domingo, 30 de dezembro de 2012

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal, e não Dezembro

 
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido…
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave…
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão Ferreira
Um abraço do tamanho do mundo com votos de um NATAL cheio de Paz, Saúde e Amor para todos vós!
 


As Antífonas do Ó


São sete antífonas especiais, cantadas no Tempo do Advento, especialmente de 17 a 23 de dezembro antes e depois do Magnificat, na hora canônica das Vésperas. São assim chamadas porque tem início com esse vocativo e foram compostas entre o século VII e o século VIII, sendo um compêndio de cristologia da antiga Igreja, um resumo expressivo do desejo de salvação, tanto de Israel no Antigo Testamento, como da Igreja no Novo Testamento. São orações curtas, dirigidas a Cristo, que resumem o espírito do Advento e do Natal. Expressam a admiração da Igreja diante do mistério de Deus feito Homem, buscando a compreensão cada vez mais profunda de seu mistério e a súplica final urgente: «Vem, não tardes mais!».

A reforma litúrgica pós Vaticano II, ao introduzir o vernáculo na liturgia, não esqueceu os textos das Antífonas do Ó, veneráveis pela antiguidade e atribuídos por muitos ao Papa Gregório Magno (+604). Cada antífona é composta de uma invocação, ligada a um símbolo do Messias, e de uma súplica, introduzida pelo verbo "vir".

Se lidas em sentido inverso, isto é, da última para a primeira, as iniciais latinas da primeira palavra depois da interjeição «Ó», resultam no acróstico «ERO CRAS», que significa «serei amanhã, virei amanhã», que é a resposta do Messias à súplica dos fiéis.

O uso do canto gregoriano nas Antífonas do Ó remonta ao século VI e desde sempre concorda a voz com a Palavra, reafirmando a importância da unidade da celebração, o uníssono da voz de toda a comunidade.

17 de dezembro - Ó Sabedoria
que saístes da boca do altíssimo
atingindo de uma a outra extremidade
e tudo dispondo com força e suavidade:
Vinde ensinar-nos o caminho da prudência

 

18 de dezembro - Ó Adonai
guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moises na chama do fogo
no meio da sarça ardente e lhe deste a lei no Sinai
Vinde resgatar-nos pelo poder do Vosso braço.

 

19 de dezembro - Ó Raiz de Jessé
erguida como estandarte dos povos,
em cuja presença os reis se calarão
e a quem as nações invocarão,
Vinde libertar-nos; não tardeis jamais.

 

20 de dezembro - Ó Chave de Davi
o cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
Vinde e libertai da prisão o cativo
assentado nas trevas e à sombra da morte.

 

21 de dezembro - Ó Oriente
esplendor da luz eterna e sol da justiça
Vinde e iluminai os que estão sentados
nas trevas e à sombra da morte.

22 de dezembro - Ó Rei das nações
e objeto de seus desejos,
pedra angular
que reunis em vós judeus e gentios:
Vinde e salvai o homem que do limo formastes

 

23 de dezembro - Ó Emanuel,
nosso rei e legislador,
esperança e salvador das nações,
Vinde salvar-nos,
Senhor nosso Deus.

 

