Mostrar mensagens com a etiqueta galeria feminina. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta galeria feminina. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

D. Dulce de Aragão

(vinheta da CVP de 1939)
Aldonça, Dulcia, Doce ou Dulce (versões do mesmo nome em documentos administrativos), a segunda rainha de Portugal, casou em 1174, aos 14 anos de idade, com o então infante D. Sancho, futuro D. Sancho I, de vinte anos, num casamento de conveniência política, como eram todos, negociado entre o pai do noivo, o rei português D. Afonso Henriques e o conde Raimundo Berenguer IV, de Barcelona, pai da noiva, o Dominador ou Protector do Reino de Aragão.
A sua mãe, a rainha Petronilha, única herdeira do reino de Aragão, foi dada com apenas um ou dois anos de idade em casamento ao conde-rei Raimundo de Barcelona, que contava cerca de 24 ou 27 anos e um dos mais bravos cavaleiros do seu tempo, com a condição deste proteger a herança da sua pequenina esposa, sendo-lhe outorgado o título de Protector do Reino de Aragão, estipulando-se no contrato de casamento que o futuro filho de ambos herdaria o reino, ou no caso de não haver descendência, seria o próprio Raimundo o herdeiro. Na altura em que D. Dulce nasceu, por volta de 1159, já existia o seu irmão Raimundo Berengário, que ao tornar-se príncipe herdeiro depois da morte de um irmão mais velho, Pedro,mudará o nome para Afonso, subindo ao trono de Aragão como Afonso II, tal como fez o noivo de D. Dulce, o príncipe D. Sancho, nascido Martinho, após a morte do irmão mais velho, Henrique.
Nesta altura, o reino de Portugal ainda não tinha sido reconhecido como tal pelo Papa, por isso ter como esposa uma filha de rainha e irmã de um rei que beneficiara do privilégio de ser ungido pelo Papa aquando da sua emancipação só podia trazer uma boa ajuda ao monarca português e a união com uma princesa da linhagem real de Aragão, cujo estatuto de reino independente já tinha sido reconhecido em 1095, só prestigiava a própria linhagem de D. Sancho que urgia fazer reconhecer como régia.
Não sabemos também se ela amou o homem de “meã estatura, mui dobrado de membros, rosto grande, boca grossa e grande, olhos pretos e grandes, cabello castanho mui tirante a preto”, que gostava de caça, de correr touros e dos serões da corte onde não faltavam jograis e trovadores de que ele fazia parte, poemas e vinho, mas que D. Dulce agradou ao marido atesta-o os cerca de 15 filhos que os cronistas lhe apontam, embora só se conheçam onze, e o facto de apenas se conhecerem filhos bastardos ao rei ou depois da morte da rainha, como apontam alguns historiadores, ou já nos seus últimos anos de vida, como referem outros. D. Sancho I apenas sobe ao trono em 1185, pelo que a primeira década do casamento da rainha é passada em Coimbra, sendo que depois provavelmente acompanhará a normal itinerância da corte.
Nada se sabe sobre o dote que trouxe ou das arras que lhe foram concedidas, e do seu séquito sabe-se que, entre outros, trouxe Martim de Aragão que aqui se estabeleceu e casou com D. Maria Reimondo ou Reimondes e uma aia, D. Toda Palazim, talvez filha de D. Palazim, cavaleiro aragonês e tenente de Saragoça, que a acompanhou toda a vida e que depois da morte da rainha ajudou a criar os filhos mais pequenos, sendo-lhe feita por D. Sancho I a doação do reguengo de Entre Ambos-os-Rios.
