quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alves Redol


Faz hoje 100 anos que em Vila Franca de Xira nascia António Alves Redol, um dos iniciadores do neo-realismo português, considerado como um dos seus expoentes máximos.
Filho de um pequeno comerciante, cedo começou a trabalhar. Em 1927, concluiu o Curso Comercial e no ano seguinte embarca no navio Niassa, com destino a Luanda, à procura de melhor sorte, mas só encontrando miséria e pobreza, regressa a Portugal em 1931
Ligado desde muito cedo aos meios de oposição ao salazarismo, a sua militância no Partido Comunista, assim como as conferências que proferiu e os artigos escritos em jornais como “O Diabo”, valeram-lhe a perseguição da polícia política, chegando a ser preso e torturado, o que condicionou a sua produção literária, obrigando-o a procurar outros meios de subsistência.
Empenhado na luta de resistência ao regime salazarista, compreendeu a literatura como forma de intervenção social e em 1939 publica o seu romance “Gaibéus”, obra que pode ser considerada fundadora do Neo-Realismo português, onde descreve a vida dura dos camponeses da Beira que iam fazer a ceifa do arroz ao Ribatejo, em meados do sec XX.
Alves Redol recebeu duras críticas pelo fato de sua obra abordar personagens, temas e situações que não eram explorados pela literatura e de utilizar uma linguagem simples que incorporava a fala das personagens de acordo com o ambiente em que viviam. Por isso, na epígrafe de Gaibéus, ele dá o seguinte aviso: “Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem".
Para melhor escrever os seus romances, Alves Redol não hesitava em ir viver e trabalhar junto daqueles que pretendia retratar. Que o diga o repórter do jornal “A Tarde”, quando em 1945, encontrou o escritor descalço, com a sua inseparável boina basca e uma camisola grossa de lã junto de um barco rabelo a ajudar a descarregar 16 pipas de vinho tratado, para poder descrever a vida trágica dos barqueiros do Douro. Quando o interrogou sobre o assunto, Alves Redol respondeu:
- Fiel ao meu método, vim instalar-me na região onde vivem, sofrem e lutam as minhas personagens.
Este episódio vem descrito num artigo da revista “Vida Mundial Ilustrada” de 1945.
A sua primeira obra de teatro, “Maria Emília”, foi representada em 1946, e em 1950 recebe o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências, com a obra “Horizonte Cerrado”.
Em 1960, houve uma tentativa de representação de “A Forja”, mas os ensaios acabaram proibidos. A peça, apresentada em 1965 no Festival de Teatro de Manica e Sofala, em Moçambique, pelo Teatro de Ensaio do Clube Recreativo do Buzi, só em 1969 seria levada à cena no nosso país.
Autor de uma vasta obra, a sua literatura centra-se nos dramas humanos vividos na sociedade ribatejana e, com o Ciclo Port Wine (1949-53), também nos da região duriense, denunciando as injustiças sociais e fazendo um retrato fiel da sociedade em que viveu.
Faleceu em Lisboa a 29 de Novembro de 1969.
Para além dos textos das suas conferências e artigos para os jornais, escreveu romances, contos, peças de teatro e estudos de etnografia, de que se destacam os romances Gaibéus (1939), Marés (1941), Avieiros (1942), Fanga (1943), Anúncio (1945), Porto Manso (1946), o Ciclo Port Wine (constituído pelas obras Horizonte Cerrado – 1949, Os Homens e as Sombras – 1951 e Vindima de Sangue – 1953), Olhos de Água (1954), A Barca dos Sete Lemes (1958), Uma Fenda na Muralha (1959), O Cavalo Espantado (1960), Barranco de Cegos (1963, considerado a sua obra-prima), O Muro Branco (1966), e, com publicação póstuma, a peça de teatro Os Reinegros (1974). As suas peças dramáticas foram reunidas em Teatro I (1966), Teatro II (1967), e Teatro III (1972).
Contos
1940 – Nasci com Passaporte de Turista
1943 – Espólio
1946 – O Comboio das Seis (em Contos e Novelas)
1959 – Noite Esquecida
1962 – Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos
1963 – Histórias Afluentes

Literatura Infantil
1956 – Vida Mágica da Sementinha
1968 – A Flor Vai Ver o Mar
1968 – A Flor Vai Pescar Num Bote
1969 – Uma Flor Chamada Maria
1970 – Maria Flor Abre o Livro das Surpresas

Estudos
1938 – Glória – Uma Aldeia do Ribatejo
1949 – A França – Da Resistência à Renascença
1950 – Cancioneiro do Ribatejo
1952 – Ribatejo (Em Portugal Maravilhoso)
1964 – Romanceiro Geral do Povo Português

O episódio publicado na revista ”Vida Mundial Ilustrada” de 1945, a que me referi neste post, foi retirado do blog:
diasquevoam.blogspot.com

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Santo Estêvão

Primeiro mártir do Cristianismo é celebrado em 26 de Dezembro na Igreja do Ocidente e em 27 de Dezembro na Igreja Oriental.
Segundo os Actos dos Apóstolos, Estêvão fazia parte comunidade cristã helenista (judeus de origem grega) de Jerusalém, sendo um dos 7 discípulos escolhidos por essa comunidade, a pedido dos Apóstolos dada as divergências entre esses cristãos e os de mentalidade judaica, e a quem os doze, depois de rezarem, lhes impuseram as mãos, e enviaram em pregação.
O seu êxito na conversão tanto de judeus como de gentios foi tal, que acabou por lhe granjear a inimizade de alguns membros da sinagoga, chamada dos Libertos (Descendentes dos Hebreus que no ano 63 a.C., foram levados para Roma como escravos e depois de postos em liberdade, regressaram à pátria), e acusado perante o Sinédrio de blasfémia.
A sua interpretação das Escrituras deixou o Sumo Sacerdote e os restantes membros cheios de raiva, pelo que foi sentenciado a ser apedrejado.
Normalmente, um réu condenado à lapidação era conduzido ao local do suplício, onde depois de despojado das suas vestes, uma das testemunhas o atirava do alto de uma tribuna de cerca de 2,40m. de altura, armada para o efeito, mas de modo a que caísse de costas. Então a segunda testemunha atirava a primeira pedra ao coração, se o supliciado continuasse vivo, todo o povo o apedrejava a seguir até à sua morte.
Mas no caso de Estêvão isso não aconteceu devido à fúria da população. Foi arrastado para fora da cidade começando logo a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram as suas capas à guarda de um jovem chamado Saulo, de Tarso.
Enquanto o apedrejavam, Estêvão orava dizendo: “Senhor, Jesus, recebe o meu espírito”. Depois, com voz forte exclamou “ Senhor, não lhes imputes este pecado”, e morreu.
O seu corpo ficou insepulto, até que homens piedosos o recolheram e depositaram numa caverna fora de Jerusalém.
A posição de Estêvão desencadeou uma violenta perseguição contra os cristãos helenistas da Igreja de Jerusalém, onde Saulo se destacou como um dos mais ferozes perseguidores, indo de casa em casa arrastando homens e mulheres para a prisão. Quão longe estava ele de imaginar que seria um dia um dos pilares de sustentabilidade da Igreja que estava a tentar destruir!
O seu nome vem do grego Στέφανος (Stephanós), o qual se traduz para aramaico como Kelil, significando coroa - e Santo Estêvão é, de resto, representado com a coroa de martírio da cristandade, recordando assim o facto de se tratar do primeiro cristão a morrer pela sua fé - o protomártir.
Durante os primeiros século do cristianismo, o túmulo de Estêvão achou-se perdido, até que em 415, um padre chamado Luciano teve uma revelação de que algures na povoação de Caphar Gamala, a alguns quilómetros a Norte de Jerusalém, se encontrava a tumba do mártir. Achadas as ossadas, foram trasladadas para Jerusalém, sendo posteriormente depositadas na igreja do santo Diácono Lourenço, por volta do ano 428, durante o reinado do imperador Teodósio, o Jovem (408-450). Mais tarde, depois da construção de uma igreja em sua honra, as ossadas foram para aí transportadas.
O seu nome vem do grego Στέφανος (Stephanós), o qual se traduz para aramaico como Kelil, significando coroa - e Santo Estêvão é, de resto, representado com a coroa de martírio da cristandade, recordando assim o facto de se tratar do primeiro cristão a morrer pela sua fé - o protomártir.
Gregório de Tours afirmou mais tarde que foi por intercessão de Santo Estêvão, que um oratório a ele dedicado, na cidade de Metz, onde se guardavam relíquias do santo, foi o único local da cidade que escapou ao incêndio que os Hunos lhe deitaram, no dia de Páscoa de 451.
O culto de Santo Estêvão encontra-se associado à festa dos rapazes nas aldeias de Trás-os-Montes, integradas no ciclo de festividades do Solstício do Inverno, no período que decorre do dia 24 de Dezembro ao dia 6 de Janeiro, e que no passado pagão terão sido dedicadas ao culto do Sol, num ritual em que intervêm os caretos, as máscaras tradicionais do extremo nordeste de Portugal.
É o Santo padroeiros dos pedreiros e dos colectores de impostos.

imagem: snpcultura.org




domingo, 25 de dezembro de 2011

NATAL


Menino dormindo…
Silêncio profundo.
Benvindo, benvindo,
Salvador do Mundo!

Noite. Noite fria.
Mas que linda que ela é!
De um lado Maria,
Do outro José.

Um anjo descerra
A ponta do véu…
E cai sobre a Terra
A imagem do Céu!