O Advento

 
O Advento (do latim Adventus: "chegada", do verbo Advenire: "chegar a") é o primeiro tempo do Ano litúrgico, o qual antecede o Natal. Começa às vésperas do Domingo mais próximo do dia 30 de Novembro e vai até às primeiras vésperas do Natal de Jesus contando quatro domingos.
A primeira referência ao "Tempo do Advento" é encontrada em Espanha, quando no ano 380, o Sínodo de Saragoça prescreveu uma preparação de três semanas para a Epifania, data em que, antigamente, também se celebrava o Natal.
Em França, S. Perpétuo, bispo de Tours, instituiu seis semanas de preparação para o Natal. É também do final desse século a "Quaresma de São Martinho", que consistia num jejum de 40 dias, começando no dia seguinte à festa de São Martinho.
Somente no final do século VII, em Roma, é acrescentado o aspecto escatológico do Advento, recordando a segunda vinda do Senhor, passando a ser celebrado durante 5 domingos.
 São Gregório Magno (590- 604) foi o primeiro Papa a redigir um ofício para o Advento, e o Sacramentário Gregoriano é o mais antigo em prover missas próprias para os domingos desse tempo litúrgico.
No século IX, a duração do Advento reduziu-se a quatro semanas, como se lê numa carta do Papa São Nicolau I (858-867) aos búlgaros.
Esse tempo possui duas características: Nas duas primeiras semanas, a nossa expectativa se volta para a segunda vinda definitiva e gloriosa de Jesus Cristo, Salvador no final dos tempos. As duas últimas semanas, dos dias 17 a 24 de Dezembro, visam em especial, a preparação para a celebração do Natal, a primeira vinda de Jesus entre nós. Por isto, o Tempo do Advento é um tempo de piedosa e alegre expectativa. Uma das expressões desta alegria é o canto das chamadas "Antífonas do Ó".
No século XII o jejum havia sido já substituído por uma simples abstinência.
Os paramentos litúrgicos(casula, estola, dalmática, pluvial, cíngulo, etc) são de cor roxa, bem como o véu que recobre o ambão, a bolsa do corporal e o véu do cálice; como sinal de recolhimento e conversão em preparação para a festa do Natal. A única excepção é o terceiro domingo do Advento, Domingo Gaudete ou da Alegria, cuja cor tradicionalmente usada é a rósea, em substituição ao roxo, para revelar a alegria da vinda do Salvador que está bem próxima. Também os altares são ornados com rosas cor-de-rosa. O nome de Domingo Gaudete refere-se à primeira palavra do intróito deste dia, que é tirado da segunda leitura que diz: "Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito, alegrai-vos, pois o Senhor está perto"(Fl 4, 4). Também é chamado "Domingo mediano", por marcar a metade do Tempo do Advento, tendo analogia com o quarto domingo do Tempo da Quaresma, chamado Laetare.
A coroa de advento, um dos seus símbolos principais, é feita com ramos verdes, em forma de círculo, geralmente envolvida por uma fita vermelha e onde são postas 4 velas. O círculo representa o elo da união de Deus com os homens.
A cor verde é a cor da esperança e da vida. Os ramos dos pinheiros permanecem verdes apesar dos rigorosos invernos, assim como os cristãos devem manter fé e a esperança apesar das tribulações da vida.
A fita vermelha está ligada à cor do fogo e do sangue. Simboliza a cor da vida, do amor e ao mesmo tempo do derramamento do sangue, do sacrifício.
As 4 velas: uma vela para cada domingo que antecede ao dia 25 de Dezembro, verde no 1º domingo do advento, roxa no 2º domingo, rosa ou rósea no 3º domingo e branca no 4º domingo.
Na liturgia bizantina destaca-se, no domingo anterior ao Natal, a comemoração de todos os patriarcas, desde Adão até José, esposo da Santíssima Virgem Maria. No rito siríaco, as semanas que precedem o Natal chamam-se "semanas das anunciações". Elas evocam o anúncio feito a Zacarias, a Anunciação do Anjo a Maria, seguida da Visitação, o nascimento de João Batista e o anúncio a José.
 Fontes:
 
 





quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A Excelente Senhora – IV


… “deixou o título de rainha, e tomou o nome de D. Joana, e despiu o seu corpo dos brocados e sedas que trazia, e vestiram-na com os hábitos pardos de Santa Clara. Tiraram-lhe da cabeça a Coroa Real de Castela e Portugal de que era intitulada, cortaram-lhe os seus cabelos como a uma pobre donzela, e por maior agravo e mágoa, não lhe deixaram os servidores de seu gosto e vontade, nem nada que tivesse imagem d’estado”.

Foi assim que Rui de Pina, nas suas Crónicas, se refere à entrada de D. Joana, a 6 de Outubro de 1479, no Convento de Santa Clara de Santarém, dando início ao estipulado nos acordos assinados em Alcáçovas. Por duas vezes é deslocada para outros conventos devido aos surtos de peste que assolaram o país, até que no verão de 1480 é conduzida pelo príncipe D. João para Santa Clara de Coimbra onde, a 15 de Novembro desse mesmo ano, acabado o noviciado, pronuncia os votos solenes na presença do príncipe herdeiro português e dos embaixadores castelhanos enviados pelos Reis Católicos.

Não foi sem uma certa revolta que a infanta se resolveu a professar, mas D.João, para quem a razão do Estado justificava este sacrifício, pressionou-a “com esperanças de futuro bem e com palavras assy brandas e prudentes”. Confiando no príncipe, D. Joana acedeu.