Segundo Luciano Cordeiro, a rainha "Formosa e excellente senhora, tranquilla e modesta, condizente no carácter com o nome", gostava de administrar e acrescentar a sua casa, conservando-se indiferente à política. Suportou as ausências do marido constantemente em batalha contra os mouros para expansão do reino, os surtos de fome e as epidemias que o reino atravessou e que prejudicaram a saúde do seu herdeiro Afonso, o futuro rei leproso. Aguentou também o feitio inconstante do rei e os seus ciúmes. Diz o Conde de Sabugosa no seu livro “Donas de Tempos Idos”:
Conta-se que induzido pelos murmúrios pérfidos de algumas vozes de invejosos, picados pelo valimento de algum mimoso da côrte, valente e galenteador. O Rei chegou a suspeitar da fidelidade de sua mulher. A Regina Dulcia, e a manifestar a intenção de castigá-la e ao suposto cúmplice. Ficou porém inconsolável pela sua suspeita ao reconhecer a inocência dos dois, e pesaroso por ter dado ouvidos a perversos caluniadores.
Dulce de Aragão estava inocente, e não consta mesmo que, usando dos seus encantos, quisesse vingar-se das empresas amorosas do marido”.
Se não há a certeza que a Rainha D. Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques possuísse bens em Portugal, não acontece o mesmo em relação à sua nora, pois em testamento feito em 1188, quando tencionava visitar a Palestina, D. Sancho I deixa a sua mulher os rendimentos de Alenquer, terras do Vouga, de Santa Maria e do Porto; ignora-se se a rainha gozou os rendimentos de todos estes bens, mas enquanto a Alenquer, junto a um lugar chamado Marinha fez a rainha muitas aquisições de terras e courelas que comprou a diversos, sendo de facto, senhora de Alenquer. Comprou também várias terras na Beira, adquiriu Ervedel, que doou à albergaria de Poiares, perto de Coimbra, comprou dezanove casais em Travanca (de Lagos) e as herdades de Sameice e de Seia, pelo que se pode depreender que no tempo de D. Sancho I, as rainhas de Portugal já tinham Casa.
Por mandato do rei outorga algumas cartas e entre elas, em 1192, o foral aos povoadores de Mortágua.
Era também uma princesa muito beneficente e piedosa que frequentemente vestia o hábito da Ordem Terceira, no entanto não fundou nem igreja nem mosteiro algum, provavelmente porque a relação de D. Sancho I com o clero foi sempre conflituosa, tendo sido excomungado por várias vezes. Nos primeiros anos do seu reinado doou um cálice de prata dourada e pedras preciosas ao Mosteiro de Alcobaça para serviço no altar-mor conforme consta na inscrição, e outro mais pequeno para servir nos altares laterais. Juntamente com o marido, em 1187,ofereceu também um outro cálice ao Mosteiro de Santa Marinha da Costa, em honra de sua sogra, a rainha D. Mafalda, considerada a fundadora do mosteiro. Na sacristia do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra conservava-se um anel com uma esmeralda, que se diz ter pertencido a D. Dulce.
Conhecida como a “Rainha Fecunda” devido à sua extensa prole, o seu primeiro herdeiro varão só nasceu ao fim de quase doze anos de casamento e quando já toda a corte desesperava, apesar das três infantas já nascidas. Três das suas filhas foram beatificadas, outras foram rainhas, mas apenas assistiu ao casamento de uma delas, a sua primeira filha, D. Teresa, rainha de Leão, pois em 1138, o seu corpo enfraquecido por tantos partos, alguns deles múltiplos, não resistiu ao últimos deles e à peste que então grassava no país, tendo falecido, a 26 de Agosto de 1198.
Tanto D. Sancho como D. Dulce foram sepultado em Santa Cruz de Coimbra, em sepultura rasa. O rei D. Manuel I mandou levantar o rico mausoléu que hoje contém os restos do segundo rei de Portugal e supõe-se que o corpo da rainha se encontre dentro dele, tal como aconteceu com D. Mafalda.

