terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O Túmulo de Inês de Castro - I





A 7 de Janeiro de 1355, era executada nos Paços de Santa Clara, em Coimbra, por ordens do rei D. Afonso IV, a formosa Inês de Castro por quem o infante D. Pedro se tinha apaixonado.
Depois de subir ao trono e para glorificar a sua amada, D. Pedro mandou erigir os dois túmulos que se podem admirar no Mosteiro de Alcobaça, símbolos de um amor eterno cujo encanto perdura até aos dias de hoje, “Delicioso poema de amor gravado na álgida dureza de um grande bloco calcareo”.
Dando início a uma nova rubrica, intitulada Tumulária Medieval, achei por bem, começar por estas duas obras máximas da nossa escultura funerária, capazes de ombrear e rivalizar com as melhores produções europeias da época.
Os monumentos de D. Inês de Castro e de D. Pedro, que se conservam no Mosteiro de Alcobaça, são de estilo gótico e feitos em calcário da região de Coimbra, sendo que a sua autoria continua desconhecida, embora surjam em geral duas propostas: uma atribuindo-os a artistas estrangeiros (nomeadamente franceses), outra sugerindo que resultam da evolução da escultura tumular portuguesa. É provavelmente obra de mais de que um mestre (tendo em atenção a dimensão da obra encomendada e o tempo de acção requerido).
Estes jacentes, de origem, foram colocados no transepto sul da Igreja, lado a lado, com D. Inês colocada à mão direita de D. Pedro, (em conformidade com o código cavaleiresco), como aliás devia acontecer entre marido e mulher, com os pés voltados para S. Bento, que era o Santo da capela que os abençoava, no interior do Mosteiro, e não na Galilé, onde repousavam outros membros da família real, por decisão do rei, conforme Fernão Lopes esclarece “nom aa emtrada hu jazem os Reis, mas demtro da egreja há mãao dereita acerca da capella moor”. Passaram depois para a Sala dos Túmulos, cerca de 1827 e aí colocados em frente um do outro. Em 1956 foram retirados desta sala e colocados novamente no transepto, o de D. Inês no braço norte, e o de D. Pedro no braço sul.
A decisão de criar os monumentos deve ter sido tomada pouco depois do monarca ter chegado ao trono. Em 8 de Setembro de 1358, quando confirmou os privilégios e jurisdições do Mosteiro de Alcobaça, a decisão já estava tomada: “…outrossy como nos em el ajamos singular afeiçom e especial devaçom e como seia nosso propósito e entençom de nos mandar hi deitar e dona Ines de Castro nossa molher…”.
É mesmo possível que o primeiro monumento, destinado a Inês já estivesse a ser executado. Ao certo, podemos assumir que estava concluído em 1361, data da solene trasladação dos seus restos mortais do Mosteiro de St.ª Clara-a-Velha, onde recebera primeira sepultura, para a Real Abadia de Alcobaça. A cerimónia da trasladação, descrita por Fernão Lopes, deve ter sido impressionante, não hesitando o cronista em declarar que fora “a mais honrrada trelladaçom que ataa aquel tempo em Purtugal fora vista. Pelo caminho estavam muitos homens com círios nas mãos de tal guisa ordenados, que sempre o seu corpo foi por todo o caminho por entre círios acesos; e assim chegaram até ao dito Mosteiro, que eram dali dezassete léguas, onde com muitas missas e grande solenidade foi posto em aquele muimento…”.
No que ao túmulo de Inês diz respeito, Luís Afonso, na sua obra, explica-nos que “entre os motivos de perturbação e surpresa, destaca-se o facto de nunca antes o túmulo de um leigo ter sido introduzido na igreja do mosteiro cisterciense de Alcobaça, templo que funcionava como uma espécie de panteão régio da primeira dinastia portuguesa cujos corpos repousavam fora da igreja, na galilé. Este túmulo colocava em causa a memória do progenitor de D. Pedro, uma vez que a defunta havia sido mandada executar pelo rei, por razões que supostamente se prendiam com a segurança e estabilidade política do reino…”. A este mesmo propósito escreveu-se também que “os túmulos de Pedro e Inês, para além da posição que ocupam na escultura europeia dos Trezentos, dão-nos um magnífico retrato de um rei que foi capaz de tornar sacralizado um amor carnal e de abrir as portas do austero Mosteiro de Alcobaça à materialização simbólica de uma paixão condenada.”
O túmulo de Inês de Castro, nas palavras de Fernão Lopes “huum muimento dalva pedra todo mui sotillmente obrado”, apresenta-a coroada, como Rainha, de olhos abertos, ressuscitada, com o seu corpo enquadrado por seis anjos querubins, que amparam a rainha, elevando-a do tampo, anunciando e garantindo a Ressurreição Final. Na secção da tampa encontramos uma decoração heráldica com escudos colocados sobre um friso arquitectónico, onde alternam as armas de Portugal com as arruelas dos Castros. Para além de coroada D. Inês é “figurada em postura ambígua de etiqueta cortês”, ou seja, Vieira da Silva chama a atenção para a diferença que as mãos de D. Inês exibem em contraste com o que geralmente se reproduzia nos túmulos das outras rainhas: em vez das mãos levantadas em oração ou leitura, a Castro segura um colar e uma luva, quem sabe, em homenagem à sua beleza.

O facto de aparecer coroada pode, ainda, concordar com aquilo que se observa na Roda da Fortuna (círculo interior), tal como denotam as interpretações feitas por Luís Afonso e José Custódio Vieira da Silva, onde se podem observar alterações no posicionamento das imagens de D. Pedro e de D. Inês, cada vez mais comprometidas com atitudes que formalizam uma ligação entre ambos, até mesmo um casamento. A seus pés, estão pequenos cães domésticos.



 

Sem comentários:

Enviar um comentário