quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Santo António de Lisboa – II


A carreira militar de St. António em território nacional

Uma das facetas pouco conhecidas da figura de Santo António em Portugal, é a sua carreira militar que, para além do território nacional, se estendeu também aos países de língua e influência portuguesa, e que por mais estranho que possa parecer, decorreu após a sua morte.
Portugal enfrentava então uma das suas maiores crises de sempre. Após a Revolução de 1640, que tinha acabado com o domínio filipino, a nova monarquia lusitana, vinda da Casa de Bragança, precisava a todo o custo de ser reconhecida como tal, pelas outras monarquias europeias, tendo para isso de vencer as forças inimigas que, em muito maior número e bem melhor equipadas, se preparavam novamente para nos anexar.
Num acto de fé, o próprio D. João IV coroara Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, pelo que desde essa altura, os monarcas portugueses nunca mais usaram coroa.
Não é de estranhar portanto, que durante as guerras da Restauração (1640-1668), o auxílio divino de Santo António tenha sido invocado pelos soldados portugueses para os ajudar a vencer as batalhas. Atribuíram-lhe de tal modo os sucessos obtidos, que o rei D. Pedro II por alvará de 24 de Janeiro de 1668, determinou que o mesmo fosse incorporado como “praça” no Regimento de Infantaria 2, em Lagos, tendo por fiadora, a Rainha dos Anjos. (Quem se alistava no exército, naquele tempo, tinha de apresentar um fiador, que se obrigasse a substituir, ou fazer substituir o alistado, no caso deste desertar). Como que a dar razão a este procedimento, logo a 13 de Fevereiro desse mesmo ano, é firmado um tratado de paz entre os dois países.
A 2 de Dezembro de 1733, St. António é promovido a capitão, por D. João V, devido a ser-lhe atribuído o feito de colocar em fuga um grupo de castelhanos que marchara sobre o seu destacamento.
O regimento de Infantaria de Peniche, que a partir de 1808, foi denominado como Regimento de Infantaria nº13, também teve este Santo como patrono, sendo nomeado Alferes por D. Pedro II, que lhe concedeu um soldo de 6$000 réis. Por contribuição de todos os homens deste regimento foi-lhe construída uma capela, onde era costume os oficiais casarem diante da sua imagem.
Durante a Guerra de Sucessão de Espanha, em que Portugal participou, os portugueses elegeram Santo António como “Generalíssimo”, embora o generalíssimo visível, fosse o Duque de Cadaval. D. Pedro II ao expedir o decreto que assim o nomeava, entregou a imagem ao exército numa liteira magnífica, e todos os anos o Rei visitava a igreja do Padroeiro, ouvindo missa e entregando a quantia de 300$000 réis destinada ao pagamento dos seus soldos. Acompanhou sempre as tropas portuguesas, mesmo quando estas, chefiadas pelo Marquês de Minas entraram em Madrid.
Conta-se que em dias de exercícios, o Santo era levado para o pote da água, e ao primeiro toque para formar o regimento, as praças bradavam: “Abona Santo António de Cascais”. Chovendo, não havia exercício, e o Santo era tirado da água e muito festejado.
Em 1762, quando Portugal recusou aderir ao “Pacto de Família” e foi invadido pelas tropas francesas e espanholas, St. António foi decisivo na defesa da Praça de Almeida, durante os dois ataques que esta sofreu. Na descrição que se faz destas acções, diz-se que na defesa do primeiro, “presidio a esta acção Santo António que estava nas muralhas da praça”, e no segundo “Também presidio da muralha o nosso Generalíssimo Santo António”. Uma das portas da praça e um dos baluartes da fortaleza conservam o nome do Santo Português, em comemoração deste feito.
Como capitão tinha um soldo compatível com a sua categoria (10$000 réis), e que constava do livro de vencimentos do regimento. Esse dinheiro era entregue à irmandade de St. António, até à sua proibição pelo Marquês de Pombal, altura em que o glorioso Oficial continuou a servir o exército português gratuitamente.
Conta-se que logo nos primeiros dias do reinado de D. Maria I, o comandante do Regimento de Lagos, major Magalhães Homem entregou-lhe uma petição solicitando a promoção de Santo António ao posto de major agregado do mesmo regimento, juntamente com 59 certificados atestando o bom comportamento do Santo e os milagres efectuados.
Entre várias coisas diz assim: “Outro sim certifico que em todos os papeis e registros acima mencionados não existe alguma nota relativa a Santo António, de mau comportamento ou irregularidade praticada por elle: nem de ter sido em tempo algum açoutado, preso, ou de qualquer modo punido durante o tempo que serviu como soldado raso no regimento: Que durante todo o tempo, em que tem sido capitão, vae quasi para cem annos, constantemente cumpriu seu dever com o maior prazer à frente de sua companhia, em todas as ocasiões, em paz e em guerra, e tal que tem sido visto por seus soldados vezes sem número, como elles todos estão promptos para testemunhar: e em tudo o mais tem-se comportado sempre como fidalgo e official: e por todos estes motivos acima referidos considero-o muito digno e merecedor do posto de major aggregado ao nosso regimento, e de quaesquer outras honras, graças ou favores que approuver a S. M. conferir-lhe. Em testemunho do que assignei meu nome, hoje 25 de Março do anno N. S. J. C. 1777. Magalhães Homem”.
Por decreto de 8 de Janeiro de 1780, foi-lhe concedida a patente de oficial-general. Durante as invasões francesas, o general Junot mandou que lhe continuassem a ser pagos os honorários.
Foi também herói da Guerra Peninsular, sendo nessa altura o protector do Regimento de Infantaria 19, de Cascais, acompanhando-os também em todas as batalhas que travaram durante os quatro anos de campanha, conduzido numa mulinha branca.
Era tal o ímpeto com que o Regimento 19 carregava contra o inimigo, que pelas fileiras deste, correu o boato de que o 19 seria invencível, enquanto fosse comandado pelo Santo. Assim, alguns soldados franceses armaram-lhe uma emboscada numa altura em que o Santo com apenas alguns soldados se apartara do grosso das tropas e matando quase todos os portugueses levam o Santo consigo. À voz de “Santo António foi feito prisioneiro”, o 19 cai que nem uma avalanche em cima dos franceses libertando o seu comandante. Após a Guerra, foi-lhe atribuída a condecoração da Cruz de Ouro nº 5, e promovido, por distinção ao posto de tenente-coronel. A Corte encontrava-se então no Brasil, e de lá, o futuro D. João VI enviou o decreto com a sua nomeação. Assinada a paz com a França em 1814, o Regimento regressou ao quartel acompanhado do seu santo protector, que ostentava honrosamente as cicatrizes de alguns ferimentos ocorrido durante as batalhas. Esta imagem encontra-se ainda na ermida de N. Sra. da Vitória, em Cascais.
Nas lutas civis desencadeadas após o advento do regime liberal, Santo António ficou neutral. Tratava-se de guerras entre irmãos e ele não saiu do quartel.
No entanto conta-se que, uma imagem que se venera na capela de Nossa Senhora da Saúde, em Setúbal, tomou parte na batalha do Viso, travada em 1847 entre as tropas do Conde de Vinhais e as do Marquês de Sá da Bandeira, por ocasião da revolução da Patuleia. Uma bala varou o Santo de lado a lado, e a luta terminou com um armistício.
Ainda se pensou em promover Santo António a coronel por ocasião do seu 7º Centenário, mas a ideia não foi avante.
Depois da proclamação da República, a imagem de Santo António, em Cascais, recolheu ao Museu Militar, mas na revolução de 14 de Maio o museu foi assaltado e a imagem, possivelmente tida como”reaccionária” desapareceu. Mais tarde foi recuperada e restituída.
Por alturas da presidência do General Carmona, a capela de Nossa Senhora da Vitória foi restaurada e a imagem voltou novamente ao lugar que lhe pertencia por direito.
A imagem de Santo António de Lagos foi mais feliz. Após as campanhas, recolheu à igreja de Santo António dos Militares, encontrando-se agora na secção de Arte Sacra do Museu Regional de Lagos, anexo à Igreja, adornada com uma faixa de oficial de infantaria e segurando na mão um bastão de comando.
Fontes: Aguiar, José Pinto de – Santo António de Lisboa, Oficial do Exército e herói nacional
Revista do Exército, Maio 2001