Descendência
D.Teresa (1176-1250), casou com Afonso IX de Leão, fundou o Mosteiro feminino de Lorvão e foi beatificada em 1705.
D. Sancha (1177/1180-1229), fundou o Mosteiro de Celas, em Coimbra e foi beatificada em 1705.
D. Constança (1182-1186?) morreu em criança
D. Afonso (1186- 1223) futuro D. Afonso II de Portugal.
D. Pedro (1187-1258),chamado de Henrique durante o seu primeiro ano de vida, casou com Arumbaix, condessa de Urgel, foi senhor feudal de Maiorca.
D. Fernando (1188-1233), casou com Joana de Constantinopla, condessa da Flandres e de Hainaut.
D. Henrique (1190-1191), morreu em criança.
Uma filha? (1192-?)
D. Raimundo(1195-1196?), morreu em criança.
D. Mafalda (1196-1257), casou com Henrique I de Castela, reestruturou o Mosteiro de Arouca e o de Bouças e foi beatificada em 1705.
D. Branca (1198-1240), monja e senhora de Guadalajara, fundou com a irmã Teresa o Mosteiro de S. Domingos e está sepultada em St. Cruz de Coimbra.
D. Berengária (1198-1220), casou com o rei Valdemar II da Dinamarca.
Talvez mais dois ou três filhos provavelmente mortos à nascença, ou gravidezes que não chegaram ao fim, mas não há registos.