D. Afonso V esteve sempre afastado deste processo, mas a 21 de Outubro desse ano, contrariamente ao acordado em Alcáçovas, resolve restituir o título de infanta a D. Joana:

“A nós praz que a muito excelente Senhora Dona Joana, minha muito prezada e amada sobrinha, haja daqui em diante e goze de todas as honras, privilégios, liberdades e franquezas que sempre houveram e de que sempre gozaram as infantas, filhas dos reis destes reinos”. Apenas o título de “Excelente Senhora” lhe foi concedido.

Em 1481 morre de peste D. Afonso V no palácio de Sintra, no mesmo quarto onde nascera quarenta e nove anos antes. Sobe ao trono seu filho, o rei D. João II e nesse mesmo ano já a Excelente Senhora se não encontrava no convento, tendo regressado a Abrantes, para grande inquietação dos Reis Católicos que em 1483 pediram ao Papa a emissão de uma bula que a proibisse sair do convento. Como D. João II não fizesse caso da bula papal, foi redigido outro acordo em como este jurava que não lhe permitiria casar, sair de Portugal ou abandonar a vida religiosa.

Durante toda a sua longa vida, D. Joana constitui sempre um perigo para os reis de Espanha e um trunfo para os reis portugueses que lhe proporcionaram, como diz Damião de Góis, Casa e estado de rainha, recusando sempre entregá-la a Castela.

Em 1505, depois da morte de Isabel, a Católica, o seu viúvo Fernando de Aragão propôs casamento a D. Joana, que recusou.

Atravessou os reinados de D. João II, de D. Manuel I, que a mandou vir de Abrantes para Lisboa, onde viveu nos Paços da Alcáçova, e a quem os Reis Católicos com receio de um possível enlace entre eles, ofereceram ao rei português a mão da sua filha mais velha, Isabel, e após a morte desta, a mão da segunda. Em 1522, reinando já D. João III, e por achar que já não estava em idade para casar e ter filhos, nomeou-o herdeiro dos seus direitos, assinando o documento como: Yo, La Reina.

Faleceu a 28 de Julho de 1530, aos 68 anos de idade, nos Paços da Alcáçova e foi sepultada no Mosteiro de Santa Clara de Lisboa, num jazigo junto à sala capitular, embora no seu testamento tivesse pedido para a sepultarem no Convento de Santo António do Varatojo, com o hábito de S. Francisco. Os reis portugueses puseram luto em sua homenagem e em 1545, a rainha D. Catarina mandar-lhe-ia construir um túmulo mais adequado à sua condição de “Rainha de Castela e Leão”.

Mas porque Deos nom padece engano por castigo, a infeliz Beltraneja pôde assistir em vida ao ruir das ambições dinásticas dos que tanto mal lhe fizeram. D. João II viu morrer o seu único filho, D. Afonso, logo após o tão ambicionado casamento com a infanta Isabel de Espanha, sem deixar herdeiros, ficando o trono para um ramo colateral. Isabel, a Católica, viu morrer também o seu único filho varão sem descendência, depois as outras duas filhas e um neto, ficando o trono de Castela para a sua filha mais nova, Joana, cuja demência fez com que a encerrassem ainda jovem, no castelo de Tordesilhas para o resto da sua também longa vida.

 Fontes: Gomes, António Saul – D. Afonso V
Serrano, Joana Bouza – As Avis
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Arteaga, Almudena de – A Beltraneja
Cassotti, Marsílio – A Rainha Adúltera
Crónicas de Rui de Pina
www.wikipedia.org

 

sábado, 15 de dezembro de 2012

Poemas

 
Viagens…
Na Memória
 
Pela forma de existir
Igual ao que hei-de ser
Por tudo o que de tuas mãos
Acrescenta ao meu corpo
 
Pelo sopro pelo muro
Pelos vôos rigorosos
Legíveis nos teus astros

Por tudo o que fixaste de areias movediças
Pela forma libertada no barro sofrimento
Pelo sal pelo sumo pela côr pelo fruto
 
Aqui deixo os meus braços
Os meus passos
E o cão familiar que espera
Ao fim do tempo.
 
