sábado, 31 de março de 2012

BASÍLICA DE FOGO

O grande cortejo pontifical saíra da Capela Sistina, descera a Escada Régia, atravessara, com uma lentidão sonora e policroma, a nave majestosa da Basílica, bordando em leves espirais de fogo a arquitectura soberba das capelas e nichos, desenhando em oiro a floresta dos mármores e das pilastras, como uma chuva suspensa de túlipas, descem do alto, entre damascos, grinaldas de luzes que cintilam.
A procissão, como uma estrada ardente de círios, caminha entre cortinas, tapeçarias espessas e ondulantes de cabeças humanas – mole formidável que se comprime em torno das colunas, dos monumentos, dos altares e que, de minuto em minuto, cresce, se estende, reflui, entre cordões amarelos e vermelhos da Guarda Suíça - e avança sob a claridade fulva que cai em flocos, dir-se-ia desfolhando-se, do interior da cúpula de Bounarroti, grande como um céu.
Os estandartes dos milagres da Santa drapejam, flutuam, à superfície daquele mar imenso – entre salmos. Passa a cruz papal, passam mitras brancas, sobrepelizes de oiro, báculos, lanças, hábitos dos monges, estolas flamejantes, dalmáticas, espadas palatinas, penachos que rutilam. A litania sobe, com um sussurro de prece e de hino. Dir-se-ia que todo o templo, os mármores e os bronzes de Bramante, de Miguel Ângelo, de Bernini, as pilastras e os mosaicos de Cochi, os pórfiros e os alabastros, os turíbulos, os roquetos episcopais, as capas brancas, as capas roxas, a Cruz, e as estátuas, as lâmpadas e os círios cantam em coro a Avé Maris Stella. E a procissão agora dobra o grande altar papal, cerca o grande baldaquino de Bernini. Da Escada Régia chega como que um frémito de palmas. Agita-se mais a seara negra e ondulante da multidão. As trombetas de prata soam, estrídulas, ao fundo da nave, o hino pontifício. E, todo em branco, envolto na nuvem branca dos flabelos, numa nuvem argêntea e plúmea, o Papa surge.
É, primeiro, ao fundo, uma aparição sumptuosa e ebúrnea, alva capa de asperges, a tiara que cintila, um braço que abençoa, a sédia gestatória, toda oiro e púrpura. Depois, lentamente, trazida aos ombros vermelhos dos sediários, entre alabardas flamejantes, guarda-nobres, batinas negras, a visão avança. Estrugem palmas, as trombetas de prata ressoam, como um clamor de hossana que parece descer do alto da abside iluminada. A vibração de apoteose, passando num frémito, agita, como um vento de floresta, aquele mar humano que se prosta e aclama. Mais estátua que homem, quase hierático nos seus paramentos sacros, quase imagem, Pio XI dir-se-ia suspenso, ele próprio, no gesto rítmico que bendiz e perdoa. A mão esquerda sustenta um círio que tremula.
A sédia gestatória detém-se um momento diante da Capela do Santíssimo Sacramento; depois prossegue, de longe parece que flutua. Contorna, sempre na mesma nuvem dos flabelos o altar de S. Pedro. E agora é a voz branca dos coros da Capela Sistina, a voz mística do órgão que, num crescendo de prece e de cântico, ascende, como espirais de incenso, enchendo de sonoridade religiosa, de súplica, de eco, a magnificência estrelada de oiro da Basílica. Cessou, ao fundo, o hino argênteo; cessou, como por encanto, o murmúrio estridente das aclamações. Os estandartes dos milagres da Santa imobilizam-se entre os mármores. Imobiliza-se, entre os mil lumes que o recamam, o cortejo pontifício. Pio XI traça sempre no ar o mistério simbólico, quase imperceptível, da cruz. Através dos óculos que lhe velam o olhar fixo e vago, parece que se cerram suas pupilas claras. Seu rosto, mais severo do que expansivo, contrai-se num esforço evidente de vida interior e de seráfica majestade. A luz da cúpula imensa envolve a figura esculpida em branco do Pontífice. Os flabelos, ao alto, parecem leques de espuma.
E no instante supremo em que, passando junto ao túmulo de S. Pedro, ao centro da grande cruz latina do Templo, a sédia gestatória se inclina em direcção ao trono papal – milagre maravilhoso daquela manhã de sagrado Maio! – um feixe de sol, coado através das enormes janelas da abóbada gigantesca de Miguel Ângelo, veio, palpitando, iluminar em cheio o Papa, drapejar, como clarão, sobre a sua veste branca, cintilar como um revérbero, sobre a tiara constelada de joias – arder sobre a bênção caindo da sua mão erguida…
E nesse reflexo de oiro coroando, a meio dessa Basílica toda vestida de púrpuras e de fogo, a visão magnífica de um Papa, enquanto os mármores, as mitras, os salmos, entoavam o esplendor da liturgia maravilhosa, não foi apenas um Pontífice, um símbolo, um cortejo de dignatários e de sacerdotes do Vaticano que eu vi! Foi toda a incomparável visão, foi todo o surpreendente cortejo de vinte séculos de História e de Fé que, de repente, encheram meus olhos deslumbrados…
Do livro “As Mulheres e as Cidades”, de Augusto de Castro