As Primeiras Rainhas - Colecção Rainhas de Portugal do Circulo de Leitores
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal








quarta-feira, 2 de setembro de 2015

D. Mafalda



Mafalda, Matilde, Mahault ou Mahalda, da vida da primeira rainha de Portugal, como aliás de algumas outras, sabe-se muito pouco.
Filha de Amadeu III, conde de Sabóia, Maurienne e Piemonte e da condessa Mafalda de Albón, ignora-se ao certo o ano e o dia do seu nascimento, supondo-se que tivesse sido entre 1125 e 1130, pelo que teria entre 16 ou 20 anos quando se casou em 1146 com D. Afonso Henriques, que rondaria então os 37 anos de idade, pois a partir desse ano o seu nome figura, embora como Mahalda, em todos os documentos públicos do seu tempo, juntamente com o nome do rei. Seu pai tinha participado na 2ª Cruzada, sendo considerado um príncipe muito piedoso e um fiel Defensor do Papa, e além de D. Mafalda tinha mais 9 filhos. Pelo lado materno era sobrinha do rei Luís VII, de França, visto sua mãe ser irmã da rainha Adelaide, esposa deste soberano. Um seu tio-avô tinha sido Papa entre 1119 e 1124, com o nome de Calisto II e era também bisneta de Berta, imperatriz da Alemanha, casada com o imperador Henrique IV.
Como todas as princesas da sua época deveria possuir uma cuidada formação moral e religiosa influenciada pela Ordem de Cister, mas a noiva do nosso primeiro rei deve ter trazido também, juntamente com as suas aias e validos, alguma coisa da galantaria e do requinte que se verificava entre a alta aristocracia tanto de além Pirenéus como de além Alpes já muito mais sujeita à influência trovadoresca da França, que em Portugal ainda dava os primeiros passos.
As razões para este consórcio também não estão muito bem esclarecidas, mas além da Casa de Sabóia ter fortes ligações com a Casa de Borgonha de que D. Afonso descendia, o rei ganharia um excelente aliado para a expulsão dos mouros do território português. Roma também era favorável a esta união e o facto do monarca se unir matrimonialmente com a filha de um vassalo do imperador romano-germânico não só o distanciava do imperador hispânico, como o prestigiava e favorecia a legitimação do reino junto da Santa Sé.
Mas enquanto decorriam as escolhas e as negociações para o matrimónio do rei, em 1138 ou talvez antes, D. Afonso apaixonou-se por D. Flâmula ou Chamoa Gomes, sobrinha de Fernão Peres de Trava e filha de Gomes Nunes de Pombeiro, antigo conde de Toroño. Tinha sido casada com Paio Soares da Maia, com quem teve 3 filhos. O mais velho, Pedro Pais foi alferes – mor de D.Afonso entre 1147 e 1169. Após enviuvar, D. Chamoa entrou para o Mosteiro de Vairão, mas ainda teve uma relação com D. Mem Rodrigues de Tougues, de quem teve também um filho. É depois destes acontecimentos que D. Afonso estabelece com ela uma relação sentimental da qual nasceram 2 filhos e que só acaba com o casamento do Rei. Chamoa foi o grande amor da vida do monarca português que tudo tentou para casar com ela, mas dado que era “devota, isto é deo vota, votada a Deus”, nem a Santa Sé teria poder para a desligar dos votos monásticos. Por outro lado, D. Afonso teria também a oposição dos barões portugueses que, de maneira nenhuma, quereriam ver uma sobrinha do conde Fernão Peres de Trava, sentada no trono de Portugal…
Atendendo a todas estas razões e porque era imperioso garantir a sucessão do trono, D. Afonso Henriques aceita o casamento com D. Mafalda e Chamoa Gomes retira-se para o convento de Grijó, onde ainda sobreviveu ao rei. Seria um casamento de conveniência, como era normal na época, mas os cronistas dizem que era “mui formosa e dotada de muitas bondades.” Dizem também que tinha mau génio, que a união não seria muito pacífica, e que a presença da rainha no reino não estivera isenta de conflitos.
