quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular


Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
E ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.

E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.

Natália Correia “Poesias Completas”

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vamba - História e Lenda - I

Último dos grandes reis visigodos, Vamba ou Wamba, reinou de 672 a 680, mas o seu nome está associado a várias lendas, começando logo pela da sua subida ao trono.
Conta-se que após o falecimento do rei Recesvinto, e dada a falta de herdeiros naturais, a sucessão ao trono se tornou tão complicada, que uma delegação de nobres visigodos se dirigiu ao Papa, pedindo-lhe auxílio. Este, sem saber o que decidir, pôs-se a rezar a Deus, pedindo-lhe uma solução. E o Senhor revelou-lhe a existência de Vamba, e que o encontrariam a lavrar as suas terras com um boi branco e outro vermelho. Retornando os embaixadores ao seu país, logo enviaram diversos mensageiros pelo reino, à sua procura.
Acontece que ao passaram por um lugar chamado de Idanha a Velha, ouviram uma voz de mulher vinda de uma quinta próxima, dizer:
- Vamba, deixai os bois e vinde comer!
Então, os mensageiros foram ter com ele e disseram-lhe que teria de os acompanhar pois tinha sido eleito rei dos visigodos. Contrariado, Vamba que já era de uma idade avançada, recusou e pegando na vara de tanger os bois que tinha na mão, espetou-a na terra, dizendo que só seria o rei deles, quando a sua vara desse flores e frutos…
Para espanto de todos, a vara imediatamente se encheu de lindas flores e frutos perfumados!
Vendo este milagre, todos ajoelharam e Vamba, pegando na sua mulher, foi-se com eles para a Corte.
Levado para Toledo, ali foi consagrado e ungido pelo arcebispo, e todos os altos homens do reino lhe juraram obediência.
E ainda reza a lenda, que estando o rei Vamba de joelhos ante o altar de Santa Maria para ser ungido, lhe saiu da boca uma abelha que voou direita para o céu, de tal modo que todos os que estavam em seu redor a viram, e disseram que aquela abelha significava que este rei honraria o seu título e o seu reino!
É realmente uma lenda bonita, mas a realidade foi bem menos poética…
De ascendência nobre e já de idade avançada, acompanhou o rei Recesvinto nos seus momentos finais. Na reunião que se seguiu para escolherem o sucessor do falecido rei, Vamba foi o escolhido para lhe suceder. Declinando a oferta devido à sua idade, foi disso dissuadido pela enérgica atitude de um dos condes presentes que de espada na mão lhe disse que “daquela sala só sairia feito rei ou morto”.
E assim, a 1 de Setembro de 672, no mesmo lugar e no mesmo dia em que Recesvinto morria, Vamba era aclamado como o novo rei dos Godos, sendo ungido em Toledo, a 19 do mesmo mês, pelo bispo Quirico.
O seu reinado não foi nada fácil, pois passou-o quase todo combatendo as diversas sublevações de alguns nobres, sendo as mais graves, a de Hilderico, conde de Nimes, apoiado por parte da Igreja e por um númeroso grupo de judeus, descontentes com as políticas anti-semitas dos reinados anteriores, e a do duque Paulo enviado para derrotar Hilderico.
Vamba encontrava-se na altura na região da Cantábria sufocando uma revolta dos vascões, quando lhe chegou a notícia de que Paulo, chegado à Tarraconense, tinha entrado em acordo com os revoltosos, conseguindo que estes o aclamassem como rei daquela região.
Com a perspectiva de uma guerra civil pela frente, Wamba inflige uma pesada derrota aos vascões e reunindo todas as suas tropas fiéis e o apoio de uma poderosa frota naval, avança sobre os rebeldes, arrasando literalmente a província Tarraconense. Os redutos da Narbonense continuaram a luta, só se rendendo depois de uma batalha cruel. Narbona e Nimes caíram a seguir e Paulo foi feito prisioneiro e ridicularizado em público, desfilando à frente da fila de prisioneiros descalços e de cabeça rapada, que entraram em Toledo atrás do triunfante Vamba.


domingo, 19 de fevereiro de 2012

DE TARDE

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoilas.

Pouco depois, em cima de uns penhascos,
Nós acampámos, ainda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoilas.

Cesário Verde

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Cronologia dos Reis Godos


A dominação dos visigodos na Península Ibérica durou cerca de três séculos e foi durante este período que se estabeleceram na Península os traços fundamentais do que viria a ser a sociedade medieval portuguesa: uma sociedade tripartida, formada por clero, nobreza e povo.
Praticando a religião ariana, a sua fusão com os católicos habitantes hispano-romanos da Hispânia, não foi fácil. Regiam-se por leis diferentes, e os casamentos mistos eram proibidos. Eram uma classe de guerreiros, e só a eles era permitido usar armas.
Em 589, o rei visigodo Recaredo converteu-se ao catolicismo, e em 654, foi elaborada uma lei geral – o Código Visigótico – que se destinava a ser aplicada a todos os habitantes da Península, independentemente da sua raça.
Em 711, o rei Rodrigo foi completamente vencido na batalha de Guadalete, pelo berbere Tarik, que atravessando com o seu exército o estreito de Gibaltar, deu início à invasão árabe da Península, pondo fim ao domínio visigodo.
Reino Ariano de Toulouse

Alarico I - (395-410)
Ataúlfo - (410-415)
Sigerico - (415)
Vália (ou Wália) - (415-418)
Teodorico I - (418-451)
Turismundo - (451-453)
Teodorico II - (453-466)
Eurico - (466-484)
Alarico II - (484-507)

Reino Ariano de Toledo

Gesaleico (ou Geserico) (507-511)
Amalarico (511-531)
Têudis (531-548)
Teudiselo (ou Teudisigelo) (548-549)
Ágila I (ou Agila I) (549-554)
Atanagildo (554-567)
Liúva I (567-572)
Leovigildo (572-586)

Reino Católico de Toledo

Recaredo I (586-601)
Liúva II (601-603)
Viterico (ou Witerico) (603-610)
Gundemaro (610-612)
Sisebuto (612-621)
Recaredo II (621)
Suíntila (621-631)
Sisenando (631-636)
Chintila (636-639)
Tulga (639-642)
Chindasvinto (642-653)
Recesvinto (653-672)
Vamba (ou Wamba) (672-680)
Ervígio (680-687)
Égica (687-702),
Vitiza (ou Witiza) (702-710)
Rodrigo (ou Roderico) (710-711)

Fim do Reino de Toledo e Invasão muçulmana da Hispânia.


De todas as terras quantas há desde o Ocidente até à Índia, tu és a mais formosa, ó sacra Hispânia, mãe sempre feliz de príncipes e de povos!
(…) Com razão te cobiçou Roma, cabeça das gentes e embora te desposasse a vencedora fortaleza Romúlida, depois o florescentíssimo povo godo após vitoriosas peregrinações por outras partes da orbe, a ti amou, a ti raptou e goza-te agora com segura felicidade, entre a pompa régia e o fausto do Império.
Santo Isidoro de Sevilha, De Laude Spaniae.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sebastião da Gama


Faz hoje 60 anos que faleceu a 7 de Fevereiro de 1952, Sebastião da Gama, “o Poeta da Arrábida”.
De seu nome completo Sebastião Artur Cardoso da Gama, nasceu em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de Abril de 1924, licenciando-se em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1947 e iniciando ainda esse ano a sua actividade de professor, que exerceu em Lisboa, Setúbal e Estremoz.
Aos 14 anos foi-lhe diagnosticada uma tuberculose renal, pelo que se fixou com sua mãe no Portinho da Arrábida. O mar e a imponente Serra que dominava toda a paisagem tornaram-se nos temas principais da sua obra poética, desde logo no seu livro de estreia, Serra-Mãe, em 1945, seguindo-se “Loas à Senhora da Arrábida”, 1946, e “Cabo da Boa Esperança” em 1947.
Em carta a David Mourão-Ferreira, em 1946, defende que "a arte é a vida, nos seus matizes múltiplos, posta em beleza, não a política, não a religião, não a moral postas em beleza; que o artista verdadeiro apenas responde às vozes que chamam dentro de si - o que não quer dizer que essas vozes não tenham sido caldeadas em muitas vozes exteriores." (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - 20 Poetas Contemporâneos, 1980, p. 232).
Mesmo sabendo que não viveria muito tempo, os textos dos seus poemas caracterizam-se por uma candura muito pessoal e pelo amor à natureza e ao ser humano. Casou em 1951 com Joana Luísa, sua vizinha e amiga de infância, na Capela do Convento da Arrábida, tendo sido esta, a primeira cerimónia ali celebrada. Nesse mesmo ano, publica a sua quarta obra, “Campo Aberto”.
Em 1948 é fundada por seu intermédio, a Liga para a Protecção da Natureza, a mais antiga organização ambiental da Península Ibérica. Ao constatar a destruição gradual da Mata do Solitário, na Serra da Arrábida, seu lugar de culto, pela mão de um empresário local, Sebastião da Gama, indignado, escreveu uma carta ao Professor Doutor Baeta Neves, salvando assim aquela mata da extinção.
Colaborador das revistas Árvore e Távola Redonda, Sebastião da Gama ficou para a história, pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos, registado nas páginas do seu famoso “Diário”, iniciado em 1949 e editado postumamente em 1958. Interessantíssimo testemunho da sua experiência como docente, é um livro admirável em que o dia a dia de um professor nos é contado.
Sete meses após o seu casamento, morre o poeta, vitimado pela doença de que sofria desde a adolescência.
Após a sua morte, foram também editados “Pelo Sonho É Que Vamos”, 1953, ” Itinerário Paralelo”, 1967, “O Segredo é Amar”, 1969 e “Cartas I”, 1994).
As Juntas de Freguesia de São Lourenço e de São Simão instituíram, com o seu nome, um Prémio Nacional de Poesia. No dia 1 de Junho de 1999, foi inaugurado em Vila Nogueira de Azeitão, o Museu Sebastião da Gama, destinado a preservar a sua memória e a sua obra.
A ternura que tinha pelos seus alunos e o amor que dedicava à sua profissão, estão bem expressas por estas duas frases (interrogação e resposta), que constam do seu “Diário”:
“Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar” (…)


Pequeno Poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém…
para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha mãe.

Sebastião da Gama

Meus amigos,

Há quase 15 dias que nada escrevo no meu blog, mas uma “valente” gripe, fruto desta época bem fresquinha, afastou-me temporariamente do vosso convívio.

Já restabelecida, cá estou eu de novo, recomeçando as minhas mensagens com uma homenagem a um poeta nosso, não muito conhecido e até um pouco esquecido, mas profundamente humano, chamado Sebastião da Gama!