Pedro Homem de Melo




Sobre André Reinoso, pintor do sec. XVII e considerado o pioneiro do barroco em Portugal, pouco se sabe. Esteve activo entre 1610 e 16150, e a ele se devem obras de grande qualidade, como o conjunto de vinte pinturas pintadas em 1619 sobre a vida de S. Francisco Xavier, situadas sobre o arcaz da sacristia da Igreja de S. Roque, e que serviram de modelo a várias outras pintadas posteriormente.
No Mosteiro dos Jerónimos, no Convento dos Capuchos de Sintra, e em Óbidos também existem obras atribuídas a este excelente pintor, cuja família viveu em Viseu.

A todos um Feliz Natal cheio de Paz e Amor!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Á NOITE DE NATAL

Era noite de inverno longa, e fria,
Cobria-se de neve o verde prado;
O rio se detinha congelado,
Mudava a folha a cor, que ter soía.

Quando nas palhas de uma estrebaria,
Entre dois animais brutos lançado,
Sem ter outro lugar no povoado
O Menino Jesus pobre jazia.

— Meu filho, meu Amor, porque quereis
(Dizia sua Mãe) nesta aspereza
Acrescentar-me as dores, que passais?

Aqui nestes meus braços estareis;
Que se vos força amor sofrer crueza,
O meu não pode agora sofrer mais.

Frei Agostinho da Cruz



A Adoração do Menino é um quadro pintado por Kim Ki-Chang, um pintor sul-coreano, mais conhecido pelo seu apelido Woonbo.
Nascido em 1914 e na sequência de uma febre tifóide que o atacou aos sete anos de idade, ficou completamente surdo.
Aos 17 anos, sua mãe apercebendo-se do talento artístico que ele possuía, mandou-o estudar pintura. Nos primeiros anos dedicou-se à pintura tradicional, mas com o passar do tempo, foi descobrindo o seu próprio estilo.
Em 1951, durante a Guerra da Coreia a sua maneira de pintar sofreu uma grande transformação. Cristão desde muito jovem pintou uma série de obras sobre a vida de Jesus, finalizando-a com quadros de histórias da Bíblia, em que todos os personagens estão vestidos com trajes tradicionais coreanos.
É considerado um mestre da pintura coreana. Faleceu em Janeiro de 2001.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

LITANIA DO NATAL

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»
E assim, mais uma vez, Jesus nascia.
José Régio


A Natividade (Te tamari no atua), foi pintada em 1896 por Eugène-Henri-Paul Gauguin, pintor francês pós-impressionista, nascido a 7 de Junho de 1848, em Paris, e falecido em 1903, nas Ilhas Marquesas.
Aqui é possível perceber facilmente a mistura de sua cultura ocidental com o estilo de vida primitivo dos taitianos. Utilizou nativos para retratarr um fato cristão, bem como a cor amarela para enfatizar a santidade de Maria, deitada na cama (clicar no quadro para abrir).
Depois de ter sido marinheiro e empregado bancário, decidiu enveredar pela pintura, ao conhecer Camille Pissarro e o trabalho dos impressionistas. Em constante revolta contra os artifícios e os convencionalismos da época, encetou um retorno às origens em Taiti. A Bretanha constitui contudo o primeiro passo no seu percurso artístico. Libertando-se do Impressionismo, em O Cristo Amarelo (1889) utiliza cores lisas delimitadas por contornos, processo que se assemelha à arte do vitral medieval, e que vai aperfeiçoar naquilo a que se chamou o "cloisonnisme". Em Manao Tupapau (1892), já no Taiti, as prioridades do espaço pictural prevalecem sobre a realidade, as proporções das figuras são deformadas, a perspetiva alterada, as cores são intensas e profundas, mas nunca agressivas. Em A Lua e a Terra (1893) expressa os seus sentimentos sobre a cultura maori. Com O Cavalo Branco (1898) o seu estilo conserva-se essencialmente o mesmo, mas torna-se mais poderoso. A sua obra-prima é a alegoria Donde Vimos? Que Somos? Para Onde Vamos? (1897) uma espécie de testamento mágico-religioso executado antes de uma tentativa de suicídio. A sua arte influenciou diretamente os nabis, o Fauvismo, o Simbolismo e mesmo o Expressionismo de Edvard Munch.

Fontes: Infopedia

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


Miguel Torga - Antologia Poética


“O Massacre dos Inocentes”, um óleo sobre tela, datado de 1482 e pertencente à Galleria Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, é considerado a obra-prima de Matteo di Giovanni di Bartolo, um pintor renascentista italiano também conhecido por Matteo di Siena, por se ter radicado nessa cidade.
Nascido em Borgo Sansepolcro, cerca de 1430, foi viver para Siena quando a sua família para ali se mudou, e aí faleceu em 1495. Entre as suas obras principais contam-se também um retábulo datado de 1477, para o Oratório da Igreja de Nossa Senhora da Neve, em Siena e o retábulo de Santa Bárbara, de 1478/9, para a Igreja de San Domenico.
Imagem: Artchive.com

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

David Mourão-Ferreira, Obra Poética


O quadro “A Natividade” é da autoria de Anita Catarina Malfatti, considerada como a primeira representante do modernismo no Brasil. Nascida em São Paulo em 1889, aí faleceu em1964. Pintora, desenhista, gravadora, ilustradora e professora, inicia o seu aprendizado artístico com a mãe, Bety Malfatti. Devido a uma atrofia congénita no braço e na mão direita, aprendeu a utilizar a esquerda para pintar.
Podemos dividir as fases artísticas de Anita Malfatti em três: 1- a primeira seria quando define sua forma expressionista de pintar; 2- a segunda seria a das dúvidas, de que caminho seguir na arte; 3- dos 20,30 e início dos anos 40, quando depois da morte de Mário de Andrade e de sua mãe, se recolhe na sua casa, atravessando um período de reclusão. Iria finalmente, em paz consigo mesma, " pintar à vontade", " ao seu modo.
"É verdade que eu já não pinto o que pintava há 30 anos. Hoje faço pura e simplesmente arte popular brasileira. É preciso não confundir: arte popular com folclore… [...]eu pinto aspectos da vida brasileira, aspectos da vida do povo. Procuro retratar os seus costumes, os seus usos, o seu ambiente. Procuro transportá-los vivos para as minhas telas. Interpretar a alma popular [...] eu não pinto nem folclore, nem faço primitivismo. Faço arte popular brasileira".


Imagem: peregrinacultural.wordpress.com

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

LOA DO PRESEPE

Lição manuscrita do sec. XVIII

Pastor I

Pois todos somos chegados
À cidade de Belém,
Pelo anjo de Deus guiados,
Onde todo o nosso bem
Nasceu para remir pecados,
Vamos lhe oferecer
E dar graças todos juntos,
Pois este par de presuntos
Lhe trago para comer,
Atados com estes juncos.

Pastor II

Só este par de tassalhos
Achei lá no meu fumeiro;
E este gordo carneiro
Com doze cabeças de alhos
Vos manda meu companheiro.
Não vos pude mais trazer
Põe ser longe o caminho.
Mais este barril de vinho;
É para o velho beber,
Que está muito fraquinho.
Que vos há-de despertar
E fazer falar francês;
Porém, olhar, não tombar
Nem jogar Martim Cortês.

Pastor III

Trago-vos este cabaz
De ovos crus, e mais cozidos;
Os crus em calda mexidos
Darei a este rapaz
Para que esperte os sentidos.
São muito bons para a memória;
Mandá-lo-eis ensinar,
E assim pode escapar
Da ira da palmatória,
Quando lhe quiserem dar.

Pastor IV

A vós, Senhora Rainha,
Mãe deste lindo donzel,
Esta infusa de mel
Para lhe fazer a papinha
Vos trago no meu fardel.
È muito bom, de enxame novo;
Não dou outro, que faz frio,
Misturado com um ovo,
Não há quem tenha fastio.

Pastor V

Vós, santo velho bendito,
Parece que estais cansado
Aqui vos trago atado
Às costas um bom cabrito
Para comerdes assado;
E logo na mesma hora
O mandareis esfolar,
E depois de todo assar,
Comereis com o Senhor,
E preste-vos o jantar.

Pastora

Eu, esta pobre camisa
Vos ofereço, Senhora,
Suposto que venha agora,
Tríngua forte, mala guiza,
Obra de mão de pastora.
Mas, ainda que seja grossa
E feita de pano cru,
Pois o Menino está nú,
Vesti-a, por vida vossa,
Com o nome de Jesus!

(Despedida)

Senhor, ficai-vos embora,
Querido, amado de nós;
Sim, estamos satisfeitos
Em que, morrendo por nós,
Pois sendo vós nosso bem,
O que tudo confessamos,
Querendo-vos como firmes
Em que sempre vos amamos.

Cancioneiro Popular Português, de Teófilo de Braga.




A Adoração dos Pastores é um óleo sobre tela sobre o tema da Adoração dos Pastores, do ciclo da Natividade, de autoria de pintora Josefa de Óbidos. Pintado em 1669, mede 150 cm de altura x 184 cm de largura.
A pintura pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.
Josefa de Óbidos, nascida Josefa de Ayala Figueira (Sevilha, Fevereiro de 1630 — Óbidos, 22 de Julho de 1684)), foi uma pintora nascida em Espanha que viveu e produziu em Portugal. Como retratista da Família Real Portuguesa, destacam-se os seus retratos da rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, esposa de D. Pedro II, e de sua filha, a princesa D. Isabel, que foi noiva de Vítor Amadeu, duque de Sabóia, a quem esse retrato foi enviado
.


Clicar para abrir.

domingo, 18 de dezembro de 2011

NATAL 2011


Apenas oito dias nos separam da celebração do Natal e portanto vamos esperar a vinda do Menino com um quadro e um poema diários alusivos à quadra tão simbólica que se aproxima.
Achei por bem começar com o vilancete que Abel pastor canta no “Auto da História de Deus”, da autoria de Gil Vicente, a mais brilhante figura da literatura portuguesa (1465?-1536?).
Quanto ao quadro que o acompanha é da autoria do pintor veneziano Tintoretto, (Jacopo Comim, também conhecido como Jacopo Robusti, Veneza, c.1518 – Maio 1594), o maior representante do “maneirismo” e um dos precursores do Barroco.



