A 7 de Janeiro
de 1355, era executada nos Paços de Santa Clara, em Coimbra, por ordens do rei
D. Afonso IV, a formosa Inês de Castro por quem o infante D. Pedro se tinha
apaixonado.
Depois de subir
ao trono e para glorificar a sua amada, D. Pedro mandou erigir os dois túmulos
que se podem admirar no Mosteiro de Alcobaça, símbolos de um amor eterno cujo
encanto perdura até aos dias de hoje, “Delicioso
poema de amor gravado na álgida dureza de um grande bloco calcareo”.
Dando início a
uma nova rubrica, intitulada Tumulária Medieval, achei por bem, começar por
estas duas obras máximas da nossa escultura funerária, capazes de ombrear e
rivalizar com as melhores produções europeias da época.
Os monumentos de
D. Inês de Castro e de D. Pedro, que se conservam no Mosteiro de Alcobaça, são
de estilo gótico e feitos em calcário da região de Coimbra, sendo que a sua autoria continua desconhecida, embora surjam em geral duas propostas: uma
atribuindo-os a artistas estrangeiros (nomeadamente franceses), outra sugerindo
que resultam da evolução da escultura tumular portuguesa. É provavelmente obra
de mais de que um mestre (tendo em atenção a dimensão da obra encomendada e o
tempo de acção requerido).
Estes jacentes,
de origem, foram colocados no transepto sul da Igreja, lado a lado, com D. Inês
colocada à mão direita de D. Pedro, (em conformidade com o código
cavaleiresco), como aliás devia acontecer entre marido e mulher, com os pés
voltados para S. Bento, que era o Santo da capela que os abençoava, no interior
do Mosteiro, e não na Galilé, onde repousavam outros membros da família real,
por decisão do rei, conforme Fernão Lopes esclarece “nom aa emtrada hu jazem os
Reis, mas demtro da egreja há mãao dereita acerca da capella moor”. Passaram
depois para a Sala dos Túmulos, cerca de 1827 e aí colocados em frente um do
outro. Em 1956 foram retirados desta sala e colocados novamente no transepto, o
de D. Inês no braço norte, e o de D. Pedro no braço sul.
A decisão de
criar os monumentos deve ter sido tomada pouco depois do monarca ter chegado ao
trono. Em 8 de Setembro de 1358, quando confirmou os privilégios e jurisdições
do Mosteiro de Alcobaça, a decisão já estava tomada: “…outrossy como nos em el
ajamos singular afeiçom e especial devaçom e como seia nosso propósito e
entençom de nos mandar hi deitar e dona Ines de Castro nossa molher…”.
É mesmo possível
que o primeiro monumento, destinado a Inês já estivesse a ser executado. Ao
certo, podemos assumir que estava concluído em 1361, data da solene trasladação
dos seus restos mortais do Mosteiro de St.ª Clara-a-Velha, onde recebera
primeira sepultura, para a Real Abadia de Alcobaça. A cerimónia da trasladação,
descrita por Fernão Lopes, deve ter sido impressionante, não hesitando o
cronista em declarar que fora “a mais honrrada trelladaçom que ataa aquel tempo
em Purtugal fora vista. Pelo caminho estavam muitos homens com círios nas mãos
de tal guisa ordenados, que sempre o seu corpo foi por todo o caminho por entre
círios acesos; e assim chegaram até ao dito Mosteiro, que eram dali dezassete
léguas, onde com muitas missas e grande solenidade foi posto em aquele
muimento…”.
No que ao túmulo
de Inês diz respeito, Luís Afonso, na sua obra, explica-nos que “entre os
motivos de perturbação e surpresa, destaca-se o facto de nunca antes o túmulo
de um leigo ter sido introduzido na igreja do mosteiro cisterciense de
Alcobaça, templo que funcionava como uma espécie de panteão régio da primeira
dinastia portuguesa cujos corpos repousavam fora da igreja, na galilé. Este
túmulo colocava em causa a memória do progenitor de D. Pedro, uma vez que a
defunta havia sido mandada executar pelo rei, por razões que supostamente se prendiam
com a segurança e estabilidade política do reino…”. A este mesmo propósito
escreveu-se também que “os túmulos de Pedro e Inês, para além da posição que
ocupam na escultura europeia dos Trezentos, dão-nos um magnífico retrato de um
rei que foi capaz de tornar sacralizado um amor carnal e de abrir as portas do
austero Mosteiro de Alcobaça à materialização simbólica de uma paixão
condenada.”
O túmulo de Inês de Castro, nas
palavras de Fernão Lopes “huum muimento dalva pedra todo mui sotillmente
obrado”, apresenta-a coroada, como
Rainha, de olhos abertos, ressuscitada, com o seu corpo enquadrado por seis
anjos querubins, que amparam a rainha, elevando-a do tampo, anunciando e
garantindo a Ressurreição Final. Na secção da tampa encontramos uma decoração
heráldica com escudos colocados sobre um friso arquitectónico, onde alternam as
armas de Portugal com as arruelas dos Castros. Para além de coroada D. Inês é
“figurada em postura ambígua de etiqueta cortês”, ou seja, Vieira da Silva
chama a atenção para a diferença que as mãos de D. Inês exibem em contraste com
o que geralmente se reproduzia nos túmulos das outras rainhas: em vez das mãos
levantadas em oração ou leitura, a Castro segura um colar e uma luva, quem
sabe, em homenagem à sua beleza.
O facto de aparecer coroada pode,
ainda, concordar com aquilo que se observa na Roda da Fortuna (círculo
interior), tal como denotam as interpretações feitas por Luís Afonso e José
Custódio Vieira da Silva, onde se podem observar alterações no posicionamento
das imagens de D. Pedro e de D. Inês, cada vez mais comprometidas com atitudes
que formalizam uma ligação entre ambos, até mesmo um casamento. A seus pés,
estão pequenos cães domésticos.
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