Beatriz Rodrigues Barbosa in “Na água das palavras”
 
Nota: As minhas desculpas a todos pelo tempo que demorei a voltar ao blog, resultante de umas pequenas férias surgidas inesperadamente, aproveitando para agradecer a vossa presença constante durante a minha ausência.
E já que estamos a poucos dias do Natal, irei escrever sobre este tempo de preparação para a chegada de Jesus e a que a Igreja chama de “Advento”.
 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – III


“D. Joana, pela graça de Deus, rainha de Castela, de Leão, de Portugal, de Toledo, de Sevilha, de Córdova, de Múrcia, de Jaén, do Algarve, de Algeciras, de Gibraltar, Senhora de Viscaya e de Molina”.

Contando com o apoio dos nobres castelhanos partidários de Joana, e com promessas de auxílio de Luís XI, rei de França, D. Afonso V entra em Castela com o seu exército, tendo-se entretanto efectuado o casamento por procuração no Castelo de Trujillo, pertencente ao marquês de Vilhena, tutor da infanta. Findo este, foi a princesa conduzida a Palência, em cuja catedral se celebrou solenemente o matrimónio e onde pela primeira vez D. Joana, com apenas 13 anos de idade, se encontrou com o seu tio e marido, 40 anos mais velho…

Embora D. Afonso V se tenha casado com a sobrinha ao abrigo de uma dispensa papal expedida por Pio II, que lhe permitia fazê-lo “com mulher livre, solteira e não raptada”, e legitimando os filhos que viessem a nascer, imediatamente se enviou um pedido ao papa Sisto IV, para que fosse passada outra mais específica, dados os laços de consanguinidade que uniam os nubentes.

Apesar de o matrimónio não poder ser consumado devido à pouca idade da noiva, procedeu-se à entronização dos cônjuges como Reis de Castela e Leão, após o que os seus adversários, Isabel e Fernando de Aragão, se passaram a intitular Reis de Portugal.

Com Castela dividida entre duas rainhas, uma apoiada por Aragão e a outra auxiliada por Portugal, depressa se chegou ao confronto armado. Em 1476, a batalha de Toro, perto de Zamora, pôs fim às ilusões de Joana…D. Afonso V, apesar de ter jurado nunca a retirar dos seus reinos, prometendo-lhe conquistá-los e pacificá-los, entendeu por bem abandonar Castela e regressar a Portugal com a sua jovem mulher para preparar uma nova invasão.

A nova rainha de Portugal é escoltada até Abrantes pelo príncipe D. João, onde fica completamente afastada da corte e do rei, que entretanto se deslocara a França em busca de auxílio militar, tanto de Luís XI como do duque da Borgonha, Carlos o Temerário, filho de sua tia Isabel, assim como da intercessão destes junto do papa para que a bula requerida para a consumação do matrimónio fosse expedida. Mas o caracter fraco e indeciso do rei de Portugal assim como a sua boa-fé foram aproveitados pelo monarca francês para se livrar do seu principal inimigo, o duque da Borgonha, assinando depois um acordo com Isabel e Fernando de Aragão, retirando o seu apoio ao rei português.

Por sua vez Sisto IV, pressionado pelos reis castelhanos, não envia a bula requerida, e o monarca português, velho, gasto e cansado, resolve abdicar do trono, mandando que seu filho seja o rei, partindo para Jerusalém com a intenção de consagrar a sua vida a Deus!

E a jovem D. Joana? Duas vezes rainha, por nascimento e por matrimónio, esbulhada do seu reino de Castela ao qual nunca mais voltaria, a sua situação em Portugal era bastante incómoda. Rainha consorte ainda à espera da legitimação e consumação do matrimónio, afastada de uma corte que não a queria, abandonada pelo marido vivia em Aveiro junto de sua prima e enteada, também chamada Joana, à espera que o seu destino se decidisse…

E a sua sorte não melhorou com o regresso de D. Afonso V ao reino. Instado pelo filho aceitou de novo a coroa, mas deixou que se entabulassem conversações com Castela tendo em vista a reconciliação entre os dois reinos e o que fazer de D. Joana. Por Portugal, foi a infanta D. Beatriz, cunhada do rei português e tia da jovem rainha que conduziu as negociações junto da representante de Castela, a outra tia da infanta, a própria rainha D. Isabel.