Fontes: Almanaque Diário de Notícias, 1962
Imagem: Revistaantigaportuguesa.blogspot.com
Artigo assinado por A. de P. sobre a peça Amor à Antiga, de Augusto de Castro, e interpretada por Joaquim Costa, Albertina de Oliveira, Augusto de Melo, Inacio Peixoto, e Lucinda do Carmo. Desenhos de Hipólito Colomb.
Ilustração Portugueza, No. 470, February 22 1915 - 32,

Augusto de Castro Sampaio Corte-Real (Porto, 11 de Janeiro de 1883 — Estoril, 24 de Julho de 1971), mais conhecido por Augusto de Castro, foi advogado, jornalista, diplomata e político com uma carreira que se iniciou nos anos finais da Monarquia Constitucional Portuguesa.
Exerceu a sua actividade profissional de advogado no Porto, mas acaba por se fixar em Lisboa onde se dedica ao jornalismo. É nomeado director do Diário de Notícias de 1919 a 1924, altura em que parte para Londres, em missão diplomática, retomando o cargo a partir de 1940. Foi ministro de Portugal em Londres, Bruxelas, Roma, Paris e junto da Santa Sé.
Em 1938 é nomeado Comissário geral da Exposição do Mundo Português, e em 1948 representa Portugal na Assembleia Geral da ONU, como embaixador extraordinário do governo português.
Membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Brasileira de Letras e da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, Augusto de Castro, além de várias peças para o teatro, como, entre outras, Amor à Antiga, (1907), A Culpa (1918), Amor (1934), escreveu também crónicas e contos, como Os Homens e as Sombras, O Amor e o Tempo, As Mulheres e as Cidades…
É deste último livro “As Mulheres e as Cidades”, cuja nota de abertura é assinada pelo próprio autor, o conto que acima transcrevo, mas não resisto à tentação de acabar esta pequena biografia, com as próprias palavras do escritor:
“São os homens que fazem a cultura duma raça – mas são as mulheres que fazem a civilização dum povo. A alma das cidades é sempre uma alma feminina.”

quarta-feira, 21 de março de 2012

Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o insecto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

terça-feira, 20 de março de 2012

BALADA DAS VINTE MENINAS FRIORENTAS


Vinte meninas, não mais,
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Vinte meninas, não mais,
Eu via naquele muro:
Tinham cabecinha preta,
Vestidinho azul escuro.

As minhas vinte meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Chegaram na Primavera
E acenaram lá dos céus.

As minhas vinte meninas
Dormiam quentes num ninho
Feito de amor e de terra,
Feito de lama e carinho.

As minhas vinte meninas
Para o almoço e o jantar
Tinham coisas pequeninas,
Que apanhavam pelo ar.

Já passou a Primavera
Suas horas pequeninas:
E houve um milagre nos ninhos.
Pois foram mães, as meninas!

Eram ovos redondinhos
Que apetecia beijar:
Ovos que continham vidas
E asinhas para voar.

Já não são vinte meninas
Que a luz do Sol acalenta.
São muitas mais! muitas mais!
Não são vinte, são oitenta!

Depois oitenta meninas
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Mas as oitenta meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Em certo dia de Outono
Perderam-se pelos céus.