O mais célebre deu-se com S. Teotónio, prior do Mosteiro de St. Cruz, de quem se dizia que D. Afonso quando o via, descia do cavalo para lhe beijar a mão. Diz a tradição que D. Mafalda era de partos difíceis; assim achando-se uma vez às portas da morte, por ocasião de estar no último período de gravidez, sem poder nem ter forças para parir, diz a lenda que mandara chamar S. Teotónio, o qual deitando-lhe a benção, logo a rainha dera à luz o menino com toda a facilidade. Um quadro foi mandado fazer, em 1627, pelo prior geral D. Miguel de Santos Agostinho, para a capela de S. Teotónio na igreja de Santa Cruz, representando aquele milagre.
A Rainha foi depois ao Mosteiro em acção de graças, pela recuperação do parto, e pretendeu de todos os modos, ver o claustro interior. S. Teotónio guardava-se das mulheres como se fossem inimigos e nunca falava com uma sem ter testemunhas, recusou-lhe terminantemente a entrada por “nem ser coisa de ordem nem de louvável costume, mulher alguma entrar na morada dos que fugiam ao mundo, senão por ventura fosse morta nem ser ofício de rainha, nem por Deus lhe seria reputado a glória fazer tal cousa.” - Em Vida de S. Teotónio, 1968 p.164. Acrescenta Fonseca Benevides, que muitas foram as desavenças entre a rainha e o prior, a quem perseguiu com o seu ódio e muitas vexações.
De qualquer modo, D. Mafalda cumpriu em pleno o seu papel de procriadora, dando à luz em 12 anos de casada, sete filhos. O primogénito herdeiro, a quem foi dado o nome de Henrique, nasceu a 5 de Março de 1147, fruto de um parto difícil e complicado, como foram todos os seis seguintes. Sucederam-se Urraca (1148), Teresa (1151), Mafalda (1153), Martinho, futuro Sancho I (1154), João (1156) e Sancha, nascida em 1157 a quem não chegou a ver pois morreu dez dias após o seu nascimento.
Não se conhece qualquer interferência da rainha na vida política do país. Dedicou-se à educação dos seus filhos e dos bastardos do rei, que como era uso na altura eram criados juntos e passou pelo desgosto de ver morrer o seu primogénito. Às mortes do outros três filhos que morreram jovens, Mafalda, João e Sancha , já não assistiu, pois já não era deste mundo.
Quanto ao seu casamento, é certo que durante os doze anos que durou, não se conheceram quaisquer ligações amorosas ao rei, mas dado o feitio colérico de D. Afonso, sujeito a excessos, violências e brutalidades e as suas constantes ausências da corte devido aos combates que teve de travar para a expansão e consolidação do reino, não deve ter primado pela felicidade...
Segundo as poucas notícias que temos dela, são-lhe atribuídas algumas obras sociais, como a fundação de uma igreja em Marco de Canaveses juntamente com uma albergaria para peregrinos e pobres “e com boas portas fechadas porque os peregrinos que ali albergarem não recebam algum desaguisado. E estarão aí camas boas e limpas em que se possam bem albergar nove desses peregrinos, aos quais serão dadas rações de entrada ou de saída e lume e água e sal quanto lhe fizer mester. E finando-se algum desses peregrinos seja enterrado com três missas. E com pano e cera.” – La Figaniére, 1859,p.222.
Fundou também o Mosteiro da Costa, sobranceiro a Guimarães. Atribui-se-lhe o estabelecimento do serviço de dois barcos em Moledo e Porto de Rei, de modo a proporcionar a travessia do rio Douro, perto de Lamego. Os barqueiros recebiam pelo serviço as rendas de algumas propriedades locais pertencentes à rainha e estavam proibidos de cobrar o que quer que fosse aos passageiros, sob pena de multa ou prisão. Mandou também construir uma ponte sobre o rio Tâmega e outra sobre o Douro, em Mesão Frio.
Morreu a 3 de Dezembro de 1157/1158, provavelmente de complicações do último parto, com cerca de 32 anos e jaz sepultada na Igreja de St. Cruz, no mesmo mausoléu do seu marido, que lhe sobreviveu 27 anos.

