quinta-feira, 12 de novembro de 2015

D. Dulce de Aragão

(vinheta da CVP de 1939)
Aldonça, Dulcia, Doce ou Dulce (versões do mesmo nome em documentos administrativos), a segunda rainha de Portugal, casou em 1174, aos 14 anos de idade, com o então infante D. Sancho, futuro D. Sancho I, de vinte anos, num casamento de conveniência política, como eram todos, negociado entre o pai do noivo, o rei português D. Afonso Henriques e o conde Raimundo Berenguer IV, de Barcelona, pai da noiva, o Dominador ou Protector do Reino de Aragão.
A sua mãe, a rainha Petronilha, única herdeira do reino de Aragão, foi dada com apenas um ou dois anos de idade em casamento ao conde-rei Raimundo de Barcelona, que contava cerca de 24 ou 27 anos e um dos mais bravos cavaleiros do seu tempo, com a condição deste proteger a herança da sua pequenina esposa, sendo-lhe outorgado o título de Protector do Reino de Aragão, estipulando-se no contrato de casamento que o futuro filho de ambos herdaria o reino, ou no caso de não haver descendência, seria o próprio Raimundo o herdeiro. Na altura em que D. Dulce nasceu, por volta de 1159, já existia o seu irmão Raimundo Berengário, que ao tornar-se príncipe herdeiro depois da morte de um irmão mais velho, Pedro,mudará o nome para Afonso, subindo ao trono de Aragão como Afonso II, tal como fez o noivo de D. Dulce, o príncipe D. Sancho, nascido Martinho, após a morte do irmão mais velho, Henrique.
Nesta altura, o reino de Portugal ainda não tinha sido reconhecido como tal pelo Papa, por isso ter como esposa uma filha de rainha e irmã de um rei que beneficiara do privilégio de ser ungido pelo Papa aquando da sua emancipação só podia trazer uma boa ajuda ao monarca português e a união com uma princesa da linhagem real de Aragão, cujo estatuto de reino independente já tinha sido reconhecido em 1095, só prestigiava a própria linhagem de D. Sancho que urgia fazer reconhecer como régia.
Não sabemos também se ela amou o homem de “meã estatura, mui dobrado de membros, rosto grande, boca grossa e grande, olhos pretos e grandes, cabello castanho mui tirante a preto”, que gostava de caça, de correr touros e dos serões da corte onde não faltavam jograis e trovadores de que ele fazia parte, poemas e vinho, mas que D. Dulce agradou ao marido atesta-o os cerca de 15 filhos que os cronistas lhe apontam, embora só se conheçam onze, e o facto de apenas se conhecerem filhos bastardos ao rei ou depois da morte da rainha, como apontam alguns historiadores, ou já nos seus últimos anos de vida, como referem outros. D. Sancho I apenas sobe ao trono em 1185, pelo que a primeira década do casamento da rainha é passada em Coimbra, sendo que depois provavelmente acompanhará a normal itinerância da corte.
Nada se sabe sobre o dote que trouxe ou das arras que lhe foram concedidas, e do seu séquito sabe-se que, entre outros, trouxe Martim de Aragão que aqui se estabeleceu e casou com D. Maria Reimondo ou Reimondes e uma aia, D. Toda Palazim, talvez filha de D. Palazim, cavaleiro aragonês e tenente de Saragoça, que a acompanhou toda a vida e que depois da morte da rainha ajudou a criar os filhos mais pequenos, sendo-lhe feita por D. Sancho I a doação do reguengo de Entre Ambos-os-Rios.
Segundo Luciano Cordeiro, a rainha "Formosa e excellente senhora, tranquilla e modesta, condizente no carácter com o nome", gostava de administrar e acrescentar a sua casa, conservando-se indiferente à política. Suportou as ausências do marido constantemente em batalha contra os mouros para expansão do reino, os surtos de fome e as epidemias que o reino atravessou e que prejudicaram a saúde do seu herdeiro Afonso, o futuro rei leproso. Aguentou também o feitio inconstante do rei e os seus ciúmes. Diz o Conde de Sabugosa no seu livro “Donas de Tempos Idos”:
Conta-se que induzido pelos murmúrios pérfidos de algumas vozes de invejosos, picados pelo valimento de algum mimoso da côrte, valente e galenteador. O Rei chegou a suspeitar da fidelidade de sua mulher. A Regina Dulcia, e a manifestar a intenção de castigá-la e ao suposto cúmplice. Ficou porém inconsolável pela sua suspeita ao reconhecer a inocência dos dois, e pesaroso por ter dado ouvidos a perversos caluniadores.
Dulce de Aragão estava inocente, e não consta mesmo que, usando dos seus encantos, quisesse vingar-se das empresas amorosas do marido”.
Se não há a certeza que a Rainha D. Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques possuísse bens em Portugal, não acontece o mesmo em relação à sua nora, pois em testamento feito em 1188, quando tencionava visitar a Palestina, D. Sancho I deixa a sua mulher os rendimentos de Alenquer, terras do Vouga, de Santa Maria e do Porto; ignora-se se a rainha gozou os rendimentos de todos estes bens, mas enquanto a Alenquer, junto a um lugar chamado Marinha fez a rainha muitas aquisições de terras e courelas que comprou a diversos, sendo de facto, senhora de Alenquer. Comprou também várias terras na Beira, adquiriu Ervedel, que doou à albergaria de Poiares, perto de Coimbra, comprou dezanove casais em Travanca (de Lagos) e as herdades de Sameice e de Seia, pelo que se pode depreender que no tempo de D. Sancho I, as rainhas de Portugal já tinham Casa.
Por mandato do rei outorga algumas cartas e entre elas, em 1192, o foral aos povoadores de Mortágua.
Era também uma princesa muito beneficente e piedosa que frequentemente vestia o hábito da Ordem Terceira, no entanto não fundou nem igreja nem mosteiro algum, provavelmente porque a relação de D. Sancho I com o clero foi sempre conflituosa, tendo sido excomungado por várias vezes. Nos primeiros anos do seu reinado doou um cálice de prata dourada e pedras preciosas ao Mosteiro de Alcobaça para serviço no altar-mor conforme consta na inscrição, e outro mais pequeno para servir nos altares laterais. Juntamente com o marido, em 1187,ofereceu também um outro cálice ao Mosteiro de Santa Marinha da Costa, em honra de sua sogra, a rainha D. Mafalda, considerada a fundadora do mosteiro. Na sacristia do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra conservava-se um anel com uma esmeralda, que se diz ter pertencido a D. Dulce.
Conhecida como a “Rainha Fecunda” devido à sua extensa prole, o seu primeiro herdeiro varão só nasceu ao fim de quase doze anos de casamento e quando já toda a corte desesperava, apesar das três infantas já nascidas. Três das suas filhas foram beatificadas, outras foram rainhas, mas apenas assistiu ao casamento de uma delas, a sua primeira filha, D. Teresa, rainha de Leão, pois em 1138, o seu corpo enfraquecido por tantos partos, alguns deles múltiplos, não resistiu ao últimos deles e à peste que então grassava no país, tendo falecido, a 26 de Agosto de 1198.
Tanto D. Sancho como D. Dulce foram sepultado em Santa Cruz de Coimbra, em sepultura rasa. O rei D. Manuel I mandou levantar o rico mausoléu que hoje contém os restos do segundo rei de Portugal e supõe-se que o corpo da rainha se encontre dentro dele, tal como aconteceu com D. Mafalda.