Vilancete

Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.
Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas
louvai nas alturas
Deus das criaturas.
Louvai arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.

Gil Vicente

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BELA INFANTA

Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente d’oiro fino
Seu cabelo penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem a governava.
- “Dizei-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava”.
- “Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Dizei-me tu ó senhora,
As senhas que ele levava”.
- “Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava”.
- “Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava”.
- “Ai triste de mim, viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...”.
- “Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i”.
- “Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gergeli;
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei p’ra si”.
- “Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi;
Que darias mais, senhora
A quem tu trouxera aqui?”
- “As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim”.
- “As telhas do teu telhado
Não nas quero par mi;
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três filhas que eu tenho
Todas três te dera a ti;
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir”.
- “As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui”.
- “Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir”.
- “Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti”.
- “Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!”
- “Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti…
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!”
- “Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido
Que me ias matando aqui”.

Romanceiro, de Almeida Garrett

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Lenda da Coroa Real de Cedros


Esta lenda é uma tradição da ilha do Faial nos Açores, e passa-se no tempo da ocupação das ilhas pelas forças de Filipe II, de Espanha. Já antes, eram frequentemente assaltadas e roubadas por piratas e corsários, que também levavam homens e mulheres da terra para venderem como escravos.
Num certo dia, uma embarcação pirata comandada por um rei mouro apareceu nas costas da ilha para mais um assalto, mas como a embarcação foi avistada a tempo, as populações locais tiveram tempo de se preparar. Encontrando forte resistência, os piratas foram obrigados a fugir de forma precipitada sem conseguirem roubar nada.
Na fuga apressada, o rei mouro esqueceu-se da sua coroa que tinha posto sobre um muro de pedra enquanto combatia. A coroa era feita de prata lavrada e enfeitada em toda a volta com lindos ramos desenhados no metal luzidio e ao aperceber-se da sua falta, resolveu voltar à ilha para a recuperar.
Disfarçando-se de marinheiros comuns, procuraram-na sem resultado e apesar das perguntas que fizeram aos habitantes, ninguém sabia de nada. Para não levantarem mais suspeitas, desistiram da busca e fizeram-se novamente ao mar, para não mais regressarem…
Afinal, a coroa do rei pirata tinha sido encontrada por uma mulher da localidade dos Cedros, que ao saber que andavam à sua procura, a escondeu conforme pôde - levantando as saias, enfiou-a numa perna, como quem enfia um anel num dedo…E aí a conservou até ter a certeza que o rei mouro tinha desistido do precioso objecto.
Calculando o valor da coroa, e não desejando que os seus conterrâneos soubessem que a tinha, deixou-a ficar muito tempo na perna, que ao fim de alguns dias começou a inchar e a doer. Aflita, a mulher acabou então por confessar o sucedido, mas como a perna estava muito inchada, a população não teve outra alternativa senão cortar a coroa para a poderem retirar.
Depois de soldarem cuidadosamente a parte cortada, o objecto ficou para a freguesia dos Cedros, onde morava a referida mulher cujo nome se desconhece. Com o passar dos anos a coroa passou a ser usada pelos locais nas festas do Divino Espírito Santo.
Esta coroa tinha 13 Centímetros de altura e continha engastada uma gema de cor da qual se ignora o verdadeiro valor. Com o passar dos anos e com medo de estragar tão simbólico e rico objecto, foi feita uma imitação da primeira, que passou a ficar guardada na casa do mordomo da festa do Espírito Santo.
.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

N.Correia - Poemas

De Amor nada Mais Resta que um Outubro


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia, in “Poesia Completa

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Genserico, Rei dos Vândalos – II

Com o assassinato de Valentiniano III, Genserico deu por terminado o seu acordo com Roma, e em 455 lança um ataque à capital do Império. O Papa Leão I sai ao seu encontro, e tal como tinha feito três anos antes com o rei dos Hunos, Átila, pede-lhe que poupe a cidade. Mas o rei vândalo concorda apenas em respeitar vidas, igrejas e edifícios e durante duas semanas as hordas vândalas lançam-se sobre a cidade, arrebanhando tudo o que tivesse algum valor.
Quando regressa a Cartago, leva consigo como reféns a imperatriz viúva Licina Eudoxia e as suas duas filhas, Placídia e Eudoxia, assim como ouro, obras de arte, artesãos, armamento e os tesouros do Templo de Jerusalém trazidos pelo Imperador Tito em 77 d.C., quando destruiu a cidade, deixando atrás de si uma Roma profundamente humilhada.
O valor do saque foi tal, que, tanto romanos como bizantinos lançaram vários ataques contra Genserico, para o reaverem, mas sem sucesso. No último deles, em 468, o velho rei derrotou a frota conjunta de Roma e Bizâncio, junto ao Cabo Born, a norte da Tunísia, incendiando as mais de mil naves que a compunham. Em 474, os Bizantinos assinaram uma paz perpétua, reconhecendo a soberania vândala sobre todas as províncias por eles conquistadas.
Internamente, Genserico estabeleceu a monarquia hereditária ao designar seu filho Hunerico, como seu sucessor, contrariando o antigo costume da livre eleição do chefe pela nobreza vândala. Isto deu origem a uma revolta que o rei reprimiu com toda a violência e sem qualquer piedade, aproveitando para debilitar a nobreza tradicional substituindo-a por outra mais leal à sua família.
Com as mulheres da família imperial em seu poder, Genserico obrigou o seu herdeiro a repudiar a princesa visigoda com quem estava casado, acusando-a de traição, e enviando-a de volta à família seriamente ferida e mutilada, com as orelhas e o nariz cortados, casando-o depois com Eudóxia, uma das princesas romanas.
Incentivou a segregação racial proibindo os casamentos mistos, com excepção dos da família real por motivos políticos e permitiu o porte de armas apenas ao seu povo. Ariano convicto como todos os vândalos, perseguiu duramente o catolicismo, confiscando os bens da Igreja Católica, deportando bispos e sacerdotes, e impondo pesados impostos às famílias de origem romana e ao clero, o que lhe valeu a oposição de toda a Igreja africana.
Morreu a 25 de Janeiro de 477, vencido pela idade, ao fim de 50 anos de reinado, senhor incontestado do Mediterrâneo ocidental.

Fontes: www.wikipedia.org
Grinberg, Carl – História Universal
Revista Historia Y Vida

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Genserico, rei dos Vândalos – I

Se Átila, rei dos Hunos, ficou conhecido como o Flagelo de Deus, Genserico, rei dos vândalos, foi comparado ao Quarto Cavaleiro do Apocalipse pelos católicos da época.
Expulsos das margens do Danúbio pelos Hunos, os Vândalos aproveitando o congelamento do Reno, cruzaram a fronteira com a Gália na noite de 31 de Dezembro de 406, juntamente com parte dos alanos e suevos que se lhes tinham juntado, enfrentando as tropas romanas e os seus aliados, os francos, após a travessia do rio. Na batalha que se seguiu, o rei Geodesildo morreu, sendo sucedido no trono pelo seu filho Gunderico, que após ter saqueado a Gália durante cerca de 3 anos, foi forçado pelos romanos a estabelecer-se na Península Ibérica, onde após vários confrontos com os visigodos, se fixaram no sul da província, escolhendo Sevilha como sua capital, e controlando o tráfico marítimo através de Gibraltar.
Filho ilegítimo do rei Geodesildo e de uma mulher alana, Genserico nasce provavelmente cerca de 389, junto ao Lago Balaton (actual Hungria), sendo eleito rei dos vândalos e alanos em 427/8, depois de um conflito entre os dois irmãos, que acabou com a morte de Gunderico.
No ano de 429, aproveitando o pedido de auxílio feito por Bonifácio, governador romano da província da África Proconsular, em luta com a elite romana, abandona a Bética aos visigodos, e transpondo o estreito a partir de Tarifa, desembarca entre Tânger e Ceuta, à frente de todo o seu povo, cerca de oitenta a cem mil pessoas, incluindo velhos, mulheres e crianças, com a intenção de fundar um novo reino.
A fim de impedir um ataque dos romanos e seus aliados, destrói a frota inimiga fundeada em Barcino e ordena aos seus homens que arrasem Tânger. Em pouco tempo controla um território que abrangia a zona costeira do actual Marrocos e Argélia, e dirigindo-se para leste, põe cerco por terra e mar à cidade de Hipona (actual Anaba, na Argélia). Entre as vítimas da carestia que assolou a cidade durante os treze meses de assédio a que foi submetida, conta-se Santo Agostinho, Bispo de Hipona, então com 75 anos de idade, considerado um dos Doutores da Igreja.
Os africanos, fartos do poder de Roma, aliaram-se aos vândalos e em 435 o Imperador Valentiniano III é forçado a reconhecer Genserico como soberano dos territórios conquistados.
Em 439, apodera-se de Cartago, a segunda cidade do Império e o principal porto do Mediterrâneo, apresando a frota imperial ali atracada. Faz da cidade a sua capital, e a partir dali, as suas naus pilham, saqueiam, raptam, conquistando bases marítimas de grande valor comercial e estratégico como a Córsega, Sícilia, Sardenha, ou Baleares. Privada dos seus “celeiros” tradicionais, Roma vê-se obrigada a comprar os cereais de que necessita, o que deixa os romanos enfurecidos.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sobre as Palavras

A palavra é de prata, o silêncio é de ouro.
As boas palavras custam pouco e valem muito.
A palavras loucas, orelhas moucas.
Boca fechada não fala.
Diz a boca o que o coração sente.
Falas de mel, coração de fel.
Palavras leva-as o vento.
Palavra de rei não volta atrás.
Para bom entendedor, meia palavra basta.
Palavra puxa palavra.
Palavra dada, escritura assinada.
Pela boca morre o peixe.
Por falar se ganha, por falar se perde.
Quem tem boca vai a Roma.
Quem conta um conto, acrescenta um ponto.
Quem muito fala, pouco acerta.
Quem diz o que quer, ouve o que não quer.