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Santo António de Lisboa - I



SANTO E MILITAR


Nascido em Lisboa entre 1191e 1195, numa família de ascendência nobre, era filho de Martinho de Bulhões e de D. Maria Teresa Taveira, tendo sido baptismado com o nome de Fernando, reinava então em Portugal D. Sancho I, O Povoador.
Fez os seus primeiros estudos na escola da Sé, a dois passos de sua casa, e aos 15 anos ingressou na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no mosteiro de S. Vicente de Fora, indo depois para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ao tempo um importante centro de cultura medieval e eclesiástica da Europa, onde completou a sua educação com vista ao sacerdócio, começando a ser notado pelo seu talento e prodigiosa memória. Mantém-se aí até 1220, altura em que depois de receber as ordens, troca o hábito dos cónegos regrantes pelo burel dos franciscanos e ingressa no pequeno convento de Santo Antão dos Olivais, nos arredores da cidade, recebendo aí o nome de frei António. Diz-se que foi a chegada das relíquias dos Santos Mártires de Marrocos, (cinco missionários franciscanos decapitados pela fé no Norte de África numa missão de evangelização), que o levou a esta decisão, ou porque a humildade desta Ordem, que entretanto chegara a Portugal, o atraísse.
Levado pelo seu entusiasmo missionário, embarcou para o Norte de África, mas uma doença prolongada obrigou-o a regressar a Portugal. Porém, como os desígnios de Deus são insondáveis, uma forte tempestade levou o navio em que seguia a aportar às costas da Sicília. Estávamos então no ano de 1221, e em Assis, comparticipa no capítulo geral convocado pelo fundador da Ordem. Retira-se depois para um eremitério onde passa pouco mais de um ano em oração e meditação, fazendo-se notar pela sua humildade.
É chamado a Forli, onde faz a sua primeira pregação perante os monges franciscanos e dominicanos de Itália, e onde os seus extraordinários dons de orador se revelam e se tornam conhecidos. Segue para Bolonha onde é nomeado doutor eclesiástico conhecendo aí S. Francisco de Assis, que lhe dá a incumbência de ensinar Teologia nas escolas franciscanas tendo sido professor nas Universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Pádua e Limoges, dedicando-se também à pregação e fundando a primeira escola da Ordem, que dirigiu. Entre 1224-1225 vai para França pregar contra Cátaros e Albigenses, e dois anos mais tarde é nomeado Custódio dos Frades Menores. Em 1127 é Superior Maior da província da Romagna, que abrangia todo o Norte da Itália, pregando em todas as suas 55 igrejas e exercendo esse cargo até 1230. A extensão do conhecimento profundo das Escrituras, o seu invulgar poder de comunicação arrebatando os que o ouviam, aliado a uma boa figura física, atraíam aos seus sermões tanta gente, que o Santo tem de pregar em campo aberto, chegando a reunir 30.000 pessoas para o ouvirem.
Durante os dez anos que passa fora de Portugal, consolida a sua fama de erudito e extraordinário orador, já com fama de santidade, o que leva o Papa a nomeá-lo seu pregador e leitor, pedindo-lhe comece a redigir os seus 57 “Sermões Dominicanos e Festivos”, imbuídos de uma vertente filosófica, onde são frequentes citações de Santo Agostinho, São Jerónimo, S. Gregório entre outros, mas também de Aristóteles, Cícero, Séneca e demais pensadores gregos e romanos.
Em 1231, de acordo com o papa Gregório IX, regressa a Pádua, que ele considera a sua “casa espiritual”, já bastante doente, com o corpo debilitado pelo jejum e pela penitência, instalando-se no castelo de Camposampiero, cujo dono era um amigo seu, onde se entrega à meditação e à compilação dos seus “Sermões”. Um dia, estando à mesa, sente-se mal e pede que o levem para Pádua, mas sentindo-se desfalecer, fica no convento das clarissas em Arcella junto às portas da cidade, aí falecendo a 13 de Junho desse mesmo ano com 36 ou 40 anos de idade. As suas últimas palavras foram: “Vejo o Senhor”.
Quatro dias depois é levado para Pádua, conforme o seu último desejo e aí sepultado, mas em 1263, os seus restos mortais são trasladados para a basílica de Pádua, entretanto construída pelos paduanos em sua homenagem.
Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, (que quando o conheceu, e admirado como seu muito saber lhe chamou “Arca do Testamento”), na catedral de Espoleto, em Itália, em 30 de Maio de 1232, menos de um ano após a sua morte, sendo o processo de canonização mais rápido da Igreja Católica. Foi proclamado doutor da Igreja pelo papa Pio XII, em 1946, que o considera “exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística”. É o vigésimo nono dos aureolados como tal, e o primeiro de Portugal.
A quantidade da sua obra literária, que se circunscreve apenas aos seus “Sermões”, embora pequena, dá, no entanto, para se apreciar o grau da sua profunda cultura teológica, recebida nos mosteiros portugueses, e que lhe permitiu encaminhar os Frades Menores para uma cultura de raiz agostiniana, que lhe era tão cara.
Após a sua canonização, o seu culto estendeu-se de tal modo, que pode ser considerado “um santo de todo o mundo”. Em território português, ou de expressão portuguesa, é conhecido como Santo António de Lisboa, mas lá fora é nomeado como S. António de Pádua, pois é costume da igreja nomear os seus santos pela terra onde faleceram e onde estão enterrados.
A tradição da sua vida em pobreza e humildade, assim como a da sua oratória e santidade, levaram a que a religiosidade popular lhe atribuísse um sem número de milagres que o tornaram num taumaturgo, e que a própria ordem franciscana ajudou a difundir, fundando igrejas, mosteiros e altares, em seu nome.
Tornou-se em breve, o Santo Nacional do povo português que a ele recorre para todas as suas necessidades: Padroeiro dos pobres e de várias cidades, Santo casamenteiro pelas moças casadoiras, sendo festejado no dia 13 de Junho, onde a sardinha assada, o casamento das “Noivas de St. António e o desfile das Marchas Populares são na cidade de Lisboa o ponto alto dos festejos em honra do Santo. Protector dos animais, advogado das almas do purgatório, protector dos náufragos, fazedor de milagres, é também invocado através dos “responsos” para encontrar objectos perdidos, etc.
Uma das tradições mais antigas em sua homenagem, é a distribuição de pão aos necessitados no dia do Santo, que segundo reza a lenda, têm de ser guardados dentro de uma lata de mantimentos para garantir comida até ao próximo Junho e que a tradição garante não ganharem mofo.
Foi também adoptado por vários regimentos portugueses, como seu patrono, principalmente durante as guerras de Restauração, Sucessão e Peninsular, o que levou Santo António a começar uma carreira militar, depois de ter falecido, chegando mesmo a ser condecorado.

