domingo, 15 de junho de 2014

…E o Amor começa na Suméria

Diz Samuel Noah Kramer e muito bem, que a História começa na Suméria, mas a poesia amorosa também…
Ao contrário da poética narrativa e glorificadora de que se conhecem bastantes excertos, da poesia lírica apenas se conheçam dois poemas, encontrados por acaso no Museu da Antiguidade Oriental de Istambul, aproximadamente no fim do ano de 1951, por Muazzez Cig, um dos conservadores turcos da colecção de placas literárias sumérias guardadas em gavetas naquele museu.
Numa delas, a placa 2461 atraiu-lhe a atenção pelo bom estado de conservação em que se encontrava e ao estudá-la percebeu que tinha diante de si um dos mais antigos poemas de amor alguma vez escrito por mãos humanas…
Através dos tempos, a voz de uma jovem noiva convida o seu amado a entregar-se às suas carícias durante uma noite de amor na casa de ambos…
Carregado de sensualidade, este cântico de amor erótico, mas não profano, era recitado durante a celebração das bodas sagradas do casal divino (o aikitu), na festa do Ano Novo, a maior solenidade cíclica dos sumérios, aparentemente consumados na prática pelo rei e uma das sacerdotisas da deusa Inana, com a finalidade da perpetuação da fecundidade universal.
Nesta festa, celebrada no início da Primavera e provavelmente no início do Outono e que durava vários dias obedecendo a um ritual detalhado e preciso, era à sacerdotisa escolhida para representar a noiva divina entre as várias que serviam no templo da principal deusa do panteão sumério que cabia o dever de declamar este hino dedicado ao noivo real, neste caso, o rei Shushin, um monarca sumério que reinou em Ur entre 2038 e 2030 a.C.
 
POEMA AO REI SHUSHIN

Noivo, caro ao meu coração,
Agradável é a tua beleza, doce mel,
Leão, caro ao meu coração,
Agradável é a tua beleza, doce mel.

Tu cativaste-me, deixa-me permanecer tremente perante ti,
Noivo, eu deixaria que me levasses para o quarto,
Tu cativaste-me, deixa-me permanecer tremente perante ti,
Leão, eu deixaria que me levasses para o quarto.

Noivo, deixa que te acaricie,
A minha preciosa carícia é mais saborosa do que o mel,
No quarto o mel corre,
Desfrutamos a tua agradável beleza.
Leão, deixa-me acariciar-te,
A minha preciosa carícia é mais saborosa do que o mel.

Noivo, tu de mim tomaste o teu prazer,
Diz à minha mãe, ela far-te-á gentilezas,
O meu pai, ele dar-te-á presentes.

O teu espírito, eu sei onde recrear o teu espírito,
Noivo, dorme na nossa casa até ao amanhecer,
O teu coração, eu sei como alegrar o teu coração,
Leão, durmamos juntos em nossa casa até ao amanhecer.

Tu, porque me amas,
Dá-me o favor das tuas carícias,
Meu senhor deus, meu senhor protetor,
Meu Shu-Sin que alegra o coração de Enlil,
Dá-me o favor das tuas carícias.

Teu lugar agradável como mel, por favor estende
a tua mão sobre ele,
Traz a tua mão sobre ele como um manto gishban
Cola a tua mão como uma taça sobre ele como um traje gishban-sikin.

Fontes:
Kramer, Samuel Noah – A História começa na Suméria
História Universal vol.1
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