segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Panteão Céltico – II


O deus Dagda possuía três objectos extraordinários: uma moca ou maço, que tinha a propriedade, por um lado, de matar, mas, por outro, de ressuscitar os mortos; um caldeirão mágico de dupla utilização, tanto podia ser um caldeirão de abundância de onde se retirava infinitamente um alimento sem correr o risco de o esvaziar, como podia servir para ressuscitar os mortos desde que os mergulhassem dentro dele. O terceiro objecto era uma harpa de ouro que podia tocar sozinha e cuja melodia originava a quem a escutasse ou um pranto tremendo, ou então um riso incontrolável que acabavam por adormecer a assistência. Contudo, não podia tocar sem uma ordem sua.
Por sua vez, Lug, era também considerado um deus supremo, um deus celeste e luminoso, possuindo uma lança, uma arma de arremesso já mais moderna que o maço de Dagda, e que colocava ao alcance dos guerreiros os objectivos mais distantes. Por isso, os irlandeses o cognominaram de Lamfada, Mão Longa. A roda, um símbolo solar, era outro dos atributos deste deus da Luz. César escreveu que “os Gauleses fazem dele o inventor de todas as artes, o guia dos viajantes, o senhor do dinheiro e do comércio, mas também das batalhas”. Era dotado de todos os talentos e acumulava todos os privilégios. Na Irlanda, o seu culto era celebrado a 1 de Agosto, por ocasião da festa das colheitas, Lugnasad.O seu nome foi conservado num considerável número de topónimos por toda a Europa, como Lugdunum (Lyon), Laon, Lugan, Lusignac, em França, Lugo, em Espanha, Leyde, nos Países Baixos, Liegnitz, na Suiça, etc.
Apesar de Lug ser o deus da Luz, o verdadeiro senhor do Sol, o Apolo gaulês era Belenos, em honra do qual se acendiam as fogueiras nas noites dos solstícios de Junho e Dezembro e que acabou por se tornar para as gerações mais jovens dos celtas um substituto de Dagda (um deus já muito velho e antigo). Os Irlandeses chamaram-lhe Oengus, os gauleses, Maponos (Grande Filho) e os gaélicos, o Mac Oc (o Filho Jovem).
Cernunos ou Kernunos, o deus Cervo ou o deus Cornudo, uma das divindades mais misteriosas, era o soberano da Natureza. Durante seis meses morava no interior da terra juntamente com a sua esposa, uma deusa-mãe, que ao fim deste tempo o traía com Esus, o deus destruidor. Então Kernunos voltava ao exterior da terra onde fazia renascer a vegetação e multiplicarem-se os animais. Nesta altura nasciam-lhe na cabeça uns cornos semelhantes a uma armação de veado e durante os seis meses seguintes percorria o seu reino velando pela abundância das espécies, tanto da fauna como da flora.
A seguir, recuperava a sua esposa, perdia os cornos e regressava ao mundo subterrâneo, deixando a terra nua e despojada dos seus ornamentos à espera dos dias bons.
Descobrimos nesta lenda a origem dos galhos que a tradição popular atribuía aos maridos enganados, uma vez que apenas eles tinham direito à honra.
Depois do Cristianismo este deus foi absorvido pela personagem de S. Kornély ou Corneille, protector dos animais com cornos e pelos santos bretões Edern e Telo que tinham por hábito cavalgar veados. Foi também ele que inspirou a figura do diabo com cornos.