Provérbios árabes
Quem refreia a língua, defende a cabeça.
Há palavras que ferem mais do que espadas.
É melhor uma escorregadela do pé do que da língua.
A palavra doce não fere a língua.
Sábio é o que observa antes de falar.
Provérbios chineses
Não são os que melhor falam que têm mais coisas para dizer.
Quanto mais o coração se enche, mais as palavras se esvaziam.
Uma palavra vinda do coração mantém-se quente três invernos.
Se tens a palavra na ponta da língua, guarda metade.
A língua pode dar bons conselhos, mas também provoca as guerras.
Provérbios judeus
A flecha que a língua atira, mata sempre mais longe.
Fala pouco e age muito.
Fala sempre com a tua própria língua.
Palavras saídas do coração voltam ao coração.
De boca em boca a notícia chega a Roma.
Provérbios africanos
O pássaro apanha-se pelas patas, o homem pela boca.
Todas as notícias são interessantes se forem ouvidas da boca de quem as traz.
Quem não quer ouvir o que a mãe lhe diz, perceberá o que a desgraça lhe disser.
Dizer não é fazer.
As palavras não apodrecem.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A Primeira Advogada Portuguesa


Regina da Glória Pinto de Magalhães Quintanilha de Sousa Vasconcelos, nasceu em Santa Maria, Bragança, a 9 de Maio de 1893, filha de Francisco António Fernandes Quintanilha e de Josefa Ernestina Pinto de Magalhães, cuja família se dizia descendente do navegador Fernão de Magalhães.
Estudou em Bragança até aos 16 anos, partindo depois para o Porto a fim de terminar os estudos liceais. Em 1910, pede a sua matrícula na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o que obrigou o Conselho Universitário a reunir-se propositadamente para deliberar sobre o ingresso de um aluno do sexo feminino, dado que a advocacia estava vedada às mulheres, pelo artigo 1354, nº2, do Código Civil português de 1867. A 24 de Outubro desse mesmo ano, com 17 anos de idade, Regina Quintanilha torna-se na primeira caloira a atravessar a porta férrea da Universidade, sendo recebida por toda a Academia formada em alas com as capas no chão a dar-lhe passagem.
Em apenas 3 anos termina o Curso, sendo a primeira mulher licenciada em Direito e a exercer a advocacia em Portugal.
Estreou-se como advogada, oficiosamente (apesar de lhe faltar fazer ainda a cadeira de Medicina Legal), a 14 de Novembro de 1913, no Tribunal da Boa Hora, a defender duas mulheres acusadas de agredirem uma outra, depois do Supremo Tribunal de Justiça lhe ter dado autorização para advogar. Com o título “A primeira advogada portuguesa”, o jornal "A Luta", de 15 de Novembro, relatava da seguinte forma a sua estreia:
"…inquiriu as testemunhas e, apezar de ter sido apanhada de surpreza, mostrou as suas faculdades de intelligência, fazendo salientar em favor das rés todas as circunstâncias favoráveis à defesa. Ao ser-lhe dada a palavra, d’ella usou durante algum tempo com muito brilhantismo, deixando em todos a impressão de que de futuro, a dedicar-se à carreira da Advocacia, muito há a esperar da sua intelligência".
Apenas em 1918 o Decreto n.º 4676, de 19 de Julho, viria a consagrar a abertura plena da Advocacia às mulheres.
Não nos podemos esquecer que só em 1890 as raparigas são autorizadas a frequentar os liceus públicos e só 16 anos depois é criado o primeiro liceu feminino. Em 1910, a escolaridade obrigatória era dos 7 aos 11 anos. Para as mulheres, estava normalmente destinada uma instrução elementar, não lhes sendo pedido mais do que as funções de mulher e de mãe. As mentalidades da sociedade portuguesa da altura não estavam preparadas para dar lugar às mulheres no exercício de profissões liberais.
Ainda em 1933, ao médico e escritor Dr. Júlio Dantas lhe “custa a admitir que uma mulher se forme em Direito”.
Para além de Advogada, exerceu sucessivamente os cargos de Notária, Conservadora e Conservadora do Registo Predial, sendo assim, não só em Portugal, como também na Península Ibérica, a primeira mulher a desempenhar tais cargos.
Casa em 1917 com o Juiz Vicente de Vasconcelos, mais tarde Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, de quem tem dois filhos. Parte para o Brasil onde colabora na reforma da Lei Brasileira e exerce advocacia não só no Rio de Janeiro, mas também nos Estados Unidos da América. Volta mais tarde a Portugal, e em 1957 requer a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados. É autora de diversos trabalhos de natureza jurídica
Regina Quintanilha faleceu em Lisboa, na sua casa da Rua Castilho, a 19 de Março de 1967.

Fontes:
www.oa.pt/cd
www.wikipedia.pt


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Custódia de Belém


A mais famosa obra da ourivesaria portuguesa, quer pelo seu mérito artístico, quer pelo seu significado, foi mandada lavrar pelo rei D. Manuel I, com o primeiro ouro trazido do reino de Quiloa (500 moedas enviadas pelo Sultão deste reino como tributo), por Vasco da Gama na sua 2ª viagem à India em 1503, e doada depois ao Mosteiro de Santa Maria de Belém (Jerónimos).
Esta obra-prima do gótico final, atribuída a Gil Vicente, demorou 3 anos a ser executada, conforme se pode ler na legenda que corre em torno da base:
O. MVITO. ALTO. PRI(N)CIPE. E. PODEROSO. SE(N)HOR. REI. DÕ. MANVEL.I. A. MANDOV.FAZER. DO OVRO. I .DAS.PARIAS. DE. QVILOA. AQVABOV. E.CCCCCVI
A palavra custódia significa em latim guarda, e em linguagem sacra designa o vaso usado para guardar e expor à veneração dos fiéis o Filho de Deus, eucarísticamente presente na Hóstia Consagrada, em torno da qual, nesta peça prodigiosa, se ajoelham os doze apóstolos perfeitamente individualizados. Sobre eles paira uma pomba oscilante em ouro esmaltado a branco, símbolo do Espírito Santo, e, no plano superior, a figura de Deus Pai sustenta o globo do Universo, materializando-se deste modo, no sentido ascensional, a representação das três pessoas da Santíssima Trindade, o Novo e o Antigo Testamento.
As esferas armilares, divisa de D. Manuel I, que definem o nó, como que a unir dois mundos (o terreno, que se espraia na base e o sobrenatural, que se eleva na estrutura superior), surgem como a consagração máxima do poder régio nesse momento histórico da expansão oceânica, confirmando o espírito da empresa do Rei Venturoso e o propósito documental que o grande mestre teve em vista.
A base, polilobada e de perfil elíptico, é preenchida nas suas faces por meio-relevos esmaltados, com motivos naturalistas zoomórficos - caracóis e pavões - e de cariz vegetalista - frutos e flores.
A haste hexagonal apresenta um trabalho vazado de fenestrações do gótico flamejante e um nó ressaltado, onde foram aplicadas seis esferas armilares em esmalte.
O corpo da custódia é marcado pela composição de doze esmaltadas figurinhas de Apóstolos, ajoelhados e em oração, rodeando o cilindro de cristal. Cobre-o um alto e esbelto baldaquino hexagonal, magnificamente trabalhado com arcarias góticas e pináculos cogulhados. Dividido em dois andares, o primeiro encerra a pomba do Espírito Santo e o superior possui a figura do Padre Eterno, rematando a composição uma cruz latina esmaltada.
Lateralmente, duas esguias pilastras sustentam o baldaquino central e apresentam uma série de arcos, onde se inserem estátuas miniaturais de anjos e profetas e ainda uma "Anunciação" - com as minúsculas figuras da Virgem e de S. Miguel Arcanjo.
Esta profusão decorativa, encerra na sua disposição iconográfica, uma eminente carga simbólica, oscilando entre o poder real e o poder divino, entre a esfera terrestre e a esfera celeste. Na base subsiste o mundo terreno e natural, que é presidido pelo poder régio de D. Manuel I, simbolizado pelas esferas armilares no nó da peça. O divino povoa toda a parte superior da Custódia, aludindo explicitamente à Santíssima Trindade.
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, a custódia foi retirada do Mosteiro dos Jerónimos e enviada à Casa da Moeda para fusão. Salva da destruição pela acção esclarecida de D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, rei consorte de Portugal pelo seu casamento com a rainha D. Maria II de Portugal esta preciosidade da ourivesaria nacional passou a integrar as colecções de arte que este rei mecenas possuía no Palácio das Necessidades. Com o advento da República, a custódia foi transferida para a sua actual morada, o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.
Há poucos anos foi alvo de uma intervenção de limpeza, tratamento e consolidação do ouro e dos esmaltes sendo totalmente desmontada peça a peça e restaurada com grande cuidado.

Fontes:
www.mnarteantiga-ipmuseus.pt
www.infopedia.pt
www.wikipedia.org

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Dia de S. Martinho

Este ano não tivemos o tradicional bom tempo do chamado Verão de S. Martinho, mas, mesmo com chuva e pouco sol, as castanhas assadas, quentinhas, sabem sempre bem!
E para animar o serão, aqui vão umas adivinhas:

Qual é a coisa, qual é ela,
Tem três capas de Inverno:
A primeira mete medo
A segunda é lustrosa
E a terceira é amargosa?