Matilde Rosa Araújo

sexta-feira, 16 de março de 2012

Alma Adorada Mie…

Numa das minhas idas a terras transmontanas há uns anos atrás, sentei-me num café para beber a minha tradicional “bica” matutina, e ao folhear por acaso uma revista que ali se encontrava, deparei com o famoso poema de Luís de Camões - “Alma minha, gentil,” – traduzido para mirandês, um dialecto pertencente ao grupo astur-leonês, falado no concelho de Miranda do Douro e em aldeias dos concelhos limítrofes, e pelo qual, pessoalmente, sinto uma grande curiosidade.
La Lhéngua Mirandesa é falada por cerca de 15.000 pessoas, e, apesar de em 1999 ter sido reconhecida como a 2ª língua oficial do nosso país, continua, infelizmente, desconhecida para a grande maioria da população portuguesa.
Tal como a língua, também os seus poetas…

O abade Manuel Joaquim Sardinha nasceu no dia 20 de Julho de 1841em São Martinho d’ Angueira, terra de que foi abade e onde viveu desde 1869, aí falecendo, ao que parece, a 4 de Abril de 1911.
Conhecido no mundo das letras como o poeta Manuel Sardenha ou Manuol Sardina, foi, provavelmente, o primeiro escritor da língua mirandesa, embora também tenha escrito em português.


Alma Adorada Mie

Alma adorada mie, que secumbiste
Tan cedo, d’esta bida descuntente
Descansa alhá no cielo aternamente
I biba you na tierra siempre triste.

Se na glória aternal, donde chubiste
D’esta bida hai lhembrança realmente,
Nunca squeças esse amor fuerte, eicelente
Que ya nos uolhos mius tan puro biste.

I se bes que puode algo merecer-te
L lhuito i l delor que me quedou
De la mauga forçosa de perder-te:

Roga a Dius que tous anhos ancurtiou
Que tan cedo d’acá me lhiebe a ber-te,
Cumo de los mius uolhos te lhevou.

Luís de Camões

Traduçon de L Abade Manuol Sardina – 1885


Fontes:
Abadesardina.wordpress.com

domingo, 11 de março de 2012

Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca

quarta-feira, 7 de março de 2012

Vamba – Historia e Lenda – IV

O Freixo de Wamba
Sobre a vara florida do Rei Wamba, há ainda uma outra versão além da que contei no primeiro post sobre este rei…
Conta a lenda, que quando os mensageiros do Conselho dos Godos descobriram Wamba a lavrar e o quiseram levar com eles, ele espetou a vara da aguilhada no chão e disse:
- Só irei convosco, se esta vara se tornar numa árvore!
Palavras não eram ditas, a vara criou raízes, cresceu, deitou ramos e folhas, tornando-se num freixo, o qual ainda podemos apreciar no percurso pedestre junto a Idanha-a-Velha /Idanha-a-Nova!
No início do século XVI, Duarte d'Armas não se esqueceu de o reproduzir ao representar o conjunto das fortalezas de Monsanto e Idanha-a-Velha/ Idanha-a-Nova.

A Sepultura de Wamba
Na igreja da freguesia de Briteiros Santa Leocádia, existia uma sepultura contígua à porta travessa da Igreja que se diz ter pertencido ao rei-abade S. Wamba, e que posteriormente foi deslocada para a frente do cemitério.
Era uso antigo para se curarem as crianças doentes, apanharem-se umas ervas do adro da igreja que se benziam na imagem de Santa Leocádia, dizendo “A bênção do Padre, do Filho e do Espírito Santo”. Molhavam-se depois na pia da água benta, misturavam-se com terra da sepultura do santo, coziam-se e com a água daí resultante, dava-se banho a toda e qualquer criança doente. E pela bênção, dava-se ao pároco, um vintém.