Fontes: Wikipédia

www.agencia.ecclesia.pt

Serrão, Joaquim Veríssimo – História de Portugal, vol. 1, editorial Verbo, 2ª edição.

Saraiva, José Hermano – História de Portugal, edições Alfa, vol. 2, 1983

domingo, 26 de setembro de 2010

E A FLORESTA NASCEU…


O vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um abanão. O estarim parecia deserto. Não senhor, alguém dormia meio encurvado, cabeça para fora do seu decúbito, que se agitou molemente. Volveu a soprar. Buliu-lhe a veste, deu mesmo um estalido em sua tela semi-rígida e imobilizou-se. Outro sopro. Desta vez o pinhão, como um pretinho da Guiné de tanga a esvoaçar, libertou-se da cela e pulou no espaço. Que pára-quedista!
Precipitado tão alto do pinheiro solitário, balouçou-se um instante e ensaiou um voo oblíquo. A meio caminho volteou, rodopiou, viu as nuvens ao largo, a terra em baixo e, saracoteando a fralda, desceu em espiral. Poisou em cima de uma fraga, ligeiro como um tira-olhos. Mas novo pé-de-vento atirou com ele para a banda, quase de escantilhão, e a aleta tomando-se de improviso fôlego, arrebatou-o para mais longe. Foi cair numa mancheia de terra, removida de fresco pelos roçadores do mato, e ali permaneceu à espera que pancada de água ou calcanhar de homem o mergulhasse no solo, dado que um pombo bravo o não avistasse e engolisse.
Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares. Trazia no bico uma bolota. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada quando deu com os olhos no mariola do vizinho com quem bulhara uma Primavera inteira por causa da gaia, depois sua mulher. Já esse tal, rancoroso e mau, dava jeitos de querer investir, penas riças, garras desembainhadas, as asas possuídas de frenesim. Que remédio senão preparar-se para o receber condignamente. E deixou cair a glande. Esta foi bater na face zenital dum velho toro, saltou de ricochete para o lado e, aninhou-se muito aninhada num monte de folhas secas e argalhos. Ninguém a via, nem ela via a mais pequena nesga do mundo.
E ali ficou muito quieta, muito bem refastelada em virtude do seu próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormir uma hora ou a vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio de lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como que uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnada no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.
Do pinhão que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a brótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana…

Fonte - Nova Colectânea 3, Didáctica Editora, pg.138, um excerto de “A Casa Grande de Romarigães” (1957), de Aquilino Ribeiro

Lady Jane Grey – II

Hippolyte Delaroche, mais conhecido por Paul Delaroche, nasceu em Paris a 17 de Julho de 1797, numa família abastada. Determinado a tornar-se artista, ingressa no estúdio de Antoine-Jean Gros, e faz a sua estreia no Salão de Paris, em 1822 com duas telas tornando-se um dos pintores do romantismo mais conhecidos da primeira metade do sec. XIX, sendo também amigo de Gericault e Delacroix. Os seus quadros eram geralmente sobre temas históricos dramáticos, pintados com grande realismo, tão ao gosto popular e geralmente bastante grandes. Era rigoroso nos detalhes, mas por vezes, fugia um pouco à realidade histórica, a fim de enfatizar ainda mais o dramatismo da situação que descrevia nas telas.
Foi professor da Escola de Belas Artes de Paris, em 1832, e em 1835 casa-se com a filha única do pintor Horace Vernet, Anne-Louise, cujo falecimento em 1845, o deixou inconsolável.
Em 1833 pinta uma tela enorme de 2,51 x 3,02m “A execução de Lady Jane Grey”, que expõe em 1834, no Salão de Paris, alcançando tal sucesso que consegue ofuscar as obras presentes de pintores como Ingres e Delacroix , e que segundo rezam as crónicas da época, chegou a dar lugar a cenas bastante emotivas.
Após a sua morte, em 1856, os seus quadros caíram em esquecimento. Uns foram comprados para colecções particulares, e outros arrumados nos sótãos dos museus. O quadro “A execução de…” teve vários donos até ir parar em 1902 aos sótãos da National Gallery, em Londres, que em 1928 foram inundados por uma cheia do Tamisa e colocado numa lista de obras estragadas que não mereciam ser reparadas por não terem valor artístico. Por lá ficou e nos anos cinquenta foi inventariado como “destruído”. Em 1973, porém, foi novamente descoberto e acharam que afinal não estava assim tão danificado e poderia ser exposto. Embora a descrição que acompanhava o quadro fosse totalmente arrasador para o artista, o sucesso foi de tal ordem que poderia ter igualado o da sua primeira exposição no Salão de Paris.
Nesta pintura, Jane Grey, toda vestida de branco como as mártires, vendada e com os seus louros cabelos soltos, é auxiliada por alguém que lhe guia as mãos que tacteiam, a encontrar o cepo onde terá de pousar a cabeça. Á direita, o carrasco segurando o machado da execução, assiste à cena, impassível. O cepo está assente sobre palha, que se destina a absorver o sangue que será derramado. Do lado esquerdo, duas damas choram desconsoladamente. Toda a cena se passa dentro de uma cela, em que os tons escuros, ainda acentuam mais o dramatismo já de si grande do quadro, ao mesmo tempo que realçam a figura da adolescente prestes a ser morta.
Na realidade, e dado ser casada, Lady Jane nunca poderia estar vestida de branco. Os seus cabelos também não estariam soltos, pois o pescoço e parte do colo teriam de estar livres para o carrasco poder actuar. A execução, embora fosse privada, não foi feita numa cela, nem tão pouco Jane Grey alguma vez esteve numa. Tinha aposentos na Torre, conservando duas damas de companhia para a servirem e podia passear, no jardim. Embora tivesse sido deposta, era uma ex-rainha e Maria Tudor tratou-a com respeito até ao fim, como se pode deduzir pela própria ordem de uma execução privada, que obviamente não foi feita nos próprios aposentos.
Um cadafalso foi armado no interior do jardim da Torre, e Jane acompanhada pelas suas damas, guardas e pelo confessor da própria rainha Maria (não lhe foi permitido ser assistida por um pastor protestante), subiu os degraus onde o carrasco a esperava, e como a todos os condenados à morte, foi-lhe permitido fazer um pequeno discurso, assim como as suas orações. As suas damas ajudaram-na a alargar o vestido para que o pescoço ficasse exposto, e também como era costume, o carrasco ajoelhou-se à sua frente rogando-lhe que o perdoasse, ao que ela respondeu afirmativamente, pedindo depois uma venda. Como ao ajoelhar-se, as suas mãos não conseguissem encontrar o cepo por ter os olhos tapados, alguém (o confessor ou Sir John Bridges, o capitão da Torre), contra todas as regras, baixou-se e conduziu-lhe as mãos para o tronco. Apoiou o pescoço, disse as mesmas palavras que Jesus proferiu na cruz “Senhor, nas tuas mãos entrego a minha alma”, e o carrasco com um golpe decapitou-a.
Assim morreu aos 16 anos de idade, sem chegar a ser coroada, Jane Grey, a Rainha dos nove dias.

Fontes – História Y Vida, nº 505
pt.wikilingue.com
englishhistory.net

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Lady Jane Grey - I


Rainha de Inglaterra por apenas nove dias em 1553, Lady Jane Grey nunca chegou a ser coroada. Na sua execução em 1554 exclamou: Quando me levaram ao trono, vi por detrás dele o cadafalso!
Nascida em Outubro de 1537, era a filha mais velha do duque de Suffolk e Marquês de Dorset Henrique Grey, e de Lady Frances Brandon, filha de Maria Tudor, irmã de Henrique VIII de Inglaterra. Lady Jane era portanto sobrinha-neta daquele monarca, e prima de Eduardo VI o príncipe reinante, assim como das suas meias-irmãs, Maria e Elizabeth, que por sua vez, também subiriam ao trono.
Bonita, culta e espirituosa, teve a educação esmerada que as mulheres Tudor recebiam, aprendendo latim, grego, francês italiano e hebraico com vários perceptores, entre eles o mesmo mestre da sua prima, a princesa Elizabeth, John Aymler, da Universidade de Cambridge, sendo uma protestante convicta. Era uma jovem sossegada, que não gostava das caçadas que faziam as delícias da aristocracia inglesa, preferindo ficar a ler Platão.
Quando seu pai recebeu o título de Duque de Suffolk, Jane veio para a Corte, onde passou um tempo junto de Catarina Parr, viúva do rei Henrique VIII, junto com sua prima Elizabeth, a futura rainha Isabel I.
Eduardo VI tinha nove anos de idade quando subiu ao trono, tornando-se o primeiro rei protestante da Inglaterra. Possuía uma saúde muito frágil, e devido à sua juventude, foi nomeado um Conselho de Tutores com 16 membros para assegurarem a regência até à sua maioridade, embora o governo estivesse efectivamente nas mãos do Lord Protector do Reino, o seu tio materno Edward Seymour, conde de Hertford, que ainda intentou casá-lo com Lady Jane, mas sem sucesso.
Em 1549, o duque de Northumberland, John Dudley, apoderou-se do poder, fez decapitar o conde de Hertford, por traição em 1552, e em 1553, estando já o rei muito doente, arranjou o casamento de Jane Grey, então com quinze anos, com o seu quarto filho, Guilford, a fim de evitar que Maria Tudor, a segunda na linha de sucessão, filha de Catarina de Aragão e uma católica militante, subisse ao trono, e preparar assim a sua própria linha dinástica.
Embora bastante contrariada, a jovem foi obrigada a contrair este matrimónio, pois seus pais estavam completamente de acordo com o duque. John Dudley, conseguiu que o rei já moribundo alterasse a ordem de sucessão à Coroa, reconhecendo Jane como sua herdeira presuntiva. Morto Eduardo VI, o duque manteve por alguns dias em segredo a sua morte, a fim de preparar a subida da nora ao trono, e prender Maria Tudor, que se refugiou no Castelo de Framlingham, em Suffolk, onde reuniu um exército. A 10 de Julho de 1553, Jane Grey foi declarada rainha de Inglaterra, mas o povo queria Maria, que fez a sua entrada triunfal no dia 19 do mesmo mês.
O Parlamento inglês declarou-a então Rainha de Inglaterra e revogou a coroação de Jane, que abdicou de muito bom grado. O trono nunca tinha sido a sua pretensão, pediu apenas que a deixassem voltar para casa, mas tanto ela como o seu marido, foram presos e encarcerados na Torre de Londres, sob a acusação de traição e John Dudley foi decapitado.
A nova rainha parecia no entanto disposta a perdoar a prima, consciente da sua inocência, mas em 1554, o anúncio do seu casamento com o católico Filipe de Espanha, fez reavivar novamente o conflito religioso latente entre católicos e protestantes originando uma rebelião liderada por Thomas Wyatt e na qual se juntaram vários nobres entre eles o pai e irmãos de Jane, pedindo a restauração desta como rainha. Embora nada tivesse a ver com esta revolta, foi condenada à morte, juntamente com o marido.
No dia 12 de Fevereiro de 1554, teve lugar a execução pública de Lord Guilford Dudley, e horas depois, em privado, a ex-rainha Jane era decapitada no interior da Torre de Londres. A execução privada foi um gesto de respeito de Maria para com a sua jovem prima. Tinha apenas 16 anos.
Está sepultada com o seu marido na Capela Real de St. Peter ad Vincula, na Torre de Londres, junto das rainhas Ana Bolena e Katherine Howard. A pedra tumular que ali se encontra, apenas lá foi colocada em 1870.
Há no entanto quem defenda, que como esta capela tinha sido novamente devolvida à Igreja Católica e o enterro de hereges no seu solo era expressamente proibida, (a rainha e o marido eram calvinistas), muito possivelmente ambos foram sepultados com Lord Grey, na Igreja da Holy Trinity Minorities, situada perto da Torre.
Em 1833, o francês Paul Delaroche pintou um quadro de grandes dimensões, intitulado “A execução de Lady Jane Grey”, que alcançou um sucesso tremendo, a quando da sua apresentação no Salão de Paris, em 1834, embora grande parte dos detalhes seja apenas imaginação do pintor.



Pormenor do quadro de Delaroche

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Lettera amorosa - E. Andrade

Lettera amorosa

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

E. de Andrade

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Papa Português


João XXI

Pedro Julião, mais conhecido como Pedro Hispano, nasceu em Lisboa, provavelmente na que é a actual freguesia de S. Julião, em data incerta, mas seguramente antes de 1226 e faleceu em Viterbo a 20 de Maio de 1277. O seu Papado decorreu de 20 de Setembro de 1276, até à data da sua morte, tendo sido também um famoso médico, professor e matemático do século XIII. Foi o único Papa médico e português. Era filho de Julião Rebelo, médico, cuja profissão segue, e de Teresa Gil (embora Ribeiro Soares defenda que possa ter sido filho do chanceler de D. Sancho I, Mestre Julião Pais).
Começou os seus estudos na escola episcopal da catedral de Lisboa, tendo mais tarde estudado na Universidade de Paris e também na Universidade de Montpellier, com mestres notáveis, como São Alberto Magno, e tendo por condiscípulos São Tomás de Aquino e São Boaventura, grandes nomes do cristianismo. Entre 1246 e 1252 ensinou medicina na Universidade de Siena, onde escreveu algumas obras, de entre as quais se destaca o Tratado Summulae Logicales, que foi o manual de referência sobre lógica aristotélica durante mais de trezentos anos, nas universidades europeias, com 260 edições em toda a Europa, traduzido para grego e hebraico. A quando da reforma da Universidade de Lisboa no reinado de D. Manuel I, esta obra ainda fazia parte do plano de estudos. Exerceu também clínica na leprosaria dessa cidade.
Prova da sua vastíssima cultura científica encontra-se na obra De Oculo, um tratado de Oftalmologia, que conhece ampla difusão nas universidades europeias, sendo citado por Arnaldo de Villanova e Guy de Chauliac, o mais famoso cirurgião da Idade Média, e serve de texto clínico por mais de dois séculos. Quando Miguel Ângelo adoece gravemente dos olhos, devido ao árduo labor consumido na decoração da Capela Sistina, encontra remédio numa receita de Pedro Julião. De sua autoria, é também o ‘Thesaurus Pauperum’ (Tesouro dos pobres), em que trata de várias doenças e suas curas, com cerca de uma centena de edições e traduzido para 12 línguas. É também autor da Scientia libri de anima e De tuenda valetudine, dedicada a Branca de Castela, esposa de Luís VIII de França e filha de Afonso IX, de Castela
Antes de 1261, ano em que é eleito decano da Sé de Lisboa, Pedro Julião ingressa no sacerdócio. O rei Afonso III de Portugal confia-lhe o priorado da Igreja de Santo André (Mafra) em 1263, posto o que é elevado a cónego e deão da Sé de Lisboa, Tesoureiro-mor na Sé do Porto e Dom Prior na Colegiada Real de Santa Maria de Guimarães.
Após a morte de Dom Martinho Geraldes, Pedro Julião é nomeado Arcebispo de Braga pelo Papa Gregório X, em 1273. Um ano depois, participa no XIV Concílio Ecuménico de Lião, altura em que Gregório X o eleva a Cardeal-bispo de Frascati, o que permite ao pontífice poder contar com os serviços médicos do sábio português. Regressa ao Arcebispado de Braga, até ser nomeado o sucessor, Dom Sancho. De volta á corte pontifícia, Gregório X nomeia-o seu médico principal em 1275.
A eleição de Pedro Julião, em conclave realizado em Viterbo, após a morte do Papa Adriano V, a 18 de Agosto de 1276, decorre num período muito perturbado por tensões políticas e religiosas e com alguns cardeais a sofrer violências físicas. A sua eleição foi uma surpresa, e terá sido consequência da guerra de influências entre duas famílias poderosas, os Orsini e os Collona. Pedro Hispano não era italiano e não pertencia a qualquer partido. Possuía, sim, uma cultura e um prestígio científico excepcionais, assim como a fama de homem recto, que acabaram por se sobrepor às guerrilhas políticas, e à pressão da população de Viterbo, que exigia a eleição papal sem mais delongas.
É eleito Papa a 13 de Setembro de 1276 e coroado7 dias depois, adoptando o nome de João XXI.
Irá marcar o seu breve pontificado (de pouco mais de 8 meses) pela fidelidade ao XIV Concílio Ecuménico de Lião, apressando-se a mandar castigar, em tribunal criado para o efeito, os que haviam molestado os cardeais presentes no conclave que o elegera.
Empenha-se na união entre os cristãos de Roma e os do Oriente, e recebe e retribui uma embaixada dos reis Tártaros, com quem procurou estabelecer relações de amizade, seguindo a política do seu antecessor. Intenta reconciliar as grandes nações europeias como a França, Alemanha e Castela, mas sem grande sucesso. Esforça-se também por preparar uma nova Cruzada a fim de se libertar Jerusalém, e em 1277, devido aos problemas do rei português D. Afonso III com o clero, ordena a sua excomunhão e que fosse lançado o interdito sobre o reino. Morre no entanto antes de ver a sua ordem cumprida.
É um homem dotado de grande simplicidade, recebendo em audiência tanto os ricos como os pobres. Dante Alighieri, poeta italiano (1265-1321), na sua famosa ‘Divina Comédia’, coloca a alma de João XXI no Paraíso, canto XII, junto com a de São Boaventura, apelidando-o de “aquele que brilha nos seus doze livros”, menção clara aos doze livros em que se divide o Tratado Summulae Logicales. Mecenas de artistas e estudantes, é tido na sua época por 'egrégio varão de letras', 'grande filósofo', 'clérigo universal' e 'completo cientista físico e naturalista'.
Mais dado ao estudo que às tarefas pontifícias, João XXI delega no Cardeal Orsini, o futuro Papa Nicolau III, os assuntos correntes da Sé Apostólica, e manda construir no seu palácio de Viterbo um gabinete, onde realizava as suas experiências, que para o inculto clero daquela época, pareciam bastante suspeitas. A 10 de Maio de 1277, um desmoronamento das paredes do seu aposento, fosse devido às obras aí decorrentes ou a uma explosão provocada por uma das suas experiências, provocam-lhe horríveis ferimentos a que sobrevive apenas 6 ou 10 dias, falecendo com apenas 51 ou 53 anos de idade. É sepultado junto do altar-mor da Catedral de São Lourenço, naquela cidade, mas no século XVI, durante os trabalhos de reconstrução do templo, os seus restos mortais são trasladados para modesto e ignorado túmulo. Através do contributo da Câmara Municipal de Lisboa, feito pelo Dr. João Soares então seu presidente, o mausoléu é colocado, a título definitivo, ao lado do Evangelho de Catedral de Viterbo, a 28 de Março de 2000.
Fontes: Wikipédia
Revista “Acção Médica”, Novembro de 2007


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mário Beirão

Mário Gomes Pires Beirão (1890-1965)

Poeta português, natural de Beja, Mário Beirão licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa e foi Conservador do Registo Civil de Mafra. Aos vinte e três anos, publicou o seu livro de estreia, O Último Lusíada (1913), revelando-se desde logo um poeta de grande qualidade e originalidade. A sua obra está inserida na corrente literária e filosófica do saudosismo, veiculada pela revista A Águia, onde o poeta se estreou em 1911 com o poema “As Queimadas”.
A saudade da sua terra natal, de onde saiu aos 10 anos de idade, quando a família se mudou para Lisboa, ficou-lhe para sempre gravada na alma, cantando nos seus poemas a paisagem e as gentes do Alentejo. Escreveu também Ausente (1915), Lusitânia (1917), Pastorais (1923), A Noite Humana (1928), Novas Estrelas (1940), Mar de Cristo (1957) e O Pão da Ceia (1964). Publicou também em 1946 um livro de viagens em prosa e verso, intitulado Oiro e Cinza. Foi amigo de Teixeira de Pascoaes, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, entre outros.
Faleceu em Lisboa em 1965.
Ausência
Nas horas do poente,
Os bronzes sonolentos,
- Pastores das ascéticas planuras –
Lançam este pregão ao soluçar dos ventos,
À nuvem erradia,
Às penhas duras:
- Que é dele, o eterno Ausente,
Cantor da nossa vã melancolia?

Nas tardes duma luz de íntimo fogo,
Rescendentes de tudo o que passou,
Eu próprio me interrogo:
- Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas
Os fumos do meu sonho derradeiro!

- Ventos, que novas me trazeis das rosas
Que acendiam clarões no meu jardim?

- Pastores, que é do vosso companheiro?

Saudades minhas, que sabeis de mim?


Mário Beirão

Fontes: Dicionário de Literatura Portuguesa

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cavaleiro Andante

Deram-me a vida, nasci,
Fiz a minha caminhada
Percorrendo a longa estrada
Que me trouxe até aqui…

Cresci entre o amargo e a doçura
Tive arrufos juvenis
E relembro com ternura
Os meus amores infantis
Tão longes da realidade…
Santo Deus, mas que saudade
Dos meus tempos de menina!
Em que eu era a princesa Aurora
E o Amor vinha num corcel
Coberto com um lindo xairel,
Para matar sem demora
A bruxa má e malvada
Que me trazia enfeitiçada…
Ia depois toda ladina
Para o seu castelo de sonho
Onde num porvir risonho
Tínhamos muitas crianças
De olho azul e loiras tranças…

Mas do sonho à realidade
Vai uma certa distância
E o príncipe da minha infância
Mudou também com a idade…
Não veio num belo cavalo
Mas sim num grande navio
Pôs a armadura de lado
Para não derreter com o calor
Que em África não faz tanto frio…
Trazendo à mesma o Amor
E com ele duas crianças
Que não tinham loiras tranças
Fazendo-nos acreditar
No tal final das histórias!
Sou a guardiã das memórias
De um tempo que não vai voltar
Os meus filhos, sim, cresceram
Novos rebentos nasceram
Porque também já sou avó…

Mas no fim, a bruxa venceu
O cavaleiro morreu
Deixou a princesa só…

N.G.

Melancolia

Eu não sei que trago em mim
Esta estranha melancolia
Que me põe dentro um vazio
E muda em noite o meu dia!
Sinto-me tão inactiva
Tão farta do meu viver…
Preciso sentir-me viva
Deixar o tédio morrer!

O Tempo não pára, avança
Numa corrida veloz
O Mundo está em mudança
Tenho de ouvir essa voz…
Mesmo tendo na lembrança
O passado tão presente!
Esse sofrer lentamente
Vou pô-lo assim docemente
Num barquinho de papel!
Atá-lo com um cordel
Lançá-lo á beira de um rio
Deixá-lo ir na corrente…

N.G.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Rui de Noronha

Rui de Noronha (1909 - 1943).

António Rui de Noronha nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, a 28 de Outubro de 1909. Filho de pai indiano, de origem brâmane, e de mãe negra, fez os seus estudos liceais em Maputo e entrou para o funcionalismo público, onde trabalhou nos Caminhos de Ferro e na Divisão de Fiscalização de Nampula, exercendo simultaneamente o jornalismo. Os seus textos de crítica literária assim como os seus poemas foram publicados por vários jornais e revistas moçambicanos, como o Brado Africano, O Mundo Português, África Magazine e outros. Aos 17 anos escreve três contos para O Brado Africano, e que correspondem ainda a uma fase de afirmação literária, que virá a ser prosseguida a partir de 1932, com uma intervenção mais activa na vida do jornal, chegando mesmo a integrar o seu corpo directivo, onde assinava uma secção de crónicas sociais, intitulada “Ao Mata-Bicho”, com o pseudónimo de Xis Kapa. Assinava também como Ruy de Noronha e Carranquinha de Aguilar
Nos seus anos de liceu, aprendeu sozinho a tocar viola, guitarra e mais tarde violino. Foi casado e pai de Elsa de Noronha, também poetisa.
Considerado um poeta de transição, precursor de uma poesia moçambicana em ruptura com o passado, desde logo mostrou e deixou transparecer, na sua vida e na sua escrita, um temperamento recolhido, uma personalidade introvertida e amargurada. Foi, sem dúvida, um homem infeliz. Nunca chegou a concretizar, em vida, o grande sonho de publicar o seu livro de poemas que foi postumamente editado por um grupo de amigos, em 1946.
Incluído em inúmeras antologias estrangeiras – na Rússia, na República Checa, na Holanda, na Itália, nos EUA, na França, na Argélia, na Suécia, no Brasil e em Portugal, a sua obra completa está reunida em Os meus versos, publicada em 2006, com organização notas e comentários de Fátima Mendonça.
Numa biografia sua inserida na “Plural Editores” de Moçambique, lê-se:
“Em muitos dos seus textos encontramos uma espécie de simbiose entre a oratura (forma oral de transmissão de conhecimentos) e a escrita, numa tentativa de exigir a reabilitação nacional. Neste sentido, poderá claramente dizer-se que a acção dos seus poemas é sempre orientada para os caminhos do futuro; os caminhos que levarão à moçambicanidade”.
Bibliografia
Sonetos
Os meus versos
Mata-bicho

Fontes:wikipédia.org.

