Certa Velhinha
Além,
na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a
passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes...
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!
Os ventos entoam
cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde
irá ella, n'uma noite d'estas,
Com vento da Barra puxado do sul?
Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella,
n'uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se
for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!
Contava-me aquella que a
tumba já cerra,
Que Nossa Senhora, quando a chama alguem,
Escolhe estas noites p'ra descer á Terra,
Porque em noites
d'estas não anda ninguem...
Além, na tapada das Quatorze
Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos
aquelles que parecem luzes!
Quaes velas accezas que a vêm a
guiar...
Que pobre capinha que leva de rastros,
Tão
velha, tão rôta! Que triste viuvez!
Mas se lhe dá vento, meu
Deus! tantos astros!
É o céu estrellado vestido do envez...
Seu alvo cabello, molhado das chuvas,
Parece uma vinha de
luar em flor...
Oh cabello em cachos, como cachos de uvas!
So
no céu ha uvas com aquella cor...
A luz dos seus olhos é
uma luz tamanha
Que ao redor espalha divino clarão!
Parece
que chove luar na montanha...
Que noite de inverno que parece
verão!
Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Velhinha
tão alta que vem a chegar!
Parece uma Torre côada de luzes!
Ou
antes a Torre de Marfim, a andar!
Não! Não é uma Torre
côada de luzes,
Nem antes a Torre de Marfim, a andar,
Que
pela tapada das Quatorze Cruzes,
N'uma noite destas, eu vejo
passar...
Tambem não é, ouve, minha velha ama!
Como tu
contavas, a Virgem de Luz:
Digo-te ao ouvido como ella se chama,
Mas guarda segredo, que é...
António
Nobre - SÓ