Santo Egídio e o Rei Wamba
Santo Egídio foi um santo católico eremita do século VI originário da Grécia que se tornou popular na região da Provença e na Escócia. A abadia onde viveu Santo Egídio, Saint-Gilles, é local de peregrinação e um dos pontos de paragem dos Caminhos de Santiago.
São poucos os dados que existem sobre a vida deste santo, supondo-se que tenha nascido por volta de 650 d. C., em Atenas.
De acordo com a Legenda Áurea, depois da morte de seus pais, decidiu tornar-se um ermitão, vivendo na pobreza e totalmente dedicado a Deus. Instalou-se em França, numa caverna de uma floresta próxima de Nimes, cuja entrada era escondida por um arbusto espinhoso. Na mais completa pobreza, alimentava-se apenas de ervas, de raízes e do leite de uma corça, que, segundo a tradição, lhe tinha sido enviada por Deus.
Certa vez, o rei Wamba foi caçar nas proximidades da caverna de Egídio e, em vez de ferir uma corça que se escondera atrás de um arbusto, a sua flecha acertou na mão do pobre ermitão, que tentava proteger o animal acuado. Descoberta assim a residência do eremita, o rei, para se desculpar, mandou-lhe o seu médico e passou a visitá-lo com frequência, presenciando vários prodígios que divulgava na Corte. Assim, a fama de santidade de Egídio ganhou vulto e ele passou a ter vários discípulos. O rei, então, mandou construir um mosteiro e uma igreja, sendo Santo Egídio o seu primeiro abade. Aí faleceu a 1 de Setembro de 720, sendo nesta data que a Igreja celebra a sua festa litúrgica. A sua sepultura depressa se tornou num local de peregrinação, estendendo-se o seu culto por todo o mundo cristão.
Mais tarde, o mosteiro foi entregue aos beneditinos.
É um dos quatorze “santos auxiliadores” do povo, sendo invocado contra a convulsão da febre, contra o medo e contra a loucura.

Fontes e imagens:
cm-vvrodao.pt
naturtejo.com
briteirossantaleocadia.pt



domingo, 4 de março de 2012

Vamba - História e Lenda – III


Vamos então ver algumas das lendas que constam sobre este rei:

O Castelo do Rei Wamba

Sobranceiras às célebres Portas de Ródão erguem-se, ainda hoje, velhas ruínas de uma antiga fortaleza que o povo diz ter sido o Castelo do Rei Wamba.
Este rei visigodo fundou o Castelo de Ródão na margem norte do rio Tejo onde vivia com a mulher e os filhos. Na margem sul, vivia um rei mouro por quem a mulher de Wamba se apaixonou e como o amor era recíproco, aproveitando um dia a ausência do marido, deixou-se raptar pelo seu amado.
Quando soube disto, Wamba, que adorava a mulher, jurou vingar-se. Disfarçando-se de mendigo, dirigiu-se ao castelo inimigo para a trazer de volta, mas precavendo-se, ordenou aos seus homens que se escondessem e só atacassem quando o ouvissem tocar a sua trompa de guerra.
Chegado lá, pediu para o levarem à rainha porque trazia um recado para ela. Quando a mulher o reconheceu, manhosa, exclamou entre hesitante e aflita:
— Estamos perdidos! Esconde-te nesta alcova porque o Mouro que foi à caça, não demorará. Quando ele chegar, mata-o para eu poder regressar contigo…
Poucos minutos passados chegou o Mouro e a rainha fazendo-lhe um sinal de aviso, perguntou-lhe:
— Mataste muita caça?
— Sim, tive um bom dia!
— Pois também eu, respondeu ela, nem imaginas o que cacei… E, abrindo a porta da alcova, mostrou-lhe o falso mendigo!
Estupefacto, mas satisfeito por ter em suas mãos a vida do seu maior adversário, o Mouro, dirigiu-se-lhe:
— O dia de hoje foi para mim de grande felicidade. Matei muita caça e tenho-te aqui à mão. Quero por isso ser generoso. Ora diz:
— Que farias tu, Wamba, se te encontrasses no meu lugar?
Com astúcia e sangue-frio este respondeu:
— Agradeço a tua generosidade e, visto que me é permitido lavrar a minha própria sentença, quero dizer-te que se os nossos lugares se trocassem, obrigar-te-ia a subires ao cimo da torre do castelo e tocares esta trompa até rebentares!
— Pois, cumpra-se, disse o Mouro. Não terás de te queixar...
E Wamba foi levado ao cimo da torre onde tocou a sua trompa com todo o vigor! Naquele toque (mal o Mouro o podia adivinhar) estava a sua perdição…
Os cavaleiros visigodos assim que ouviram o toque, e conforme o combinado, avançaram a todo o galope, apanhando os mouros desprevenidos. Após uma luta breve, mas renhida, o rei Mouro era morto e a esposa infiel conduzida para a outra margem, chorando sem parar a morte do seu apaixonado. Irritado com aquelas lágrimas, Wamba perguntou aos seus filhos:
— Meus filhos, se tivésseis esposas que adorásseis e assim procedessem, que lhes faríeis?
Tomou a palavra o mais velho:
— Conquanto me seja de muito pesar emitir opinião em assunto tão melindroso, afirmo que, se o caso comigo se desse, mandá-la-ia atar à cauda de um cavalo, que à desfilada a desfizesse em mil pedaços.
O filho do meio, respondeu:
- Por mim, adoptaria processo mais rápido. Pisá-la-ia e rachá-la-ia de meio a meio.
Restava a opinião do mais novo.
— Não costumo desobedecer às ordens de meu pai, chefe exemplar da nossa família e o fiel depositário da honra de nós todos, O momento é difícil, mas ante a nossa dignidade própria e a do nosso povo, digo que, se o caso comigo se desse, amarraria a adúltera a uma galga (mó de moinho) e deitá-la-ia por essa ribanceira, até o seu corpo se perder nas águas do rio.
Esta foi, de facto, a ideia que melhor calou no ânimo de Wamba que imediatamente a mandou executar. Presa com segurança a enorme galga, a rainha foi despenhada pela ribanceira. E rolando, rolando, afundou-se no Tejo, para mais não ser vista...
O povo de Vila Velha diz, ainda hoje, que por onde o corpo passou o mato nunca mais cresceu!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Vamba – História e Lenda - II


