários filhos ilegítimos, nomeia como sucessora a sua filha Matilde, viúva de Henrique V, imperador do Sacro Império, casada em segundas núpcias com um conde angevino Godofredo de Anjou, obrigando os nobres, por duas vezes, a jurarem-lhe fidelidade.
As consequências foram terríveis; após a morte do rei em 1135 devida a uma intoxicação alimentar provocada pela ingestão de lampreias estragadas, o acesso de uma mulher ao trono, facto inédito em Inglaterra, provocou uma insurreição popular apoiada por grande parte dos nobres e pela igreja, que depressa deflagrou numa guerra civil, entre os partidários da rainha, que se intitulou de Imperatiz Matilde, apoiada pelo seu meio-irmão Robert, conde de Gloucester, e os de Estêvão de Blois, sobrinho do falecido monarca, que na ausência de Matilde se fez coroar rei de Inglaterra e era apoiado pela maioria dos nobres e pelo clero.
Entre 1135 e 1154, a Inglaterra esteve a ferro e fogo, numa guerra tão selvagem que ficou conhecida como “A Anarquia”. Por incrível que pareça, a guerra terminou, não pela vitória militar de uma das partes, mas porque, alguns barões e notáveis do país se recusaram a continuar uma luta inútil, dispendiosa e excessivamente longa e impuseram aos dois monarcas em litígio, em 1153 o Tratado de Winchester (o Wallingford), em que após a morte de Estêvão de Blois, o sucessor seria, não o seu herdeiro, mas o filho de Matilde, o jovem Henrique, coroado em 1154 como Henrique II Plantagenet.
Esta imposição dos nobres seria, em grande medida, o gérmen da atitude que os barões tomariam em 1212...




Godofredo e Matilde

segunda-feira, 15 de junho de 2015

MAGNA CARTA – I

Articles of the Barons 1215






Nenhum homem livre poderá ser detido, preso, declarado fora da lei, exilado ou punido de qualquer outra forma sem primeiro ter sido julgado pelos seus pares, segundo as leis do reino”.
 
É este artigo que diz respeito à protecção da liberdade pessoal do cidadão contra o abuso do poder, o ponto principal do histórico documento chamado de “Articles of the Barons” apresentado a 10 de Junho de 1215, ao rei inglês João Sem-Terra pelos revoltados barões ingleses que cercavam Londres, e assinado pelo monarca a 15 do mesmo mês, faz hoje 800 anos, nos prados de Runnymede, nas margens do rio Tamisa, e que ficou conhecido pelo nome de Magna Carta.
Depois de aposto o selo real, os barões extraíram várias cópias do documento que enviaram para todos os condados e a 19 de Junho os nobres renovaram os seus votos de lealdade para com o rei.
Embora na realidade, neste documento, homem livre significasse homem nobre, e sancionasse os privilégios dos senhores feudais e dos príncipes da Igreja, com o andar dos tempos, a consciência popular considerou-o como extensível a todo o povo inglês, e apesar de, naquela altura, ter sido ignorado por ambas as partes, tornou-se séculos depois, um dos fundamentos do constitucionalismo.
Escrita em latim, o documento assinado e cujo nome completo é Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), continha mais 62 artigos, que focavam aspectos muito concretos, considerados então igualmente importantes, garantia certas liberdades políticas inglesas e continha disposições que tornavam a Igreja livre da ingerência da monarquia, reformavam o direito e a justiça e regulavam o comportamento dos funcionários reais:
O art. 40 diz: "A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça."
O art. 35, impunha uma única de medida para o vinho, a cerveja e o cereal a vigorar em todo o reino, o chamado “quarto de Londres” (London quart).
Os arts. 30 e 31, proibiam a confiscação arbitrária de carros, cavalos, casas ou bosques, pelo rei ou pelos barões.
Nos arts. 2 e 3 estipulava-se uma forma primitiva do Direito das Sucessões.
O art. 8 garantia que nenhuma viúva seria obrigada a contrair novo matrimónio contra a sua vontade.
No art. 17 estabeleciam-se tribunais de justiça geográficamente estáveis, isto é, não seguiriam a Corte itinerante do rei, e no art. 45 exigia-se a que as autoridades judiciais nomeadas para essas zonas tivessem um conhecimento profundo das leis e dos costumes locais.
A Carta declarava também que o suserano não seria autorizado a lançar impostos, além daqueles há muito considerados legais, sem a aprovação de um Grande Conselho composto pelos vassalos do rei e pelos dignitários eclesiásticos. Esta assembleia, que em breve receberia o nome de Parlamento, seria convocada por decreto real. Como a burguesia tinha participado no movimento pela liberdade, a Magna Carta confirmava os antigos direitos e privilégios das cidades.
Mas, sem dúvida alguma, o artigo mais gravoso para o rei, que limitava a sua autoridade e lhe impunha uma humilhação inaceitável para qualquer monarca, era o art. 61, o chamado “artigo de segurança”, que estipulava a criação de uma comissão de 25 barões encarregados de assegurar que a Carta seria respeitada por ambas as partes, e o direito à rebelião armada por parte desses mesmos nobres caso o rei faltasse à palavra dada.
Devido a uma união perfeita, as classes emancipadas da nação inglesa conseguiram forçar o tirano a inclinar-se perante a lei. Este facto iria contrabalançar o princípio feudal da fidelidade incondicional dos vassalos. Na realidade, a Magna Carta representou na altura, não tanto uma carta de liberdades, mas uma vitória simbólica da aristocracia contra um rei odiado por todos.
Mas porquê? Como foi possível que em pleno sec. XIII um documento destes pudesse ser firmado e quem era João Sem- Terra?
Para o compreendermos teremos de voltar cerca de um século atrás...