Descendência:

D. Henrique (1147 – 1155) presumível herdeiro do trono, falecido aos 8 anos de idade.
D.Urraca ( 1148 – 1211?) casada com Fernando II, de Leão e cujo casamento foi anulado pelo Papa ao fim de onze anos de casamento, por falta de dispensa de parentesco.
D. Teresa (1151 – 1218) também conhecida por Matilde, casou em primeiras núpcias com o conde Filipe da Flandres em 1184, e depois com o duque Odo III da Borgonha, de quem se separou, tendo-se tornado condessa regente da Flandres.
D. Mafalda (1153 – 1162) noiva de Afonso II de Aragão, morreu jovem.
D. Martinho, futuro Sancho I (1154-1211) herdeiro do trono de Portugal, depois da morte do seu irmão Henrique, altura em que lhe trocaram o nome para Sancho por ser um nome mais usual entre os monarcas leoneses.
D. João (1156 – 1163) falecido ainda criança.
D. Sancha (1157 – 1167) faleceu aos dez anos.
Fontes:
Domingues, Mário – D. Afonso Henriques
Freitas do Amaral, Diogo – D. Afonso Henriques
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Imagem: Purl,pt

sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Heroína de Beauvais

Estátua de bronze de Jeanne Hachette, em Beauvais, da autoria de Gabriel-Vital Dubray

 Nascida na bonita cidade de Beauvais a 14 de Novembro de 1456 Jeanne Laisné, também conhecida como Jeanne Fourquet, apelido de seu pai, era uma jovem de 16 anos quando na Primavera de 1472, o duque da Borgonha, Carlos o Temerário, veio cercar a sua cidade natal.
O duque, na sua constante luta contra o rei de França, Luís XI pelo controle do reino, já se tinha apoderado de várias pequenas cidades, entre as quais Nesle, cuja população depois de se ter rendido, foi massacrada sem piedade pelos homens de Carlos, apesar de se terem refugiado na igreja local.
A 27 de Junho de 1472, o duque à frente do seu exército chegou junto das muralhas de Beauvais, cuja pequena guarnição de apenas 300 homens de armas comandados por Louis de Baligny era manifestamente insuficiente para fazer face aos seus homens. As zonas periféricas foram rápida e facilmente ocupadas, mas a população sabendo o que lhe estava reservado caso se rendesse, defendeu ferozmente o centro da cidade até à chegada dos reforços que tinham sido pedidos.
No mais encarniçado da luta, as mulheres com Jeanne à frente, atiravam pedras e azeite a ferver sobre os adversários que pretendiam escalar as muralhas. Um deles, mais afoito, preparava-se para hastear aí a bandeira borgonhesa quando Jeanne ao vê-lo se atirou a ele munida de uma machada (hachette), derrubando-o com um golpe certeiro e apoderando-se do estandarte.
Vendo que não conseguia tomar a cidade, Carlos levantou o cerco retirando-se.
Em agradecimento a estas bravas mulheres o rei Luís XI instituiu a “Procissão do Assalto”, no dia de Santa Agadrème, padroeira da cidade, concedendo-lhes o direito de aí precederem os homens, e casou Joana com o seu namorado Colin Pilon, cumulando-os de favores.
Considerada uma heroína pela população, Jeanne ficaria conhecida através dos séculos pela alcunha de Jeanne Hachette, e a sua estátua de bronze ainda se ergue na velha praça do mercado.