Alto foi meu nascimento
De donzela recolhida;
Quando ia para me rir
Tal foi a queda que dei,
Que a casa não mais voltei!

Qual é a coisa qual é ela
Está no alto pendente,
Abre a boca
Cai-lhe o dente?


Não adivinham?
É a……




BOM MAGUSTO!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Poemas M. Torga


LIÇÃO

Oiço todos os dias,
De manhãzinha,
Um bonito poema
Cantado por um melro
Madrugador.
Um poema de amor
Singelo e desprendido,
Que me deixa no ouvido
Envergonhado
A lição virginal
Do natural,
Que é sempre o mesmo, e sempre variado.

Miguel Torga – Diário X (1968)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Consequências das invasões árabes


Depois da conquista da Península, que passará a ser designada por “Al-Andaluz”, as terras foram repartidas pelos conquistadores, cabendo um quinto das mesmas ao califa como presa de guerra.
Em apenas cinco anos (711 a 716), os árabes completaram a ocupação do território, com excepção da região montanhosa das Astúrias, onde se refugiaram os cristãos, comandados por Pelágio.
Os nobres visigodos que se submeteram ao novo poder puderam conservar os seus domínios com autonomia política e em alguns casos especiais, a prática da sua religião; os que opuseram alguma resistência foram obrigados a uma completa submissão em condições mais ou menos duras, consoante o grau de oposição.
Quanto à população não muçulmana (moçárabes, cristãos e judeus), os árabes mostraram-se em geral tolerantes para com os usos e costumes locais, incluindo a prática da religião, mas impondo para isso, um tributo.
Sob o ímpeto do islamismo a Península recupera a sua vocação mediterrânica, voltando às antigas rotas comerciais, as cidades e os negócios florescem; a indústria renova-se. Artesãos e comerciantes associam-se em grémios, abrem-se mercados e novas redes comerciais. Os judeus, sob a protecção dos califas, dedicam-se ao comércio e á indústria, à diplomacia, à medicina e à administração, onde alcançam cargos elevados.
Na sequência das várias lutas pelo poder, estabeleceram-se também na Península vários grupos étnicos como os negros, os eslavos e também sírios e iemenitas.
As cidades árabes do Al-Andaluz no sec. X alcançam grande esplendor, com destaque para Córdova, que chega a possuir 250.000 habitantes.
Sob a influência da brilhante civilização árabe, traduzem-se obras científicas, desenvolvem-se a filosofia, a medicina e as matemáticas, cujos princípios foram buscar a Euclides. A eles devemos o nosso sistema de numeração, com a introdução do uso dos algarismos árabes. A álgebra, a trigonometria, a física, a química, a arquitectura e a arte decorativa também sofreram um grande avanço sob o seu domínio. Além das matemáticas, tinham uma grande predilecção pela astronomia, sendo também excelentes geógrafos e navegadores.
À língua árabe fomos buscar palavras como álcool, arabesco, algodão, sofá, almofada, azul, algarismo, anilina, açúcar, garrafa, jasmim, açafrão, espinafre, ou termos comerciais: bazar, armazém, tarifa. Termos marítimos: almirante, barca, fragata, arsenal…Nomes de terras: Almada, Alcácer do Sal, Algeciras…
Retomaram a exploração das minas de prata e ouro, mas é principalmente na área da agricultura e da propriedade rústica que a influência árabe mais se fez sentir na Península Ibérica. O desenvolvimento das técnicas de regadio e a construção dos moinhos de água e das azenhas, assim como a introdução da nora e da cegonha para extracção da água dos poços, transformaram por completo o aspecto agrícola do Sul andaluz:


Deus meu! A nora transborda de água doce num jardim cujos ramos estão cobertos de frutos já maduros.
As pombas contam-lhes as suas penas, e ela responde repetindo notas musicais…
Sad al-Khair, de Valência, em A Nora.


O centro da produção agrícola do Al-Andaluz foi constituído pelas principais culturas mediterrânicas: cereais, videiras e oliveiras. Mas trouxeram-nos, entre outros, o cultivo do algodão, do arroz, deram-nos a tamareira, a cana-de-açúcar, a beringela, a alcachofra, a amendoeira (que ainda hoje nos deslumbra com as suas flores brancas), e as sumarentas laranjas cantadas pelo poeta Ibn Sara, nascido em Santarém:


Serão brasas que mostram sobre os ramos as suas cores vivas, ou rostos que assomam entre as verdes cortinas dos palanquins?
Serão os ramos que se balançam, ou formas delicadas por cujo amor sofro o que sofro?
Vejo que a laranjeira nos mostra os seus frutos, que parecem lágrimas coloridas de vermelho pelos tormentos de amor…


Apesar de tudo isto, os vestígios da arquitectura islâmica em Portugal são relativamente escassos, ao contrário do que sucede em Espanha, principalmente em Córdova, Sevilha ou Granada, e estão centrados principalmente no sul do país, onde a ocupação efectiva foi mais prolongada. Os vestígios da Cerca Moura em Lisboa, os castelos de Santa Maria da Feira e de Silves com a torre datada de 1227 e um poço-cisterna do sec. XII são alguns dos que chegaram até aos dias de hoje. Mas é na antiga mesquita de Mértola, transformada depois na Igreja de Santa Maria da Assunção que esses traços são mais visíveis, dando-nos uma ideia do que seria a arquitectura religiosa.
O seu domínio durou cerca de oito séculos, mas a derrota árabe em Poitiers, o avanço da Reconquista Cristã e principalmente as frequentes lutas internas pelo poder, levaram a que em 1492 o reino nasrida de Granada, ultimo reduto árabe na Península, fosse conquistado pelos Reis Católicos, Isabel e Fernando de Aragão.
Em Portugal, esse domínio terminou com a conquista do reino do Algarve (Gharb Al-Andaluz) em 1249, quando o rei D. Afonso III tomou Silves.

Fontes: Grinberg, Carl – História Universal
Coelho, António Borges – Portugal na Espanha Árabe
Alves, Adalberto – O meu coração é Árabe
História Universal, vol IX, editada pelo Jornal “Público”




terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dia de Finados


Amiga

Para muitos, a Morte talvez seja
Aquela figura sinistra, que de gadanha,
Ignorando idades, crenças ou riqueza,
Sem dó, toda a gente arrebanha.

Mas para mim, não! Não é assim
Que penso nela, que a imagino,
Quando soar a derradeira hora, enfim,
De terminar na Terra o meu destino…

É uma figura etérea, mas não sombria,
Que me chama dizendo:”Amiga vem,
Não temas, a tua vida chegou ao fim…”

E pegando-me com a sua mão alva e fria
Leva-me, sorrindo, para algures no Além
Onde alguém, há muito espera por mim!

N.G.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Manuel da Fonseca


Comemorou-se no dia 15 deste mês (Outubro), o centenário de um dos melhores representantes do movimento neo-realista português e um dos grandes escritores da literatura portuguesa.
Nascido em Santiago do Cacém a 15 de Outubro de 1911, Manuel Lopes da Fonseca vai viver com a família para Lisboa em 1923, começando a publicar os seus primeiros poemas em 1925 num semanário da sua terra. Frequenta o Liceu Camões onde conhece Álvaro Cunhal, também aí aluno como ele, e mais tarde, a Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires.
Em 1937 casa-se com Mabilde Matias e em 1940 publica o seu primeiro livro de poesia, “Rosa-dos-Ventos”, seguindo-se “Planície”, no ano seguinte. Estreia-se em ficção com os contos “Aldeia Nova”, em 1942, e em 1943 publica o romance “Cerromaior”, que foi transposto para o cinema em 1980, pelo realizador Luís Felipe Rocha.
Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos. Autor de uma obra ancorada na realidade e eivada de um apontado regionalismo, a escrita de Manuel da Fonseca ultrapassa a contingência histórica de que nasceu, por um enaltecimento da vida, compreendida como intrinsecamente livre das imposições, frustrações, mentiras e condicionamentos impostos pela sociedade, ânsia de libertação, simbolizada, por exemplo, na repressão sexual imposta a algumas figuras femininas ou na admiração de figuras marginais como o "maltês" ou o vagabundo.
Além de romancista, poeta, contista e cronista, foi também argumentista (o filme “Os Três da Vida Airada” é disso exemplo), e esteve também ligado à música através de poemas que escrevia para alguns dos cantores portugueses. Escreveu também para jornais e revistas e fez parte do grupo do Novo Cancioneiro.
Era presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à sua prisão pela PIDE.
Em 1972 casa com Arlete Ventura e em 1983 é condecorado com o grau de Comendador da Ordem de Sant’Iago da Espada. Em 1985 casa com Hermínia Matos e morre a 11 de Março de 1993 no Hospital de S. José, devido a uma queda na sua residência, em Santiago do Cacém.
No prefácio de uma das edições dos contos “O Fogo e as Cinzas” (1951), Manuel da Fonseca escreve:
“As pessoas de quem escrevo são as que houve na minha vida. Gente de família ou conhecida. Nelas me fui descobrindo e sendo eu próprio as vidas que contei. É isso, eu. Até quando escutava a vida de algum desconhecido, logo descobria que esse desconhecido era dois ou três indivíduos que já conhecia, um dos quais, com o tempo, começava a ser eu”.
As suas obras, para além das já citadas, são:
Poemas Completos – 1958
Um Anjo no Trapézio – 1968
Tempo de Solidão – 1973
Antologia de Fialho de Almeida - 1984
Crónicas Algarvias – 1986, escritas no jornal “A Capital”, de quem era colaborador.