segunda-feira, 16 de março de 2015

Os Etruscos e o Mundo do Além -1

 Os historiadores não estão de acordo quanto à origem dos Etruscos. Admitem, no entanto, que a civilização etrusca surgiu na Itália Central no sec. VIII a. C., seguindo-se, sem interrupção sensível, à civilização vilanovense, sólidamente instalada no Lácio desde o princípio do 1º milénio a. C.
Segundo Heródoto, os Etruscos viveram inicialmente na Lídia, na Ásia Menor. Uma prolongada fome fê-los emigrar. Será isto verdade? Seja como fôr, os vestígios etruscos provam a existência de contactos muito estreitos com o Oriente. Entre outros, foram encontrados, um vaso de pedra com o nome de um faraó egípcio que reinou cerca de 700 a.C., e uma reprodução em bronze de um fígado que deveria ter sido utilizada para o ensino da predição do futuro a partir das entranhas. A interpretação dos presságios através do exame das entranhas dos animais sacrificados e do voo das aves fazia parte da arte divinatória dos Orientais e passou para os Etruscos, que, por seu turno, a ensinaram aos Romanos.
A arquitectura apresenta semelhanças ainda mais notáveis. Contrariamente aos templos gregos – e ao romanos posteriores -, os templos etruscos são construídos sobre uma plataforma elevada, à semelhança das “montanhas artificiais” dos Sumérios, os ziggurats.
Tal como os outros povos do Próximo Oriente, os Etruscos representavam toda a espécie de animais fabulosos. Nas paredes dos deus túmulos encontramos uma fauna extremamente variada: esfinges, grifos e quimeras. Foi, sem dúvida, do Oriente, por intermédio da Grécia, que receberam os seus modelos. Em geral, a influência grega depressa se torna mais forte do que a oriental.
No início do sec. V a. C., os Etruscos estavam no auge do seu poder. Em seguida, a pressão dos povos celtas, vindos do Norte, e dos Gregos, vindos do Sul, tornaram-lhes a vida difícil. Encontraram um aliado em Cartago, mas a sorte não estava com eles. Em 480 a.C., o ano em que os Gregos metropolitanos venceram os Persas, os gregos ocidentais infligiram uma derrota esmagadora aos Cartagineses e seis anos mais tarde foi a vez dos Etruscos, vencidos perto de Cumas por Hiéron, tirano de Siracusa. Esta derrota marca uma viragem na história dos Etruscos, a sua decadência foi ininterrupta; o seu território foi sendo, pouco a pouco, conquistado pelos Celtas, pelos Samnitas e pelos Romanos.
Os mais belos tesouros artísticos deixados pelos Etruscos são os seus esplêndidos túmulos, com as paredes ornamentadas de frescos; do ponto de vista ornamental, só as últimas moradas dos Egípcios de elevada categoria podem rivalizar com os túmulos etruscos. Tanto para uns, como para outros, a morte e as cerimónias fúnebres, tinham, no plano religioso, grande importância. A morte devia inspirar aos Etruscos um terror sem limites. Nenhum povo europeu imaginou criaturas mais pavorosas do que os demónios etruscos, com garras e bicos de ave de rapina: possuíam cabelos de um vermelho vivo e reviravam os olhos selvagens numa face lívida. Os Etruscos ornamentava os seus túmulos com cenas escolhidas entre as mais divertidas da vida terrena, como se quisessem arranjar compensação para a morte. Aí se vêem imensos festins, jogos e bailados onde pequenas dançarinas marcam o ritmo com a ponta dos dedos. As pinturas tumulares exprimem as alegrias da vida e dos sentidos e atestam uma tão refinada elegância que lembram os frescos do palácio de Cnossos. Os escritores gregos e romanos cantaram a beleza das mulheres etruscas e as pinturas dos túmulos confirmam o que por eles foi dito. Já as esculturas funerárias dos homens mostram-nos homens gordos e feios, por isso os Romanos aos descreverem-nos chamavam-nos de “gordos e barrigudos”.
 


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Juramento dos Horácios

O Juramento dos Horácios – Jacques-Louis David (1784)

Le Serment des Horace (O Juramento dos Horácios) de Jacques-Louis David (Paris, 30 de Agosto de 1748 - Bruxelas, 29 de Dezembro de 1825), é uma pintura a óleo concluída em 1784, de 3,3 por 4,25 metros, e encontra-se no Museu do Louvre, em Paris.
A intenção do pintor era fazer deste quadro uma arma de propaganda mas nem mesmo ele podia prever o sucesso que teria. A obra mostra uma cena da história romana, onde os cidadãos republicanos, na qualidade de homens livres, pegam em armas para decidirem eles o destino do Estado. Neste caso não são portanto reis ou condes que tomam as decisões, mas sim cidadãos que se empenham responsavelmente pelo bem da nação.
Quando foi pintado, tinha David 27 anos, o antigo regime da monarquia francesa com base no direito divino dos reis, tinha apenas mais 4 anos de vida. Em 1789, a Revolução Francesa, que David apoiava desde o início, sendo amigo de Robespierre e membro do Grupo dos Jacobinos, implantou uma nova ordem política, o Estado nação republicano, com os seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.
Ironicamente, este quadro foi encomendado pelo rei Luís XVI, que morreria na guilhotina em 1793, sendo um dos votos favoráveis à sua execução do próprio David.
Heróico, autoritário e de composição impecável, o quadro personifica o novo sonho político em que a França se encontrava mergulhada e tem por base um episódio passado na Antiga Roma.
Verdadeira ou lendária a luta entre Horácios e Curiácios foi registada, no século I a. C., pelo escritor latino Tito Lívio na obra "Ab Urbe Condita" e séculos mais tarde recuperada pelo dramaturgo francês Pierre Corneille (1606-1684) na tragédia "Horace".
Reza a história que no Lácio, o país dos Latinos, havia diversas cidades, sendo Alba Longa a mais antiga e Roma a mais recente. Por volta do ano 669 a.C., Roma teve um rei belicoso na pessoa de Tullus Hostilius que, um dia resolveu entrar em guerra com a sua metrópole. Os exércitos das duas cidades já estavam dispostos em ordem de batalha, prontos a lançarem-se uns sobre os outros, mas hesitando em cometer um acto tão ímpio dado os estreitos laços que os uniam.
Decidiram então que a querela seria resolvida por um duelo. Havia justamente nas fileiras de cada um dos exércitos três irmãos, os três Horácios no lado romano e os três Curiácios no de Alba Longa. Foram eles os escolhidos para travarem o combate decisivo, tendo ficado estipulado que a pátria dos vencedores reinaria sobre a dos vencidos.
A um sinal combinado, os seis jovens lançarem-se uns sobre os outros, até que, dois dos romanos caíram feridos de morte. Os três Curiácios estavam feridos, mas agora eram três contra um. Já as aclamações dos Albanos soavam, quando o Horácio sobrevivente se pôs em fuga. Ao irem atrás dele, os Curiácios separaram-se e astuciosamente, o romano foi eliminando um de cada vez.
Voltando a Roma triunfante, à frente do seu exército e sob os aplausos da população que o aclamava como herói, Horácio tem à sua espera as mulheres da família, entre as quais Sabina, irmã dos Curiácios e mulher de um dos Horácios e a sua irmã Camila, que estava noiva de um dos Curiácios e se desfaz em prantos ao ver o manto do seu amado entre os troféus que o irmão exibia. Irritado, Horácio arremete contra a irmã e trespassa-a com a sua espada exclamando: “Que morra assim todo o romano que chore a morte de um inimigo!”.
Este acto do vencedor fez calar todos os aplausos e, apesar do imenso serviço que ele tinha prestado à sua cidade, Horácio foi levado perante o tribunal e condenado à morte. Mas o povo acedeu ao pedido do seu velho pai, que suplicou lhe deixassem o seu último filho.
O cenário arquitectural do quadro é nitidamente romano, com três arcos dóricos sustentados por colunas também dóricas que correspondem ao agrupamento das figuras. Cada grupo ou indivíduo está emoldurado por um dos arcos, sugerindo o seu isolamento e os laços que os unem. A austera coluna dórica, caracterizada pela ausência de base, era considerada de carácter masculino e militar.
A lança, que mal se nota na arcada escura, é o único ornamento deste espaço nú e desprovido de qualquer luxo doméstico e serve também para equilibrar o ângulo do corpo do pai, quase ao centro da tela.
Os três irmãos são apresentados como modelos do soldado ideal. Os rostos amargos e determinados e a sua linguagem corporal transmitem a mensagem de que o dever e a disciplina são a virtude suprema e se necessário morrerão por elas.
No centro da pintura verifica-se a acção principal : O ritual do juramento. A pose heróica do pai acentua a nobreza do seu sacrifício. Nas suas mãos segura as três espadas para onde se estendem as mãos dos seus filhos no momento de prestarem o seu juramento, iluminadas pela viva luz do sol. O pai olha para os céus, em direcção aos deuses, os filhos têm as pernas firmemente assentes no solo e o soldado mais próximo é agarrado pelo irmão com toda a força em volta da cintura.
As togas foram fielmente copiadas de exemplares romanos, tal como os elmos e as espadas. O pintor assegurou-se de que cada pormenor fosse o mais preciso possível e até os narizes dos homens, são do feitio conhecido por “nariz romano”.
A cor dominante neste grupo masculino é o vermelho-vivo, a cor da paixão, que se iria tornar na cor tradicional da Revolução.
No entanto, todo este grupo masculino projecta a sua sombra escura sobre o canto onde duas crianças se abrigam sob o manto protector da avó, a mãe dos Horácios. A criança mais velha, embora assustada, afasta a mão da velha senhora e olha para as espadas com os olhos muito abertos. A sombra indica que até crianças inocentes devem estar dispostas a pagar o preço exigido pela lealdade ao Estado.
Também a atitude firme e determinada dos homens contrasta com a posição desfalecida das duas outras mulheres sentadas que assistem à cena e cujas mãos pendem inertes e passivas. Também elas iluminadas pela luz do sol, são a personificação da tragédia e da angústia. A mulher de branco é Sabina, irmã dos Curiácios e mulher de um dos Horácios que prestam juramento. Encosta-se à cunhada Camila, noiva de um dos Curiácios e que será morta por um dos seus irmãos.
Com esta obra Jacques-Louis David pretendeu mostrar que o cumprimento do dever está acima de qualquer sentimento pessoal, o Estado acima do indivíduo.