Fontes:
Oliveira, Américo Lopes de – Dicionário de Mulheres Célebres
Marsh, W.B. e Bruce Carrick – 365 Grandes Histórias






terça-feira, 18 de junho de 2013

A Fogueira de Ruão – II



 

Símbolo da resistência francesa à ocupação inglesa durante a Guerra dos Cem Anos, Joana, a antiga pastora de Domrémy que se tinha autoproclamado “a enviada de Deus”, conseguiu o impensável: Derrotar o poderoso exército inglês de Henrique VI, rei de França e de Inglaterra, e fazer coroar em Reims o delfim Carlos, conde de Ponthieu, filho de Carlos VI de França, o pobre rei louco, e de Isabel da Baviera, que não hesitou em afastá-lo (há quem o considere bastardo dado os vários amantes atribuídos à rainha), para conjuntamente com a mão da sua bela filha Catarina, oferecer o trono de França ao então rei de Inglaterra, Henrique V, o vencedor de Azincourt, nomeando-o como regente e herdeiro do infeliz rei francês, conforme o acordado no Tratado de Troyes.
Tanto Carlos VI como Henrique V já tinham falecido, e os seus descendentes, o hesitante delfim apoiado pela sua enérgica sogra, Yolanda de Aragão, e o seu sobrinho Henrique VI, de apenas 10 anos de idade, tendo como regente seu tio, o Duque de Beaufort, estavam em guerra desde então.
Nesta época, Carlos tinha a sua corte na cidade de Burges, no coração da França, sendo reconhecido como rei nas poucas províncias do centro do país que permaneceram fieis aos Armanhaques, de quem o delfim era o chefe, sendo por isso chamado de “rei de Burges”.
No Outono de 1428 os Ingleses cercaram a cidade de Orleães, que constituía a via de acesso ao sul da França.
Quando tudo parecia perdido para o Delfim, eis que Joana se apresenta em seu socorro, apresentando-se como enviada por Deus para o fazer sagrar em Reims. Dirige-se depois a Orleães à frente do exército real, chefiando comandantes como o duque de Alençon, Dunois, o Bastardo de Orleães, o almirante Louis de Culan ou Gilles de Rais, futuro marechal de França obrigando os ingleses a levantar o apertado cerco à cidade. O caminho para Saint-Rémy fica então livre, e em Julho, ao entrar na cidade ao lado do soberano, envergando uma armadura brilhante e de viseira levantada, no meio dos gritos de alegria dos seus soldados, Joana viveu o momento mais emocionante da sua curta vida.
A 17 de Julho de 1429, o arcebispo de Reims depois de o ter ungido com os santos óleos, colocou a coroa na cabeça de Carlos VII, sagrando-o como legítimo rei de França.
Os ingleses cometeram um erro grave ao não terem feito o mesmo ao jovem rei Henrique, e quando o fizeram em 1431 na Catedral de Notre-Dame, em Paris, era tarde demais. A França já tinha o seu rei legítimo
Em reconhecimento por este feito, Carlos VII eleva Joana e a sua família à nobreza em Dezembro desse mesmo ano, mas a partir daí a sua simpatia por ela começa a esfriar.
Agora que já tem uma base segura de onde pode prosseguir as suas operações, Carlos VII quer ser ele mesmo a comandar as suas actuações e não tem qualquer intuito de andar às ordens de uma mulher... Por outro lado, a popularidade e simpatia de que a Donzela goza junto do povo e do seu próprio exército não agradam ao seu caracter taciturno e desconfiado, e muito menos ao círculo dos seus conselheiros que lutam pelas suas próprias conveniências pessoais!
À impaciência de Joana para conquistar Paris, o rei opõe a apatia habitual e à sua revelia inicia uma série de conversações com o duque da Borgonha, Filipe o Bom, aliado dos Ingleses, para a obtenção da paz.
Pode, por isso, imaginar-se a alegria dos ingleses quando a 24 de Maio de 1430, numa surtida após ter conquistado Compiègne, a Donzela de Orleães foi capturada pelos borguinhões, partidários do rei inglês. Vendida por estes aos seus aliados, Joana teve de suportar um processo atroz e iníquo que durou meses, acabando os seus dias na fogueira, em Ruão, a capital inglesa do reino de França.
Carlos VII continua a reconquista e em 1450 ao retomar Ruão, o rei faz a sua entrada com um fausto extraordinário na cidade onde vinte anos antes tinha perecido aquela que havia jurado restituir-lhe a coroa e a quem ele tinha pago com o mais completo abandono!
No dia seguinte, a 15 de Fevereiro, o soberano evoca oficialmente, pela primeira vez, o caso de Joana d’Arc, mandando proceder à abertura de um inquérito para revisão do seu processo. Mas só a 11 de Junho de 1455, o Papa Calisto III, que sucedera a Nicolau V, ordenou essa revisão, que culminará na sua absolvição em 1456, sendo as actas do julgamento de 1431 solenemente destruídas. O seu antecessor sempre se tinha recusado a fazê-lo, apesar dos insistentes pedidos do rei francês.
Em 1869, o bispo de Orleães juntamente com os restantes bispos franceses pedem ao Papa Pio IX a beatificação da Donzela, o que só acontece a 18 de Abril de 1909, durante o papado de Pio X. A 9 de Maio de 1920, cerca de 500 anos depois da sua morte, Joana d'Arc é finalmente canonizada pelo Papa Bento XV, e em 1922 é declarada a Padroeira de França. 