O Tratado de Alcáçovas, também chamado de Alcáçovas-Toledo, ou Paz das Alcáçovas assinado a 4 de Setembro de 1479, ratificado pelo rei de Portugal em Setembro do mesmo ano e pelos futuros Reis Católicos em Março de 1489, em Toledo, seguido das chamadas “Tercerias de Moura”, de que falaremos a seguir, põe fim a todas as ilusões que a infeliz D. Joana pudesse albergar…

Depois de pedida a anulação do seu casamento, sacrificada pela própria família aos interesses de Estado, prefere aceitar a entrada num convento do que sujeitar-se às humilhações que os tratados lhe impõem…

 

 

 

sábado, 17 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – II


Para acabar com esses rumores, o rei permitiu um parto público, pelo que, no momento do nascimento da pequena infanta, a quem foi dado o mesmo nome da mãe, encontravam-se, além do Rei e do arcebispo de Toledo, vários senhores da grande nobreza castelhana, certificando com a sua presença conforme os costumes da época, que não havia troca de crianças e se tratava realmente do filho do rei e da rainha.

Apesar disso, e de se constar muito em segredo que a rainha teria engravidado através de fecundação assistida praticada pelo médico judeu da corte com processos rudimentares (a primeira de que se tem conhecimento), a pedido do próprio Henrique IV para quem o nascimento de um herdeiro era absolutamente vital, os boatos sobre a infidelidade da rainha aumentaram quando se soube que oito dias antes do nascimento da princesa, o rei tinha elevado D. Béltran de la Cueva a conde de Ledesma!

A partir daí, a pequena Joana passou a ser apelidada de “a Beltraneja” pela forte facção dos nobres que se opunham ao rei, o que não impediu que fosse reconhecida como herdeira do trono nas Cortes de Toledo, reunidas nesse mesmo ano.

Dois anos depois do nascimento de Joana, o monarca, incapaz de resistir às pressões dos seus opositores e para evitar maiores confrontos, aceitou nomear o seu meio-irmão Afonso, de onze anos de idade, como seu sucessor, na condição de que este casasse com a sobrinha. Desta maneira, o próprio pai reconhecia publicamente a bastardia da filha!

 Como mesmo assim as intrigas palacianas e a contestação não abrandassem, Henrique IV procurou apoio militar em Portugal, oferecendo ao rei D. Afonso V, seu cunhado e viúvo há vários anos, a mão da sua meia-irmã Isabel, negociando também o casamento do príncipe herdeiro português, João, com a sua filha Joana.

A oferta era excelente para Portugal, mas o rei português apesar de ter assinado os capítulos do contracto matrimonial em Setembro de 1465, não se deu a grandes pressas e a oportunidade gorou-se para desgosto do príncipe de Portugal, entusiasmado com esse casamento.

Mas em Castela os anos que se seguiram foram bastante conturbados, ficando a rainha e a princesa “reféns” das mais poderosas famílias que apoiavam, ou melhor, dominavam o rei. A rainha D. Joana foi entregue à guarda do arcebispo de Sevilha, acabando por se apaixonar por um sobrinho deste, de quem teve dois filhos, o que não obstou a que até ao fim da sua vida lutasse pelos direitos sucessórios da filha. Ao contrário do marido, fraco e indeciso, a rainha de Castela tinha um caracter forte e enérgico que até os seus adversários reconheciam…Contudo, esta paixão foi funesta para a sua reputação e em nada beneficiou a filha.

Em 1468 morre em Castela o infante D. Afonso vitimado pela peste, e as forças contrárias ao rei através do pacto de Toros de Guisando, impõem a infanta Isabel como herdeira do trono castelhano, ao que Henrique IV, velho e cansado, mais uma vez acedeu, com a condição de que a infanta se não poderia casar sem o seu consentimento. Novamente Joana era humilhantemente preterida, desta vez em favor da sua tia e madrinha, apenas o tutor da pequena princesa protestou junto do papa contra a exclusão da legítima herdeira. Neste pacto, o rei concordou também em separar-se da rainha, devido ao seu adultério.

Quando em 1469, o Papa Paulo II envia a bula de dispensa de impedimento de casamento devido à proximidade de parentesco, Isabel quebrou o acordo e à revelia do irmão casou-se com o príncipe herdeiro de Aragão. Furioso, Henrique IV revoga o pacto anterior e Joana volta novamente a ser declarada a legítima sucessora do trono castelhano, depois de sua mãe ter jurado de que ela era verdadeiramente filha legítima do rei, primogénita e única herdeira do reino, juramento esse feito publicamente durante uma missa celebrada para o efeito, assistida pelo rei e parte da nobreza, sendo esse juramento sacramentado pela comunhão, após o que a rainha se recolheu ao Convento de S. Francisco de Madrid.

Em Outubro de 1470 é proclamada Princesa das Astúrias e outro noivo se perfila no horizonte…Desta vez a escolha recaiu sobre Carlos, duque de Guyenne e Berry, irmão de Luís XI de França, tendo-se realizado os esponsais por procuração. Mas como diz o velho ditado – Quando a sorte é adversa nada vale ao infeliz – ainda não foi desta vez que a pequena princesa de oito anos conheceu o noivo. Em 1472 o duque morre e a dança matrimonial continua…

As atenções voltam-se novamente para Portugal, mas como o príncipe João entretanto se tinha casado com sua prima Leonor, a mão de Joana foi oferecida ao rei D. Afonso V. Enquanto as negociações decorriam, o monarca castelhano que já se encontrava doente morre em 1474, ao regressar de uma caçada, e seis meses depois morria a rainha Joana, deixando a jovem princesa entregue aos cuidados dos seus tutores, o cardeal de Espanha, o duque de Arévalo, o marquês de Vilhena, o condestável de Castela e o conde de Benavente.

Com apenas doze anos de idade, Joana encontrava-se órfã de pai e de mãe, à espera de um marido que defendesse os seus direitos à Coroa castelhana, pois assim que o rei morreu, a infanta Isabel proclamou-se como a legal sucessora ao trono, com base no testamento do seu pai, o rei João II, e na ilegitimidade da “Beltraneja”, fazendo-se jurar como rainha de Castela.

E aí o rei português acordou! Ao ver tão ao seu alcance a Coroa de Castela, o último rei cavaleiro da Idade Média em Portugal, pôs de lado o seu longo celibato de vinte e três anos e correu em socorro da sua pequena dama…

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – I



Nascida para reinar, nunca a coroa de rainha que lhe estava destinada pousou na sua cabeça…Noiva várias vezes e depois casada, o seu matrimónio nunca foi consumado…E a sua juventude sumiu-se aos 18 anos de idade, por detrás das grades de um convento

Filha única do rei Henrique IV de Castela e da sua segunda esposa, a princesa D. Joana, irmã do rei D. Afonso V de Portugal, nasceu a 28 de Fevereiro de 1462, ao fim de sete anos de matrimónio, sendo-lhe posto o nome de sua mãe, Joana. A sua madrinha de baptismo foi a meia-irmã de seu pai, a infanta Isabel, mais tarde conhecida como “Isabel, a Católica”, que num futuro próximo lhe tomaria a coroa sem nenhum remorso.

Jurada herdeira da coroa castelhana no mesmo ano em que nasceu, é o seu próprio pai, que em 1464 lhe passa um atestado de ilegitimidade, quando, cedendo a pressões internas, nomeia herdeiro do trono a seu meio-irmão Afonso, na condição de que ele case com a sobrinha!

Tão pouca idade e já tão maus pronúncios… Mas porquê?

Recuemos um pouco no tempo…

Henrique IV, então apenas o herdeiro do trono de Castela, tinha casado aos 16 anos com Branca de Navarra, da qual se separou 13 anos mais tarde, já rei, e sem, ao que parece, conseguir consumar o matrimónio. Os rumores de impotência do rei espalharam-se pelas diversas cortes, mas isso não impediu que D. Afonso V, de Portugal, lhe cedesse a sua jovem e bela irmã em casamento. A esterilidade era sempre atribuída às mulheres,

além de que, havia prostitutas que garantiam a virilidade do monarca castelhano…e a paz com Castela era muito mais importante!

E assim, depois de obtida a dispensa papal para o casamento, visto serem primos, o matrimónio realizou-se em Maio de 1455. Mas Henrique IV proibiu que na manhã seguinte à noite de núpcias fosse exibido, como era costume, o lençol manchado de sangue atestando a virgindade da rainha e a virilidade do rei, Da virgindade da rainha, com apenas 16 anos de idade, ninguém duvidava, mas os rumores de impotência do rei foram aumentando de tom, conforme os anos passavam sem que o esperado herdeiro aparecesse.

Por sua vez, o comportamento frívolo da rainha e das suas damas não eram de molde a pacificar os rumores, pelo contrário. A rápida ascensão na corte de um jovem e atraente fidalgo chamado Beltrán de la Cueva, que tinha conquistado as simpatias do casal real, e junto de quem a rainha se divertia em saraus e torneios, assim como a deterioração das relações do rei com o seu valido, o marquês de Villena, levaram a que em breve se falasse na homossexualidade do monarca e nos amores da rainha com o novo favorito.