Fontes: www.wikipedia.org
www.infopedia.pt
Jornal Expresso – semanário semmais




ANTES QUE SEJA TARDE

Amigo,
Tu que choras uma angústia qualquer
E falas de coisas mansas como o luar
E paradas
Como as águas de um lago adormecido,
Acorda!
Deixa de vez
As margens do regato solitário onde miras
Como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
Desse país inventado
Onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
Do barco ao deus-dará
E esse ar de renúncia
Às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
Liberta-te dessa paz podre de milagre
Que existe
Apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha
Abre os braços e luta!
Amigo,
Antes de a morte vir
Nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca – Poemas Completos


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Dama da Fonte – III

Depois de várias aventuras pelo caminho, o Rei e os seus cavaleiros encontraram finalmente Sir Owein, sendo recebidos por ele com um grande banquete, onde ele apresentou a sua mulher, a Dama da Fonte, ao rei.
Depois de alguns dias de repouso, Artur e a comitiva voltaram para casa, mas antes, o rei convidou o cavaleiro a regressar com ele para tomar parte nas caçadas que se iriam realizar. Contrariada, Laudine deixou-o partir na condição de o marido se apresentar no castelo ao fim de um certo tempo. Owein prometeu cumprir o prazo estabelecido e a Dama da Fonte deu-lhe um anel que o protegeria de todos os ferimentos que pudesse receber.
E o tempo foi passando em festas, torneios, caçadas e aventuras onde o seu manejo das armas lhe trouxe fama e glória. Apenas Sir Gawain, o seu melhor amigo, o conseguia igualar. E Sir Owein, no meio de tudo isto, esqueceu Castelo, Dama da Fonte, a promessa de voltar…E o prazo foi em muito ultrapassado, até que um dia, um mensageiro se chegou ao pé dele e em nome da Dama pediu-lhe de volta o anel, chamando-o de traidor e banindo-lhe para sempre o acesso ao Castelo.
Cheio de vergonha e remorsos, Owein abandonou a Corte, internando-se pelos bosques, onde, num acesso de loucura e vagueando sem rumo, se tornou num homem primitivo. Os cabelos e a barba cresceram tornando-o irreconhecível, as roupas foram apodrecendo, até que faminto, com o corpo nu e imundo, cheio de feridas, se acercou de um castelo, caindo desfalecido no jardim.
Recolhido pela dona do castelo e graças a um unguento maravilhoso que lhe foi administrado, ao fim de algum tempo o cavaleiro achava-se completamente restabelecido. Despedindo-se da castelã, jurou a si mesmo que a sua espada passaria a ser usada não para sua glória pessoal, mas em socorro dos fracos e indefesos, a fim de ganhar de novo o amor da sua Dama.
Passando por uma floresta ouviu uns rugidos medonhos, indicando que um leão se encontrava próximo. Com cautela e a espada desembainhada, o cavaleiro avançou até deparar com um leão que se debatia nos anéis de uma grande cobra. Era ele que soltava aqueles urros ao sentir-se cada vez mais apertado por aquele abraço mortal e do qual não se conseguia libertar. Owein, não hesitou e cortou a cabeça da serpente, mas ficou em guarda aguardando o ataque do leão. Este, depois de sacudir a juba, dirigiu-se mansamente até junto do cavaleiro, deitando-se-lhe aos pés, com que em agradecimento. E a partir daí, a fera acompanhou-o para todo o lado como se fosse um grande cão, correndo ao lado do cavalo durante as viagens, ajudando-o nos combates ou vigiando-lhe o sono durante a noite, protegendo-o de qualquer perigo.
Desde então, Owein passou a ser conhecido como o Cavaleiro do Leão, e as suas aventuras como um paladino da justiça, granjearam-lhe grande fama e reconhecimento. O tempo foi passando e Owein achou que já poderia regressar aos seus domínios. Durante o percurso, ainda conseguiu salvar Lunet de ser queimada e com a sua ajuda entrou no Castelo, onde conseguiu que Laudine o perdoasse e o aceitasse de novo como seu marido e Guardião da Fonte.


Nota: Owein, também conhecido por Ivain, o Cavaleiro do Leão (em francês: Yvain, le Chevalier au Lion) é um poema de Chrétien de Troyes, poeta e trovador francês dos finais do sec. XII e autor de romances de cavalaria, que inspiraram toda a literatura ocidental durante a Idade Média. Foi escrito provavelmente nos anos 1170, sendo o personagem principal, Ivain baseado numa figura histórica, Owain mab Urien.
Este poema inclui o conto da Dama da Fonte, que, por sua vez, é um dos três romances do Mabinogion, colectânea de contos celtas escritos em língua galesa e onde constam as aventuras de Owein ou Yvain. Como quase toda a obra de Chrétien de Troyes gira em volta do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, pôs-se a questão se estes romances não seriam versões galesas dos contos de Chrétien, mas o mais provável é que sejam versões diferentes da mesma história, com origem em tradições célticas bem mais antigas.

Fontes: www.wikipedia.org
O Mabinogion





quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Dama da Fonte – II

Tudo aconteceu tal como a jovem dissera, e quando o sentiu junto de si, levou-o para um magnífico aposento onde lhe serviu uma copiosa refeição, indicando-lhe depois um leito luxuosamente ataviado onde o cavaleiro poderia descansar.
Ao romper do dia, um imenso e lamentoso clamor reboou pelo castelo. Abrindo uma janela, Owein observou um grande cortejo de damas, cavaleiros, homens de armas e clérigos acompanhando o féretro do senhor do castelo, que tinha falecido dos ferimentos recebidos. A fechar o cortejo, seguia uma dama cujos lamentos soavam mais alto que os cânticos fúnebres entoados pelos sacerdotes. A sua beleza era tal, que ao vê-la, mesmo no estado desalinhado em que se encontrava, Owein se sentiu perdidamente apaixonado.
Lunet informou-o que se tratava de Laudine, a Dama da Fonte, a viúva do Conde Esclados, o Cavaleiro Negro.
“A Deus eu digo”, exclamou Owein, “que esta é a dama que eu mais amo”.
“Deus também sabe, que a ti ela não ama, nem muito, nem pouco, nem nada”, respondeu-lhe a donzela.
No entanto, prometeu interceder por ele e recomendando-lhe que não abandonasse o quarto, saiu dos aposentos para ir servir a sua senhora.
Laudine, ao vê-la, mostrou-se sentida pela sua ausência no funeral, mas Lunet respondeu-lhe que mais lhe valia pensar em como iria conseguir defender a Fonte e o Castelo, agora que o Cavaleiro tinha morrido.
“Por mim e por Deus te digo”, respondeu a condessa, “que eu jamais poderei recompensar a perda do meu senhor, pondo outro homem no seu lugar!”.
“Pois deverias”, retorquiu a jovem, “ e alguém tão bom ou melhor que ele. Se não puderes defender a Fonte, também não poderás defender os teus domínios, e isso só se consegue pela força das armas. E quanto mais depressa o fizeres melhor para todos. Irei à corte do Rei Artur e trarei um dos seus cavaleiros.”
Repugnada com a ideia, mas sabendo que Lunet estava cheia de razão, a Senhora deixou-a partir.
Voltando para junto de Owen, a jovem ali ficou escondida de todos, o tempo suficiente para a viagem de ida e volta a Camelot. Quando achou que deveria ter chegado ao seu termo, apresentou-se perante Laudine, que lhe perguntou pelo êxito da viagem.
“Trago boas-novas, Senhora, achei o que procurava. Quando quereis ver o cavaleiro que trouxe comigo?”, perguntou Lunet.
“Amanhã pelo meio-dia”, respondeu a Dama da Fonte.
No dia seguinte, à hora marcada, os dois jovens apresentaram-se perante a Senhora do Castelo, que os recebeu com muita gentileza.
“Senhora, apresento-te Sir Owein o cavaleiro do Rei Artur que trouxe comigo”.
A condessa olhou o cavaleiro com muita atenção. Vestido com uma túnica, uma cota de malha e um manto de brocado de seda amarela e calçando uns borzeguins, Owein não tinha aspecto de quem tivesse feito uma grande jornada… Desconfiando da verdade, Laudine perguntou se aquele não teria sido o cavaleiro que lhe tinha morto o marido!
“Melhor para ti, Senhora”, respondeu Lunet, “Se ele não fosse o melhor dos dois, não estaria agora à tua frente. O que está feito, feito está!”.
A condessa mandou reunir os seus vassalos e com a aprovação dos membros do seu Conselho, tomou Sir Owein como marido.
Durante três anos, a felicidade reinou no Castelo de Landuc. Owein, o novo guardião da Fonte, derrubava qualquer cavaleiro que o desafiasse, mantendo-o prisioneiro até receber o seu resgate, distribuindo depois o dinheiro pelos seus vassalos, que retribuíam a sua generosidade com amor e lealdade.
Mas…e há sempre um mas…ao fim deste tempo, o Rei Artur que nada sabia do que poderia ter acontecido ao seu cavaleiro, reuniu os seus companheiros da Távola Redonda e foram no seu encalço…

terça-feira, 18 de outubro de 2011

F.Pessoa - Poema

Dizem que há entre a folhagem

Dizem que há entre a folhagem
Quando tudo está dormindo
Uma coisa como a aragem
Mas que é viva e está sentindo.

Não se sabe se é alguém
De outro mundo ou de outro ser,
Nem se está por mal ou bem
Entre as folhas a tremer.

Mas como é que alguém conhece
O que há quando ninguém vê?
Alguma coisa acontece
Quando ninguém está ao pé?

Não sei; sei que entre a folhagem
De uma noite e dum lugar
Mexe-se mais que a aragem…
Oiço, sinto, essa passagem
Sonho? Mas o que é sonhar?