Descendência
D.Teresa (1176-1250), casou com Afonso IX de Leão, fundou o Mosteiro feminino de Lorvão e foi beatificada em 1705.
D. Sancha (1177/1180-1229), fundou o Mosteiro de Celas, em Coimbra e foi beatificada em 1705.
D. Constança (1182-1186?) morreu em criança
D. Afonso (1186- 1223) futuro D. Afonso II de Portugal.
D. Pedro (1187-1258),chamado de Henrique durante o seu primeiro ano de vida, casou com Arumbaix, condessa de Urgel, foi senhor feudal de Maiorca.
D. Fernando (1188-1233), casou com Joana de Constantinopla, condessa da Flandres e de Hainaut.
D. Henrique (1190-1191), morreu em criança.
Uma filha? (1192-?)
D. Raimundo(1195-1196?), morreu em criança.
D. Mafalda (1196-1257), casou com Henrique I de Castela, reestruturou o Mosteiro de Arouca e o de Bouças e foi beatificada em 1705.
D. Branca (1198-1240), monja e senhora de Guadalajara, fundou com a irmã Teresa o Mosteiro de S. Domingos e está sepultada em St. Cruz de Coimbra.
D. Berengária (1198-1220), casou com o rei Valdemar II da Dinamarca.
Talvez mais dois ou três filhos provavelmente mortos à nascença, ou gravidezes que não chegaram ao fim, mas não há registos.


As Primeiras Rainhas - Colecção Rainhas de Portugal do Circulo de Leitores
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal