A mais famosa obra da ourivesaria portuguesa, quer pelo seu mérito artístico, quer pelo seu significado, foi mandada lavrar pelo rei D. Manuel I, com o primeiro ouro trazido do reino de Quiloa (500 moedas enviadas pelo Sultão deste reino como tributo), por Vasco da Gama na sua 2ª viagem à India em 1503, e doada depois ao Mosteiro de Santa Maria de Belém (Jerónimos).
Esta obra-prima do gótico final, atribuída a Gil Vicente, demorou 3 anos a ser executada, conforme se pode ler na legenda que corre em torno da base:
O. MVITO. ALTO. PRI(N)CIPE. E. PODEROSO. SE(N)HOR. REI. DÕ. MANVEL.I. A. MANDOV.FAZER. DO OVRO. I .DAS.PARIAS. DE. QVILOA. AQVABOV. E.CCCCCVI
A palavra custódia significa em latim guarda, e em linguagem sacra designa o vaso usado para guardar e expor à veneração dos fiéis o Filho de Deus, eucarísticamente presente na Hóstia Consagrada, em torno da qual, nesta peça prodigiosa, se ajoelham os doze apóstolos perfeitamente individualizados. Sobre eles paira uma pomba oscilante em ouro esmaltado a branco, símbolo do Espírito Santo, e, no plano superior, a figura de Deus Pai sustenta o globo do Universo, materializando-se deste modo, no sentido ascensional, a representação das três pessoas da Santíssima Trindade, o Novo e o Antigo Testamento.
As esferas armilares, divisa de D. Manuel I, que definem o nó, como que a unir dois mundos (o terreno, que se espraia na base e o sobrenatural, que se eleva na estrutura superior), surgem como a consagração máxima do poder régio nesse momento histórico da expansão oceânica, confirmando o espírito da empresa do Rei Venturoso e o propósito documental que o grande mestre teve em vista.
A base, polilobada e de perfil elíptico, é preenchida nas suas faces por meio-relevos esmaltados, com motivos naturalistas zoomórficos - caracóis e pavões - e de cariz vegetalista - frutos e flores.
A haste hexagonal apresenta um trabalho vazado de fenestrações do gótico flamejante e um nó ressaltado, onde foram aplicadas seis esferas armilares em esmalte.
O corpo da custódia é marcado pela composição de doze esmaltadas figurinhas de Apóstolos, ajoelhados e em oração, rodeando o cilindro de cristal. Cobre-o um alto e esbelto baldaquino hexagonal, magnificamente trabalhado com arcarias góticas e pináculos cogulhados. Dividido em dois andares, o primeiro encerra a pomba do Espírito Santo e o superior possui a figura do Padre Eterno, rematando a composição uma cruz latina esmaltada.
Lateralmente, duas esguias pilastras sustentam o baldaquino central e apresentam uma série de arcos, onde se inserem estátuas miniaturais de anjos e profetas e ainda uma "Anunciação" - com as minúsculas figuras da Virgem e de S. Miguel Arcanjo.
Esta profusão decorativa, encerra na sua disposição iconográfica, uma eminente carga simbólica, oscilando entre o poder real e o poder divino, entre a esfera terrestre e a esfera celeste. Na base subsiste o mundo terreno e natural, que é presidido pelo poder régio de D. Manuel I, simbolizado pelas esferas armilares no nó da peça. O divino povoa toda a parte superior da Custódia, aludindo explicitamente à Santíssima Trindade.
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, a custódia foi retirada do Mosteiro dos Jerónimos e enviada à Casa da Moeda para fusão. Salva da destruição pela acção esclarecida de D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, rei consorte de Portugal pelo seu casamento com a rainha D. Maria II de Portugal esta preciosidade da ourivesaria nacional passou a integrar as colecções de arte que este rei mecenas possuía no Palácio das Necessidades. Com o advento da República, a custódia foi transferida para a sua actual morada, o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.
Há poucos anos foi alvo de uma intervenção de limpeza, tratamento e consolidação do ouro e dos esmaltes sendo totalmente desmontada peça a peça e restaurada com grande cuidado.
Fontes:
www.mnarteantiga-ipmuseus.pt
www.infopedia.pt
www.wikipedia.org
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