Biblos - Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa – 1995
www.pluraleditores.co.mz


África – Surge et Ambula" significa Levanta-te e anda

"Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...
A selva faz de ti sinistro eremitério
Onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...
Desperta! Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente em carne de sonâmbula.
Desperta! O teu dormir já foi mais que terreno
Ouve a voz do Progresso, este outro nazareno
Que a mão te estende e diz:
África, surge et ambula!"



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Devias estar…E. de Andrade


Devias estar aqui rente aos meus lábios

Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um.


- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

D. Mafalda


Filha de D. Sancho I e da rainha D. Dulce nasceu cerca de 1200 e faleceu em 1256. Frei António Brandão diz que “foi esta princesa uma das filhas de el-rei D. Sancho em a qual concorreram mais perfeições naturais e de graça”, o que quer dizer que seria formosa e alegre.
Foi educada por D. Urraca Viegas, de Tuias, filha de D. Egas Moniz, que lhe deixou todos os bens quando morreu. Casada em 1215 com o rei Henrique I, de Castela, de apenas 12 anos, o casamento nunca foi consumado, pois a irmã do noivo, regente do reino e contrária a este enlace, pediu ao Papa a anulação do matrimónio invocando a consanguinidade dos nubentes, no que foi atendida. D. Mafalda regressou então a Portugal, em 1217, intitulando-se rainha de Castela até ao fim da sua vida. O noivo morreu pouco tempo depois, aos 14 anos, atingido por uma telha que caiu, enquanto jogava com outros nobres.
Por legado de seu pai, e também da sua ama, recebeu D. Mafalda várias honras, e o padroado dos mosteiros de Arouca, Bouças e Tuias, assim como a posse do Castelo de Seia com o resto dos termos da vila e os rendimentos aí produzidos, podendo usar o título de rainha. Quando D. Afonso II subiu ao trono contestou os legados que o pai tinha deixado a suas irmãs, o que acabou em guerra civil, tendo o Papa Inocêncio III mediado o conflito.
Foi no mosteiro de Arouca que a infanta se recolheu, e professou, tendo chegado a abadessa. Devido à sua intervenção o mosteiro passou em 1220 da Ordem de S. Bento para a Ordem de Cister, tornando-se através da inteligente administração de D. Mafalda, num dos mais importantes conventos cistercienses em Portugal.
Dedicou-se a obras de caridade e fundou vários hospícios para pobres e peregrinos, e já em vida tinha fama de santidade, tanto pelas suas virtudes, como por ser também viúva e virgem. Devia estar perto dos sessenta anos quando faleceu a 1 de Maio de 1256 em Rio Tinto, onde tinha ido cobrar os foros e rendas devidos.
Conta a lenda que os habitantes de Rio Tinto queriam que ela fosse ali sepultada, mas os de Arouca discordavam, uma vez que ela tinha passado a sua vida no Mosteiro. Alguém então se lembrou de pôr o caixão no dorso da mulinha branca que a infanta sempre montava nas suas deslocações, e onde ela parasse aí seria enterrada D. Mafalda. A mula andou sem parar até chegar ao Mosteiro de Arouca, entrou na igreja, dobrou as patas dianteiras e caiu morta junto ao altar de S. Pedro. Há uma pintura no coro da igreja a recordar esta tradição.
No seu testamento doou todos os seus bens aos vários mosteiros e Ordens, e ao de Arouca, além dos bens materiais deixou também uma cláusula um tanto original: a cada sacerdote que aparecesse no mosteiro no dia do seu (dela) aniversário, ser-lhe-ia dado um tostão em dinheiro, um prato pequeno de ovos, outro de tremoços, uma queijada, um biscoito, uma talhada de pão leve, uma caixa pequena de marmelada, um prato de trutas, cinco pães de trigo, um sável e três canadas de vinho.
Ao fim de 500 anos, as freiras deitaram contas à vida e concluíram que esta cláusula se tornava demasiado dispendiosa e acabaram com ela. Mantiveram apenas as exéquias ditadas no testamento, com o cerimonial devido às rainhas de Espanha, com a coroa e o ceptro real.
O sepulcro foi aberto duas vezes no sec. XVII, encontrando-se o seu corpo incorrupto e as vestes intactas. Foi beatificada pelo Papa Pio VI em 1793 e é festejada no dia 2 de Maio pela Igreja Católica.
O corpo está guardado num urna de ébano em estilo rococó, decorada a prata e cobre dourado encimada por uma coroa real, e o brasão com as armas de Castela e Portugal. Foi desenhada pelo arquitecto portuense José Francisco de Paiva, por encomenda das freiras do mosteiro, tendo custado 2800$00 réis.
A sua imagem figura ainda hoje nas armas da vila de Arouca.


Fontes: Saraiva, José Hermano – Lugares Históricos de Portugal – Selecções do Reader’s Digest
As mais belas Igrejas de Portugal – Vol. 1, Editorial Verbo
Oliveira, Américo Lopes de – Dicionário de Mulheres Célebres – Lello & Irmão Editores

domingo, 5 de setembro de 2010

Aurora Boreal – Antònio Gedeão

AURORA BOREAL

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fonte sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

Em: ”Teatro do Mundo” 1958

sábado, 4 de setembro de 2010

O Mito de Europa


Na antiga Fenícia, actual Líbano, país mediterrânico do Médio Oriente, vivia o rei Agenor, que tinha três filhos: Cadmo, Cilix e Europa.
Estava Europa, (segundo alguns, do grego eurus, grande, e ops, olho, visão), a ninfa dos olhos grandes, a jogar à bola na praia com algumas amigas, quando um touro lindíssimo, de alva pelagem e chifres dourados, se lhe prostra aos pés, oferecendo-lhe o dorso para ela cavalgar. Seduzida pela sua meiguice, a jovem senta-se em cima do touro, que de pronto se atira ao mar, nadando vigorosamente, para grande susto da princesa e das amigas que a viram desaparecer no horizonte.
No dia seguinte aportaram na ilha de Creta, onde depois de deixar a princesa à sombra de um plátano, o touro se transforma em Zeus, o Senhor do Olimpo, que apaixonado pela beleza da jovem, assim se tinha assim transformado para evitar qualquer represália por parte de Hera, a sua ciumenta esposa divina. Como recompensa, o plátano conserva as suas folhas sempre verdes tanto no verão como no inverno.
Da sua união com o deus, Europa teve três filhos: Minos, Radamanto, Sarpédon .
Mais tarde, quando Zeus a abandonou, Europa casou com o rei cretense Astérion, que lhe adoptou os filhos, e ao morrer deixou o trono a Minos.
Seu pai, após o seu desaparecimento, ordenou aos dois filhos que fossem procurar a irmã, e não voltassem sem ela.
Cadmo, na sua incessante procura, fundou a cidade de Tebas, de quem foi o primeiro rei, levando o alfabeto ao continente grego. Cilix, deu o seu nome à região da Cilicia, a actual Arménia.
Foi esta princesa que deu o nome ao continente europeu, e como todos os mitos têm algum fundamento, se pensarmos que Europa era de origem fenícia, a sua viagem no dorso do touro desde as praias asiáticas até à ilha de Creta, representa possivelmente a expansão da civilização do Oriente para Ocidente. Junto com o touro branco, aparece nas moedas gregas de 2 euros.
De acordo com Heródoto, o “Pai da História”, no sec. VIII a.C., a Europa é apenas uma das três partes em que os Gregos dividiram o mundo de então: Europa, Ásia e Líbia, a actual África.