Fernando Pessoa

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Queda dos Templários

Madrugada de sexta-feira, 13 de Outubro de 1307:
Cumprindo as ordens do rei Filipe IV, o Belo, também conhecido como Rei de Mármore ou Rei de Ferro, Guillaume de Nogaret ministro do Rei, acompanhado do Inquisidor-mór e do tesoureiro real, apresentou-se na fortaleza do Templo e deu voz de prisão a todos os Templários que aí se encontravam, incluindo o seu Grão-Mestre, Jacques de Molay, que ainda estava deitado. Os próprios calabouços do Templo serviram para aí se encerrarem alguns dos cavaleiros, mas o Grão-Mestre e os seus principais foram encerrados na prisão do Louvre.
À mesma hora, por todo o Reino de França, os senescais, presidentes das câmaras e os prebostes reais, acompanhados pelos seus soldados, prenderam em massa todos os Templários que encontraram nas Casas da Ordem.
Praticamente não houve resistência, mas nalgumas, como em Arras, os soldados degolaram metade das pessoas que lá se encontravam.
Davam assim cumprimento às instruções reais contidas numa carta que todas as autoridades foram recebendo desde Setembro desse ano, com a condição expressa de só ser aberta no dia 12 de Outubro e à mesma hora, em todos os locais do reino, guardando-se o mais rigoroso sigilo da mesma.
Não se sabe com precisão quantos cavaleiros foram presos, mas estima-se que fossem cerca de mil, embora também se fale em 4.000. Grande parte dos cavaleiros fugiu para países que os acolheram ou fixaram-se noutros lugares onde a Igreja os não pudesse alcançar. Gerard de Villiers, perceptor de França, foi um dos cavaleiros franceses que conseguiu escapar.
Todos os imensos bens da Ordem em França foram imediatamente confiscados!
Acusados de heresia (práticas demoníacas, adoração de ídolos e vícios contra a natureza), os interrogatórios começaram logo no dia seguinte, 14 de Outubro, dando-se início a um dos processos mais vergonhosos e sinistros da História, o chamado “Processo dos Templários”, que acabará com a supressão da Ordem, pela bula papal Vox in Excelso, de 22 de Março de 1312 e com a morte de alguns dos seus membros, incluindo o Grão-Mestre, condenado à fogueira a 18 de Março de 1314.
Torturados, alimentados a pão e água, instalados em condições sub-humanas e ainda sujeitos ao pagamento da sua prisão, foram-lhes recusados os sacramentos e o sepultamento em terra da Igreja. Não se sabe ao certo quantos terão morrido na fogueira, ou durante os interrogatórios, ou dos ferimentos recebidos, ou dos que ficaram estropiados para o resto da vida física e moralmente.
Quanto a Filipe IV, assim que soube que as prisões tinham sido feitas, dirigiu-se à Torre do Templo e instalou-se lá, levando consigo o seu “tesouro”, que juntou ao que encontrou no local.
Foram também expedidas cartas aos soberanos europeus para que procedessem de igual modo nos seus reinos, contra a Ordem.
Na Europa a Ordem foi extinta, mas com uma ou outra excepção os cavaleiros não foram molestados, sendo integrados em novas Ordens menos expressivas, como foi o caso da “Ordem de Cristo”, fundada em Portugal pelo rei D. Dinis, com os bens e os efectivos templários residentes no país ou que por cá se refugiaram.
Jacques de Molay esteve sete anos na prisão, antes de morrer aos setenta anos de idade. No dia 12 de Outubro, véspera da sua prisão, tinha-se encontrado com o rei, de quem era compadre (Molay era padrinho do filho mais novo de Felipe IV), no funeral da cunhada do monarca, Catarina de Courtenay, esposa de Carlos de Valois, tendo-lhe sido dada a honra de carregar o féretro, o que torna a perfídia do rei ainda mais ignóbil…
Mas como é que uma Ordem tão poderosa como a dos Templários, carregada de glória e riqueza, com uma tradição de dois séculos de existência e que apenas dependia do Papa, pôde ser aniquilada de um dia para o outro?
Na sua juventude o “Rei de Ferro” tinha pedido para ser admitido a título honorário na Ordem, o que lhe foi recusado, acontecendo-lhe o mesmo quando poucos meses antes do aniquilamento dos Cavaleiros Templários, tinha pedido o ingresso na Ordem para o seu filho mais novo. A sua ideia seria tornar hereditário o cargo de Grão-Mestre, reformar a Ordem e mantê-la na dependência directa dos reis franceses. Também em 1306, durante uma sublevação em Paris, o rei tivera de pedir asilo ao Templo onde ficara alguns dias à espera que o motim acalmasse…Demasiadas humilhações para alguém como ele!
Além de que, do seu palácio, o rei todos os dias avistava a Torre, uma lembrança permanente de um Estado dentro de outro Estado, com as suas liberdades, privilégios, a sua alta, baixa e média justiça e o seu direito de asilo, que nem o Rei se atrevia a quebrar.
Portanto, as razões para a queda foram muitas e diversas, mas situam-se principalmente na luta feroz que se desenvolveu entre a França e o Papado, entre Filipe IV e Bonifácio VIII, sem esquecer a aura de imensa riqueza que a Ordem possuía, o chamado “Tesouro dos Templários”, que para um rei sempre esfomeado de dinheiro como o monarca francês, e que tinha uma enorme dívida para com o Templo, se tornava numa tentação irresistível que o não faria recuar perante nada…
Com esta medida, Filipe IV consegue equilibrar as finanças reais, e ao destruir o exército da Igreja, com a ajuda do Papa Clemente V que ele próprio tinha elevado ao trono pontifício, e que se estabelece em 1309 em solo francês na cidade de Avinhão, abandonando Roma (o que dará início ao Cisma de Avinhão, também conhecido como o Cativeiro de Babilónia), o rei consegue tornar-se no senhor absoluto do reino de França.
É a partir deste acontecimento, que tanto o dia 13 como a sexta-feira entraram para a superstição popular como azarentos.
Em outros episódios, (o tema “Templários”é inesgotável), tentarei descrever as principais personagens envolvidas nesta mesquinha trama, digna das melhores tragédias gregas!


O Adeus à Virgem

HINO

Louvada seja na terra
A Virgem Santa Maria:

Quer nas horas de tristeza,
Quer nas horas de alegria;
Quer sobre as ondas do mar,
Lá com a morte à porfia;
Quer nos escuros caminhos
Pelas noites de invernia;
Quer no lume da lareira,
Quer no sol quando alumia;
Quer no amor de toda a hora,
Quer no pão de cada dia…

Louvada seja na terra
A Virgem Santa Maria!



Imagem: paroquiasarouca.blogspot.com


terça-feira, 11 de outubro de 2011

A Dama da Fonte – I


Owein, filho do rei Urien e um dos Cavaleiros da Távola Redonda, ouviu um dos seus companheiros contar uma aventura que lhe tinha acontecido na Floresta de Brocéliande, onde ao defrontar o Cavaleiro Negro, guardião da Fonte de Barendon, fora derrotado e para sua maior humilhação, o seu adversário nem sequer se tinha dignado aprisioná-lo, apenas lhe tinha ficado com o cavalo.
Resolvido a defrontar ele mesmo o desconhecido Cavaleiro, Owein aprontou o seu cavalo e partiu em direcção a um castelo de que o seu companheiro tinha falado, a fim de se informar do caminho a percorrer. Lá chegado, o dono do castelo convidou-o a entrar. Encontrou na sala vinte e quatro donzelas. Seis delas cuidaram do seu cavalo, outras seis limparam as suas armas, mais seis trouxeram-lhe uma muda de roupa e as restantes seis puseram a mesa. Assim que todos se sentaram, o anfitrião perguntou-lhe qual a finalidade da sua viagem.
“Quero encontrar alguém que me possa vencer, ou eu mesmo triunfar sobre todos.
- Se eu não acreditasse que te aconteceria algum mal, indicar-te-ia o que procuras”.
Vendo a decepção estampada no rosto do seu convidado, o castelão continuou:
“Bem, uma vez que preferes que eu te indique algo desvantajoso para ti, em vez de algo vantajoso, podes dormir aqui esta noite. Levanta-te cedo e toma o caminho do vale até ao primeiro entroncamento à direita. Numa grande clareira, encontrarás um gigante negro no cimo de um outeiro. E descrevendo o homem negro, o dominador dos animais, fácil é reconhecer nele o deus Kernunnos”.
De manhã, o cavaleiro tomou o caminho do vale. No cimo do outeiro, o gigante pareceu-lhe bem maior do que o seu anfitrião dissera e os animais selvagens bem mais numerosos. Para mostrar o poder que detinha sobre eles, o deus bateu com o seu bordão num veado que logo soltou um grande bramido. Logo acorreram milhares de animais aos quais ordenou que fossem pastar. Eles inclinaram a cabeça e obedeceram. Owein perguntou-lhe qual era o caminho. Ele respondeu de mau modo, mas mostrou-lhe um caminho que subia uma colina, dizendo-lhe que quando chegasse ao cimo, avistaria ao fundo do vale, a Fonte de Barenton, com a sua grande árvore verde, a sua laje de mármore e a sua bacia de prata, presa com uma corrente.
Owein chegou lá facilmente e, aos pés da árvore, imagem de vida e traço de união entre o céu e a terra, lembrando-se da conversa do seu companheiro, tirou a água da fonte com a bacia e derramou-a sobre a pedra. Desencadeou-se uma violenta tempestade, depois o sol brilhou e, sobre o carvalho despojado das suas folhas, veio pousar um bando de aves que se puseram a cantar.
Enquanto escutava o seu canto, ouviu gemidos e viu Esclados, o Cavaleiro Negro vir ao longo do vale. Baixaram ambos as suas lanças e atacaram-se furiosamente, de tal maneira que as lanças se quebraram. Desembainharam então as espadas e tão bem se bateram que Owein acabou por desferir tamanho golpe no seu adversário que a lâmina atravessou o elmo atingindo o crânio. Sentindo-se ferido mortalmente, o cavaleiro negro fugiu e Owein foi-lhe no encalço.
O ferido alcançou a entrada de um castelo e desapareceu. Owein quis entrar atrás dele, mas os habitantes baixaram a grade que atingiu a patilha da sua sela e cortou o cavalo ao meio. Ao fecharem também a pesada porta, o nosso herói viu-se prisioneiro entre ela e a grade.
Sem saber como se libertar, o cavaleiro viu uma linda jovem aproximar-se dele estendendo-lhe através da grade um anel ao mesmo tempo que lhe dizia:
“Chamo-me Lunet e sirvo a senhora do Castelo de Lundoc. Daqui a pouco os homens virão buscar-te para te matar pois o Guardião da Fonte com quem combateste pouco mais tempo terá de vida. Quando os vires, põe este anel e ficarás invisível. Como
terão que abrir a grade para te procurar lá fora, entras e vais ter comigo junto àquele muro.”