domingo, 1 de setembro de 2013

O Panteão Céltico - I



Bem menos conhecido que o dos Gregos e Romanos, é igualmente fascinante e rico.
Como todas as religiões politeístas, a dos Celtas venerava todo o tipo de deuses, fadas, génios, anões bons ou maus, heróis valorosos e também os defuntos. Como ocupavam uma extensa área que ia de Espanha até à Turquia, passando por França, Boémia, Hungria, norte de Itália, Suíça, os Balcãs, a Grã-Bretanha e a Irlanda pode ver-se a razão de haver tantos deuses. Podem demarcar-se três grupos de crenças, as dos Europeus, as da Cornualha e do país de Gales, e as da Irlanda (também denominadas Goidélicas ou Gaélicas), Ilha de Man e Escócia.
Prestavam culto a elementos da natureza e seus ciclos, como a Lua, o Sol, as florestas, o vento, a fertilidade, os rios, não tendo um deus chefe que reinasse sobre um panteão divino. Os ciclos naturais representavam o equilíbrio entre as forças contrárias (Céu e Terra, por exemplo), daí que para povos que viviam da agricultura fossem tão importantes. Veneravam também as fontes, cujas águas consideravam curativas de doenças para as quais não conheciam tratamento, e sítios sagrados.
Os seus deuses não viviam em comunidade ou num habitat colectivo como o Olimpo; partilhavam grutas, dólmens, túmulos, nascentes, o interior de montanhas, um conjunto de moradas diversas, constituindo o Outro Mundo, um mundo de paz e felicidade a que os irlandeses davam o nome de Sid (o próprio substantivo significa Paz).
Também não tinham forma física, eram espíritos puros que não podiam ser representados sob a forma humana. Breno, o chefe gaulês que ocupou o templo de Delfos, riu às gargalhadas ao entrar no templo e ver ali os deuses gregos representados por estátuas antropomórficas, todo o prestígio que a cultura grega lhe merecia, desapareceu naquele instante.
Só depois da ocupação romana, e para agradar aos ocupantes, é que os gauleses, tornados Galo-Romanos começaram a esculpir estátuas e baixos-relevos onde apresentavam as divindades sob aspectos humanos.
Ao contrário dos deuses gregos e romanos perfeitamente organizados e com laços de parentesco perfeitamente definidos, os deuses celtas podiam ser conhecidos por diversos nomes, ou alguns partilharem o mesmo nome, os seus laços de parentesco eram conforme as narrativas onde entravam, tanto podiam ser numa delas um pai, como noutra aparecer como filho, tornando o Sid bastante confuso.
Da religião dos povos que os tinham precedido no Ocidente, conservaram o culto da deusa-mãe, à qual fora atribuído o nome de Dana, mas que também é conhecida como Belisama (A Muito Brilhante), ou ainda Nantosuelta. Ela é também a tripla Brigitte, a deusa una em três pessoas representando a força, o poder e a fertilidade.
A Grande Deusa era a mãe de todos os deuses, mas também a distribuidora de toda a vida. O seu emblema era a lua, ou melhor, a lua era uma das teofanias que a manifestavam. O seu culto era muito anterior aos celtas; quando estes se espalharam pela Europa, encontraram povos pré-indo-europeus adoradores da deusa-mãe.
Segundo Júlio César no livro 6 da sua Guerra das Gálias, o grande deus dos Gauleses teria sido Dis-Atir, de quem os Celtas afirmavam descender, mas os irlandeses chamavam o grande deus de Dagda, o Deus Bom, um personagem gigantesco, de apetite insaciável, idêntico ao deus do malho dos gauleses do continente, chamado Sukellos, (O Bom Malhador).
Já Lucano na sua Pharsalia nomeia três divindades celtas – Teutates, Táranis e Esus – que exigiam aos homens sacrifícios humanos.
Teutates significa “o deus da Tribo”, da palavra celta teutã (tribo). As vítimas a ele destinadas eram afogadas.
Táranis, talvez um deus celeste cujo nome deriva do termo celta taran (o trovão), exigia que as suas vítimas fossem queimadas.
Quanto às que pertenciam ao deus Esus, que significa “ bom ou omnicompetente”, eram enforcadas.
Ao tentar explicar aos romanos as virtudes dos deuses celtas, Júlio César teve de os equiparar aos deuses romanos, o que seria muito útil para quem viajasse pela Gália no sec. I a.C., pelo que assim temos: Táranis (Júpiter),
Lug (Mercúrio), Maponos (Apolo), Brigitte (Minerva), Ogmios (Hércules ou Marte). Quanto a Dis-Atir (Dispater) deus romano dos mortos, na qualidade de primeiro homem, foi também o primeiro a morrer e a tomar o controlo do mundo subterrâneo, e era para ele que regressavam os espíritos dos mortos depois da sua passagem pela terra. Na mitologia celta e na tradição insular irlandesa, onde é chamado Donn – o castanho ou o preto – está afastado dos outros deuses.
Além destes, temos Épona “a Grande Égua” a quem os povos britónicos chamavam de Rigantona (a Grande Rainha) que se transformou em galês em Rhiannon, uma deusa-égua ou seja, uma condutora de almas, já que o cavalo é simbolicamente a montada que transporta os defuntos para o Outro Mundo, ou Beleno, o deus-Sol. Há também Cernunnos ou Kernunnos, o deus cornudo, senhor da Natureza, provavelmente o mais antigo dos seus deuses, e as grandes deusas tríplices: Morrigan, Brigitte e Macha. A tríade ocupava um lugar muito importante na religião celta, embora também de uma maneira muito diferente da trindade cristã.