Fontes: Pernoud, Régine e Marie-Veronique Clin – Joana D’Arc
Imagens: Wikipédia

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A Fogueira de Ruão- I

 Gravura de 1505


“Eu vim à terra para cumprir a vontade de Deus”

Um sol resplandecente inunda a  cidade de Ruão nessa manhã de 30 de Maio de 1431, prometendo um magnífico dia de Primavera. Para as cerca de 10.000 pessoas que inundam a praça do Vieux-Marché, o dia doce e quente permitir-lhes-á apreciar em pleno o espectáculo que se avizinha.
Um raio desse mesmo sol invade a sombria câmara do Castelo de Bouvrenil onde Joana d’Arc, a Donzela de Orleães, aguarda a sua sentença. Quando os dois monges dominicanos enviados pelo implacável Bispo de Beauvais chegam, os três guardas que permanentemente vigiam a prisioneira, saem da cela.
O irmão Martin Ladvenu e o irmão Jean Tout-Mouillé informam Joana que irá ser purificada pelo fogo, morrendo na fogueira como uma bruxa. Até aí serena e calma, a jovem tem uma crise nervosa. Chora, grita, arrepela-se, apela a Deus pela injustiça de que irá ser vítima. Os monges tentam acalmá-la, mas em vão
Por fim, esgotada, Joana cede e pede para se confessar e comungar. Os dominicanos aceitam ouvi-la em confissão mas não têm nenhumas instruções quanto à comunhão. Mandam o meirinho Jean Massieu pedi-las ao bispo, que envia um padre com uma hóstia.
Pouco depois, o próprio bispo entra na cela e Joana ao vê-lo exclama:
- Bispo, morro por vossa causa!
Depois da comunhão, saem todos menos os dois monges e o meirinho. Depois de vestir o traje que a Inquisição reserva para os seus condenados, o meirinho e o irmão Martin Ladvenu sobem com ela para a carroça que os levará do castelo ao local do suplício. São nove horas da manhã.
Mantém-se de pé na carroça, escoltada por oitocentos soldados ingleses que afastam a multidão que desde a alvorada se comprime pelas ruas para a ver passar.
Rezam e choram ouvindo os gritos que Joana lança da carroça:
- Ruão, Ruão, é então aqui que devo morrer?
Os ingleses estão nervosos, tudo pode acontecer. Nicolas de Houppeville, que se tinha recusado a continuar no julgamento, ouve-a lançar este grito, possivelmente para agitar a multidão.
Na praça, três estrados estão montados; no primeiro, destinado à Igreja, encontram-se o cardeal Winchester, os bispos de Beauvais, de Noyon e de Norwick, os cónegos, os doutores, uma mancha de púrpura, violeta e arminho; no segundo, destinado aos representantes do poder público estão o bailio de Ruão e os seus colaboradores; no terceiro, sentar-se-ão a Donzela para escutar a sentença e um pregador, Nicolas Midi.
Um pouco mais afastada, está a fogueira, colocada num nível superior, graças a um pedestal de gesso, onde assentam os molhos de lenha e o poste, para que todos possam verificar a morte da Donzela, sem que fiquem margem para dúvidas… A encimar o poste, uma inscrição em grandes letras:
“Joana, que se fez conhecer pela Donzela, mentirosa, perniciosa, abusadora do povo, blasfemadora de Deus, dissoluta, apóstata, cismática, idólatra, invocadora de diabos e herética”.
O pregador, durante mais de uma hora, falou sobre o tema da palavra de S. Paulo: ”Se um membro sofre, todos os membros sofrem”. O bispo Cauchon dirige-se pela última vez a Joana, dizendo-lhe:
- Todas as vezes que o vírus pérfido da heresia se pega a um dos membros da Igreja e o transforma em servidor de Satanás…….
……Nós te declaramos herética e relapsa…Deves ser banida da Igreja, deves ser entregue ao poder secular…Pedimos a esse poder secular que seja moderado contigo na sua sentença…
Lêem-lhe então a sentença de relapsa, proferida contra ela no dia 24de Maio, mas os Ingleses começam a ficar impacientes.
- Eh, padre, vai fazer-nos jantar aqui? – grita um soldado inglês para Jean Massieu.
A um gesto, dois ingleses agarram Joana e arrastam-na para a fogueira, ao mesmo tempo que os prelados abandonam o seu estrado. É amarrada ao poste e sobre a cabeça colocam-lhe uma espécie de mitra, tipo orelhas de burro, onde está escrito “herética, relapsa, apóstata, idólatra”, mas contra o que é habitual não foi amordaçada. O carrasco pega então fogo à palha e aos molhos de lenha colocados na base da fogueira. Um fumo acre rodeia a condenada que pede ao padre Ladvenu que ainda está junto dela, para que desça. Segura uma cruz de madeira que um soldado inglês lhe deu, movido pela compaixão. Um padre segura uma cruz alta diante do rosto de Joana, que reza invocando os seus santos.
As chamas e o fumo escondem-na dos olhos da multidão que apenas ouve as suas orações, mas a sua agonia é lenta e terrível, porque o carrasco, devido à altura a que está o poste, não a pode “piedosamente” estrangular como era costume fazer-se aos que morriam na fogueira reconciliados com Deus.
Por fim, de entre as labaredas que rodeiam o poste, ouve-se um grito “Jesus!” e o silêncio cai.
Logo que Joana solta o seu último suspiro, o fogo foi abrandado para que os assistentes a possam ver morta,
“Apareceu então, direita e escura (carbonizada). Foi vista por todo o povo completamente nua e mostrando tudo o que pode haver de secreto numa mulher, para com isso tirarem todas as dúvidas ao povo”. Depois do que, “o carrasco voltou a lançar o fogo ao seu pobre cadáver, que depressa foi completamente consumido e, ossos e carne, tudo foi reduzido a cinzas”.
As cinzas foram recolhidas e por ordem dos Ingleses, deitadas ao Sena, de cima da ponte Mathilde.
Assim morreu aos 19 anos de idade, Joana, a doce pastora da Lorena, a quem um rei ficou a dever a coroa.  

Fontes: O processo de Joana d’Arc – colecção Grandes Julgamentos da História.
Imagens: www.wikipedia.org
  


Joana d’Arc é queimada viva – Jules-Eugène Lenepveu.