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Como o Ouriço-cacheiro ganhou os espinhos

Conto adaptado:

Há muitos, muitos anos, lá no Norte distante, nasceu pela primeira vez um castanheiro.
Os animais do bosque não conheciam tal árvore, e quando um dos seus ouriços caiu, correram a abocanhá-lo…
- Ai! – gritaram todos, afastando-se.
- Esperem! – disse uma vozinha lá de dentro – olhem…
E, espantados, os animaizinhos viram a casca abrir-se e mostrar dois lindos frutos acastanhados, deliciosos ao paladar.
A notícia correu veloz por todos os bosques e todos ficaram a saber que o castanheiro dava frutos muito saborosos, mas encerrados numa casca com espinhos.
O Ouriço-cacheiro, que nessa altura era um bichinho pequeno e tão careca como a palma da mão, pôs-se a caminho para ir provar essa maravilha, sem se aperceber de que a Raposa, farejando uma boa refeição, o seguia disfarçadamente.
Chegando lá, o Ouriço cravou os dentes numa linda castanha caída no chão…quando apavorado, viu à sua frente a Raposa de boca aberta, pronta para o saborear…
- Socorro! – gritou o pobre, angustiado.
- Espera! – exclamou compadecido o castanheiro.
E uma casca vazia, coberta de espinhos, caiu sobre o ouriço cobrindo-o da cabeça aos pés, no preciso momento em que a sua inimiga o abocanhava!
- Aiiiiiiiii…uivou a Raposa, dando pulos de dor e fugindo dali a sete pés, para gáudio dos restantes bichos, que, encolhidos de medo, assistiam à cena.
- Foge, foge! – disse o Ouriço a rir, já refeito do tremendo susto que tinha apanhado – Muito obrigado, castanheiro, por me teres ajudado, e quanto a ti, ouriço da castanha, já não te deixo…Embora por fora estejas cheio de espinhos, por dentro és macio e quentinho como um cobertor de lã, e não posso encontrar melhor agasalho do que tu!
- Com queiras – disse a casca – assim ainda tenho utilidade, em vez de ficar por aí a apodrecer…
Desde então, o corpo do Ouriço fixou cheio de espinhos aguçados, o que lhe permitiu defender-se dos seus inimigos e alimentar-se melhor, pelo que cresceu e engordou.
A Raposa é que nunca mais se chegou ao pé dele…

Fontes: Vérité, Marcelle – Contos do Sol, Ed. Verbo.
Imagens: arcadenoe.sapo.pt
Castanhadosmontes.wordpress.com

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dia Mundial dos Animais

O homem é o único animal que cora, ou melhor, que tem motivo para corar”.
Mark Twain





Porque me abandonaste?

domingo, 2 de outubro de 2011

A Queda de Jerusalém

Mapa de Jerusalém no tempo das Cruzadas.
A 2 de Outubro de 1187 (o vigésimo sétimo dia do Rajab do ano de 583), aniversário da elevação de Maomé aos céus levado pelo Arcanjo S. Gabriel, Saladino (Salah al-Din Yusuf ibn Ayub), à frente das suas tropas entrou em Jerusalém terminando com 88 anos de domínio cristão, e tornando-a de novo muçulmana.
Ao contrário de 1099, quando a cidade fora tomada pelos Cruzados num autêntico banho de sangue resultante da carnificina feita pelos cristãos durante dois dias, desta vez não houve nenhum massacre.
Desde 20 de Setembro que o Sultão cercara a cidade com o seu grande exército, mas apenas a 26 desse mês começou o ataque, inicialmente em frente à Torre de David, com uma chuva de flechas tão densa, que, segundo o relato de um cristão, não se podia erguer um dedo acima das muralhas sem se ficar ferido. Mudou depois a sua força principal para junto da Porta de Santo Estêvão, atacando com catapultas e mandando minar as muralhas.
Os defensores da cidade aptos para combate eram poucos, pois por “cada homem havia cinquenta mulheres e crianças” estando a chefia entregue a Balian de Belin, um cavaleiro respeitado até mesmo por Saladino, e ao Patriarca de Jerusalém, Heraclio, que poderiam contar com a experiência e tradicional coragem de alguns cavaleiros Templários e Hospitalários.
Balian de Belin tinha saído de Tiro, onde combatia, para ir a Jerusalém retirar da cidade a sua mulher e filhos, tendo para isso a permissão de Saladino, na condição de não se envolver na batalha pela cidade. Ao aceitar a chefia da defesa de Jerusalém mandou pedir a Saladino que o libertasse da palavra dada, ao que o Sultão acedeu.
Uma das suas primeiras medidas foi armar cavaleiros todos os rapazes com mais de 16 anos, para que pudessem combater, mas de pouco serviu, pois as máquinas de assédio do Sultão causaram tal estrago, que a 30 de Setembro, Balian foi encarregado de negociar uma rendição.
Ao princípio, Saladino recusou, o sangue cristão deveria lavar o sangue muçulmano derramado oitenta anos antes, mas o cavaleiro, mantendo a calma, ameaçou:
“Se temos de renunciar a toda a esperança, então bater-nos-emos desesperadamente, deitaremos fogo às casas e aos vossos santuários, destruiremos a Cúpula e derrubaremos o Rochedo, passaremos à espada os cerca de 5.000 prisioneiros muçulmanos que temos em nosso poder e mataremos as nossas mulheres e filhos de modo a não ficar ninguém vivo”.
Sabendo que Balian cumpriria a sua ameaça, o Sultão exigiu então a rendição incondicional da cidade senão “ tomaria Jerusalém pelas armas acontecesse o que acontecesse”.
As negociações continuaram e Saladino, para demonstrar a sua generosidade, aceitou que os cristãos pagassem pela sua liberdade, sendo dez denários por cada homem, cinco por mulher e um por cada criança. Os que não pudessem pagar seriam escravizados.
No entanto havia dentro da cidade cerca de vinte mil refugiados pobres que não teriam qualquer hipótese de pagar o seu resgate. Saladino pediu cem mil denários por eles, mas depois de informado que não havia esse dinheiro, aceitou trinta mil por 7.000 pobres. Fizeram-se então colectas para reunir o dinheiro, tendo os Templário e os Hospitalários contribuído com parte do dinheiro existente nos seus cofres.
Os cristãos ortodoxos preferiram ficar na cidade pagando uma taxa, e dos restantes pobres, o Sultão deixou sair mais alguns, especialmente as viúvas dos soldados mortos, as mulheres dos que estavam prisioneiros e os anciãos, mandando-lhes distribuir esmolas. O irmão de Saladino e alguns nobres muçulmanos também libertaram mais alguns milhares, restando por fim, cerca de oito mil refugiados, cujo destino foi a escravatura…
Nenhum edifício foi saqueado, ninguém foi molestado e a Igreja do Santo Sepulcro só esteve fechada durante três dias, depois foi aberta ao culto, podendo os cristãos visitá-la pagando uma pequena quantia. Os Lugares Santos ficaram sob a jurisdição da Igreja Ortodoxa.
A Mesquita de Al-Aksa e o Domo da Rocha foram limpos e purificados de qualquer sinal cristão que ostentassem e a cruz de metal dourado que encimava o Rochedo foi retirada e enviada de presente ao califa de Bagdad que a mandou cravar nos degraus da mesquita principal da cidade para ser pisada pelos fiéis quando lá fossem fazer as suas orações.
Quando os portões de Jerusalém se abriram para deixar passar os refugiados, estes foram divididos em três grupos, escoltados por soldados de Saladino, como protecção, até à fronteira com o condado cristão mais próximo.
O historiador árabe Abu Shâmah, professor da Universidade de Damasco em meados do sec. XIII, diz o seguinte: “Saladino à cabeça de um grupo de homens vindos do Paraíso combateu os enviados do Inferno com um tal sucesso que a Terra Santa foi purificada e, com a ajuda de Alá, liberta dos seus sofrimentos”.
A notícia da queda de Jerusalém provocou uma tal dor e indignação no Ocidente, que ao apelo dos Papas Gregório VIII (que entretanto faleceu), e do seu sucessor Clemente III, os três maiores reis da Cristandade, o Imperador Frederico I Barba Roxa, Filipe Augusto de França e Ricardo I Coração de Leão, de Inglaterra, tomaram a cruz e rumaram ao Oriente dando início à Terceira Cruzada, a mais famosa de todas, devido às personagens nela envolvidas.

Fontes: Grinberg, Carl – História Universal
Godes, Jesús Mestre – Os templários
Reston Jr, James – Os Guerreiros de Deus
www.wikipedia.org
Imagens:
www.artgallery
www2.fcsh.unl.pt




Pierre Tetar van Elvan