Fontes: Deuses da Mitologia – Editorial Minerva
Magno, Albino Pereira - Mitologia
Wikipédia

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ícones Bizantinos


N. SRA. do PERPÉTUO SOCORRO

Muito venerado no Oriente, o ícone da Virgem da Paixão, conhecida no Ocidente como Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está entre as mais expressivas invocações a Maria, a Theotokos, ou Mãe de Deus. Ela representa o feminino celestial, uma vez que na iconografia ortodoxa, as santas, embora existam, não são representadas.
O quadro original é uma pintura em estilo bizantino, sobre madeira, de 54 x 41,5cm, com o fundo em dourado, e que segundo a tradição teria sido pintado em fins do sec. XIII, por um pintor desconhecido, inspirado numa pintura atribuída a S. Lucas, o primeiro iconógrafo conhecido que pintou a Virgem.
A palavra ícone vem do grego eikón, que significa imagem. Era pintado por monges em painéis de madeira seguindo fielmente a Tradição e as regras estabelecidas para este género de pintura que não representava o mundo terreno, mas sim o espiritual. A cor tinha um papel fundamental devido à sua linguagem simbólica, e a figura sacra ali representada era semelhante à realidade, uma vez que se pensava que o divino guiava a mão do artista.
Depois do painel preparado, o fundo era pintado com dourado, (para os pintores, a luz é uma manifestação divina e a cor que melhor a representa é a cor do ouro), e só depois se pintavam as figuras sempre com cores vivas. Dependendo da simbologia do quadro, o fundo também podia ser pintado de vermelho ou azul.

História

Conta a lenda, que um comerciante teria roubado o quadro na ilha de Creta, no século XV, na esperança de obter um bom lucro, segundo algumas fontes, ou para o proteger dos muçulmanos, segundo outros, levando-o para Roma, num navio. Durante a viagem, uma forte tempestade colocou em perigo a vida dos passageiros e somente com a intervenção de Nossa Senhora é que se conseguiram salvar. Mais tarde, antes de morrer, o comerciante decidiu confiar o ícone a um amigo para que levasse o quadro para uma igreja da cidade, a fim de devolvê-lo à veneração pública.
Foi então confiada aos frades agostinianos da igreja de S. Mateus, onde durante cerca de 300 anos foi venerada devido à fama dos seus milagres. Com a invasão de Roma pelas tropas de Napoleão, a igreja foi destruída e o quadro desapareceu durante cerca de 70 anos. Quando reapareceu, em 1865 ou 1866, o Papa Pio IX confiou-o aos cuidados dos Missionários Redentoristas para que difundissem o seu culto. Depois de restaurado foi levado para a Igreja de Santo Afonso, construída sobre as ruínas da antiga igreja de S. Mateus, e que é hoje o Santuário Internacional de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, cuja festa se celebra no dia 27 de Junho.
Significado do quadro: O fundo em ouro significa o Paraíso onde a Virgem reina, dando ao conjunto, um sentido de eternidade. Maria segura com afecto e ternura o Menino, no entanto o seu olhar está virado para nós, como que a indicar-nos que Ele é o Caminho, enquanto Jesus olha para os dois Anjos, que seguram os instrumentos da Paixão: À esquerda, S. Miguel de manto verde, segura a lança e a esponja do fel, tendo acima dele, letras gregas com as iniciais de Arcanjo Miguel. À direita, S. Gabriel, de manto lilás, traz nas mãos os pregos e a cruz de três braços, à maneira oriental, símbolo do martírio que irá sofrer. Por cima tem as iniciais gregas de Arcanjo Gabriel.
Assustado com aquela visão, o Menino Jesus agarra-se à mão que a Mãe lhe estende para o confortar e nesse movimento deixa escorregar a sandália do pé direito, que fica segura apenas por um fio. Ela representa uma alma pecadora, dependendo a sua salvação do fio que a prende ao Salvador, e também da sua devoção à Virgem do Perpétuo Socorro.


Sob o manto (maphorion) azul, símbolo da paz e do infinito, Nossa Senhora veste uma túnica vermelha, a cor do sangue dos mártires e do humano, usada pelas virgens naquela altura. O forro do seu manto é verde, símbolo da fertilidade, da natureza e da esperança. Estas três cores em conjunto eram usadas pela realeza, acentuando assim, a dignidade régia da Mãe de Deus. No véu tem três estrelas simbolizando a sua virgindade, mas uma delas está tapada pelo Menino, e a que está na fronte representa Estrela que nos guia através das dificuldades da vida. A coroa de ouro que a Virgem ostenta, foi pintada no quadro original em 1867, em agradecimento pelos muitos milagres efectuados.
No alto do quadro, metade em cada lado, estão escritas em letras gregas, as iniciais de “Mãe de Deus” e de “Jesus Cristo”.
É uma variante da Virgem Hodigitria, que significa (A que mostra o Caminho), e que serviu mais tarde de modelo para as Madonas ocidentais.


Fontes: História da Arte, edições Alfa, vol.3
Revista Arautos do Evangelho
www.iconografiabrasil.com
Wikipédia

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Poema – Quando te vi

Quando te vi
A manhã era clara, refulgente.
Uma manhã doirada. Tu passaste.
Abriu mais uma flor em cada haste.
Teve mais brilho o sol, fez-se mais quente.

E eu innundei-me d’essa luz ardente.
Depois não sei mais nada. Olhei...Olhaste…
E nunca mais te vi. – Raro contraste! –
A madrugada transformou-se em poente.

Luz que nasceu e apenas scintilou!
Deixou-me triste assim que se apagou.
A’s vezes fecho os olhos; vejo-a ainda…

E há tanto sol doirando esses trigaes!
Olhaste, olhei, fugiste… Ai, nunca mais
Nunca mais tive outra manhã tão linda!

Virginia Victorino - Namorados, Portugália Editora – 1924

Manteve-se a grafia antiga do soneto