Henrique IV assumiu então de forma escandalosa duas relações públicas, uma delas com uma das damas da rainha, provavelmente para provar a falta de fundamentos dessas acusações, mas nenhuma delas deu “frutos”.

Quando em 1462, ao fim de sete anos de casamento, a rainha ficou finalmente grávida, foram muitos os que duvidaram da verdadeira paternidade da criança…

sábado, 27 de outubro de 2012

Provérbios de Outubro


Em Outubro centeio ruivo.
Com a vinha de Outubro come a cabra, engorda o boi e ganha o dono.
Um castanheiro vale mais que um saco de dinheiro.
Outubro nublado, Janeiro molhado.
No Outono ponha os chouriços e o presunto ao fumeiro.
No Outono o sol tem sono.

Outubro, Novembro e Dezembro, não busques o pão no mar, mas torna o teu celeiro e abre o teu mealheiro.
Castanha do Outono vai logo para assar depois é comê -la para a saborear.
Se em Outubro te sentires gelado, lembra-te do gado.
Por S. Simão, favas no chão.
Outubro meio chuvoso torna o lavrador venturoso.
Outubro quente traz o diabo no ventre.
Outubro suão, negaças de Verão.

Por S. Simão e S. Judas colhidas são as uvas.
Em Outubro sê prudente: guarda pão, guarda semente.
Em Outubro, o fogo ao rubro.
Em Outubro, paga tudo.

Em Outubro ou secam as fontes, ou passam rios por cima das pontes.
Vindima molhada, pipa depressa despejada.
Febre outonal ou longa ou mortal.
Se as andorinhas partirem em Outubro, seca tudo.
Andar marinheiro andar, não te pegue S. Simão no mar.
No dia de S. Simão, quem não faz magusto não é bom cristão.
Por S. Simão semear sim, navegar não.

 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Manuel António Pina


Faleceu esta tarde, no Hospital de Santo António, no Porto, aos 68 anos de idade, o jornalista Manuel António Pina, galardoado o ano passado com o Prémio Camões.
Nascido no Sabugal a 18 de Novembro de 1943, fixou residência na cidade do Porto, aos 17 anos de idade, numa casa cheia de gatos, ou não fosse um apaixonado desta espécie. Têm sido vários, alguns com direito a nomes pomposos, como Maria Adelaide ou Hugo Afonso Coelho Vaz, ou mais coloquiais como Luís ou Zé.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi jornalista do Jornal de Notícias durante três décadas, tendo sido depois cronista desse mesmo jornal e da revista Noticias Magazine.
Foi professor na Escola Superior de Jornalismo e membro do Conselho de Imprensa
Como escritor, é autor de vários títulos de poesia, novelas, textos dramáticos e ensaios, entre os quais: em poesia - Nenhum Sítio (1984), O Caminho de Casa (1988), Um Sítio Onde pousar a Cabeça (1991), Algo Parecido Com Isto da Mesma Substância (1992); Farewell Happy Fields (1993), Cuidados Intensivos (1994), Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança (1999), Le Noir (2000), Os Livros (2003); em novela - O Escuro (1997); em texto dramático - História com Reis, Rainhas, Bobos, Bombeiros e Galinhas (1984), A Guerra Do Tabuleiro de Xadrez (1985); no ensaio - Anikki - Bóbó (1997); na crónica - O Anacronista (1994); e, finalmente, na literatura infantil - O País das Pessoas de Pernas para o Ar (1973), Gigões e Amantes (1978), O Têpluquê (1976), O Pássaro da Cabeça (1983), Os Dois Ladrões (1986), Os Piratas (1986), O Inventão (1987), O Tesouro (1993), O Meu Rio é de Ouro (1995), Uma Viagem Fantástica (1996), Morket (1999), Histórias que me contaste tu (1999), O Livro de Desmatemática e A Noite, obra posta em palco pela Companhia de Teatro Pé de Vento, com encenação de João Luís.
A sua obra tem merecido, frequentemente, destaque, tendo sido já homenageado com diversos prémios, como, por exemplo, o Prémio Literário da Casa da Imprensa, em 1978, por Aquele Que Quer Morrer; o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens e a Menção do Júri do Prémio Europeu Pier Paolo Vergerio da Universidade de Pádua, em 1988, por O Inventão; o Prémio do Centro Português de Teatro para a Infância e Juventude, em 1988, pelo conjunto da obra; o Prémio Nacional de Crónica Press Clube/Clube de Jornalistas, em 1993, pelas suas crónicas; o Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários, em 2001, por Atropelamento e Fuga; e o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava e o Grande Prémio de Poesia da APE/CTT, ambos pela obra Os Livros, recebidos em 2005.