Segundo a tradição, depois da vitória em Narbona, o rei mandou trasladar para Palência as relíquias de Santo Antólin, um príncipe visigodo cristão executado em Tolosa nos finais do sec. V, onde lhe construiu uma cripta cujos restos se mantêm na actual cripta de San Antólin, na Catedral de Palência.
No seu regresso a Toledo, e prosseguindo a sua política de reforço do poder real, Wamba, publicou a 1 de Novembro de 673, uma lei militar que obrigava o clero e a nobreza a mobilizarem os recursos necessários – económicos ou militares – no caso de se produzir um ataque do exterior, ou uma revolta interna, estabelecendo duras penalidades (pena de mote, confiscação de bens ou o exílio), para os infractores.
Criou novos bispados para contrariar o poder crescente dos bispos, diminuindo assim as rendas dos já existentes, o que lhe valeu a inimizade de alguns dos principais membros do clero, os quais, após a sua morte, foram revogados pelo seu sucessor.
Conhecido como “o embelezador de Toledo”, o rei preocupou-se em melhorar as infra-estruturas já existentes, restaurou alguns aquedutos e edifícios da época romana, mandando também edificar novas construções no centro urbano da cidade.
Entretanto, um novo perigo ameaçava o reino. Os árabes, dominando já o Norte de África, ameaçavam os interesses visigodos que aí mantinham ainda algumas praças, como Ceuta. Em 672, um formidável combate naval, opunha as duas forças, em que graças ao talento militar de Wamba, os árabes foram completamente derrotados na batalha de Algeciras.
Em 675, o rei convoca o XI Concílio de Toledo, com o propósito de se encontrarem medidas para corrigir os vícios e abusos eclesiásticos.
Mas a popularidade de Wamba tinha diminuído bastante. O reforço do poder real não agradava de modo algum a parte dos nobres e do clero, que em breve urdiram uma intriga palaciana para afastar o rei.
Com a ajuda do conde Ervígio, foi administrado um narcótico às infusões de ervas naturais que o rei tinha por hábito ingerir, caindo este num estado de letargia, que parecia próxima da morte. Chamado o bispo Julião, foi-lhe subministrado o Ordo Poenitentiae, um ritual que impunha a tonsura e o hábito religioso, a fim de facilitar a entrada no céu ao moribundo.
Quando o efeito da droga passou e Wamba recuperou da letargia, era tarde de mais…A lei dos Godos proibia o acesso ao trono a quem vestisse o hábito, e o novo monarca já tinha sido ungido pelo bispo Julião!
Apenas restou ao velho rei aceitar a situação, retirando-se para o mosteiro de San Vicente, em Pampliega (Burgos), onde faleceu sete anos depois, aí ficando sepultado, até que Afonso X, rei de Castela, mandou trasladar o seu corpo para igreja de Santa Leocádia, junto ao Alcázar de Toledo, onde já se encontravam os restos mortais do rei Recesvinto. Durante a Guerra da Independência de Espanha, os túmulos foram profanados pelos soldados franceses, pelo que em 1845, os restos de ambos os monarcas foram depositados numa arca de madeira e trasladados para a Catedral de Toledo, onde se encontram na sala principal da sacristia.

Fontes: wikipedia.org
José Hermano Saraiva – História de Portugal
J. Serrão – Dicionário Histórico
A. Borges Coelho – História de Portugal