A sua vasta obra foi traduzida em França, Estados Unidos, Espanha, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Rússia, Croácia e Bulgária. A sua obra poética está reunida no volume «Todas as Palavras» (2012), editado pela Assírio & Alvim. Algumas destas obras foram adaptadas ao cinema, TV e editadas em disco.
Quando, em 2011, Manuel António Pina soube que lhe tinha sido atribuído o Prémio Camões por toda a sua obra - que inclui poesia, crónica, ensaio, literatura infantil e peças de teatro – afirmou: “É a coisa mais inesperada que podia esperar”.

 Amor como em casa
 
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraido percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
numa tarde no café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

Fontes:
www.wikipedia.pt
Infopedia
Jornal “O Sol”

 

sábado, 13 de outubro de 2012

A INTERCESSÃO DA VIRGEM

 
 
 
 
                                                     (De H. Heine)
 
Jazia o filho no leito,
A mãe olhava o balcão.
— «Não te levantas, meu filho,
Para ver a procissão?»
 
— «Ai, mãe! se estou tão doente,
Que não posso ouvir nem ver!
Penso nela... a pobre morta...
Como não hei-de eu sofrer!»
 
— «Ergue-te, filho, e à romagem
Iremos juntos a orar,
Que aos corações doloridos
Sabe a Virgem consolar.»
 
Já se ouvem os sacros hinos,
Da cruz flutua o pendão;

Em Colônia sobre o Reno

Vai passando a procissão.


 
E a mãe e o filho acompanham
A turba que segue o andor,
Dizendo em coro com ela:
-“Glória a ti. Mãe do Senhor!”.
 
II
 
Como a Senhora está linda
Com o seu mais rico vestir!
Correm-lhe em chusma os doentes
Muito tem ela que ouvir!
 
Todos lhe trazem promessas
Com ferventes devoções;
Membros, pés e mãos de cera,
Jazem no altar aos montões.
 
Quem lhe der um pé de cera,
Logo do pé sarará;
Quem mãos de cera lhe ofereça,
A mão curada verá.
 
Mancos, que à romagem foram,
Vêem-se na corda saltar;
Outros de mãos aleijadas,
Destros agora a tocar.
 
Da alva cera duma vela
Fez a mãe um coração.
— «Leva isto à Virgem Maria,
Que te cure essa paixão.»
 
Gemendo, o filho a recebe,
Gemendo a vai ofertar;
Dos olhos lhe brota o pranto
Do coração este orar:
 
— «Ó Maria gloriosa!
Serva pura e mãe de Deus:
Virgem, dos Céus Soberana,
Escuta os lamentos meus!
 
«Em Colônia, onde as igrejas
Se podem contar às cem,
Os meus dias descuidado
Passava com minha mãe.
 
«E junto de nós vivia
Margarida... a que morreu...
Dou-te um coração de cera,
Cura as feridas do meu!
 
«Cura minh'alma dorida,
Que eu com devoto fervor
Direi de dia e de noite:
— «Glória a ti. Mãe do Senhor!»
 
III
 
Alta noite, adormecidos
Jaziam o filho e a mãe,
E a Virgem mui de mansinho
Entrando no quarto vem...
 
Pendida sobre o doente
No peito a mão lhe pousou,
E com gesto suavíssimo
Sorrindo se retirou.
 
Como se através dum sonho,
Tudo isto a mãe percebeu
E acordando alvoroçada,
Junto do filho correu.
 
Estendido sobre o leito,
Morto, a triste o foi achar;
Andava-lhe a luz da aurora
Pelas faces a brincar.
 
Vendo-o assim, a mãe piedosa
Juntou as mãos com fervor
E em voz baixa disse, orando:
— «Glória a ti, Mãe do Senhor!»
 
Abril de 1864
Júlio Dinis – Poesias