quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – III


“D. Joana, pela graça de Deus, rainha de Castela, de Leão, de Portugal, de Toledo, de Sevilha, de Córdova, de Múrcia, de Jaén, do Algarve, de Algeciras, de Gibraltar, Senhora de Viscaya e de Molina”.

Contando com o apoio dos nobres castelhanos partidários de Joana, e com promessas de auxílio de Luís XI, rei de França, D. Afonso V entra em Castela com o seu exército, tendo-se entretanto efectuado o casamento por procuração no Castelo de Trujillo, pertencente ao marquês de Vilhena, tutor da infanta. Findo este, foi a princesa conduzida a Palência, em cuja catedral se celebrou solenemente o matrimónio e onde pela primeira vez D. Joana, com apenas 13 anos de idade, se encontrou com o seu tio e marido, 40 anos mais velho…

Embora D. Afonso V se tenha casado com a sobrinha ao abrigo de uma dispensa papal expedida por Pio II, que lhe permitia fazê-lo “com mulher livre, solteira e não raptada”, e legitimando os filhos que viessem a nascer, imediatamente se enviou um pedido ao papa Sisto IV, para que fosse passada outra mais específica, dados os laços de consanguinidade que uniam os nubentes.

Apesar de o matrimónio não poder ser consumado devido à pouca idade da noiva, procedeu-se à entronização dos cônjuges como Reis de Castela e Leão, após o que os seus adversários, Isabel e Fernando de Aragão, se passaram a intitular Reis de Portugal.

Com Castela dividida entre duas rainhas, uma apoiada por Aragão e a outra auxiliada por Portugal, depressa se chegou ao confronto armado. Em 1476, a batalha de Toro, perto de Zamora, pôs fim às ilusões de Joana…D. Afonso V, apesar de ter jurado nunca a retirar dos seus reinos, prometendo-lhe conquistá-los e pacificá-los, entendeu por bem abandonar Castela e regressar a Portugal com a sua jovem mulher para preparar uma nova invasão.

A nova rainha de Portugal é escoltada até Abrantes pelo príncipe D. João, onde fica completamente afastada da corte e do rei, que entretanto se deslocara a França em busca de auxílio militar, tanto de Luís XI como do duque da Borgonha, Carlos o Temerário, filho de sua tia Isabel, assim como da intercessão destes junto do papa para que a bula requerida para a consumação do matrimónio fosse expedida. Mas o caracter fraco e indeciso do rei de Portugal assim como a sua boa-fé foram aproveitados pelo monarca francês para se livrar do seu principal inimigo, o duque da Borgonha, assinando depois um acordo com Isabel e Fernando de Aragão, retirando o seu apoio ao rei português.

Por sua vez Sisto IV, pressionado pelos reis castelhanos, não envia a bula requerida, e o monarca português, velho, gasto e cansado, resolve abdicar do trono, mandando que seu filho seja o rei, partindo para Jerusalém com a intenção de consagrar a sua vida a Deus!

E a jovem D. Joana? Duas vezes rainha, por nascimento e por matrimónio, esbulhada do seu reino de Castela ao qual nunca mais voltaria, a sua situação em Portugal era bastante incómoda. Rainha consorte ainda à espera da legitimação e consumação do matrimónio, afastada de uma corte que não a queria, abandonada pelo marido vivia em Aveiro junto de sua prima e enteada, também chamada Joana, à espera que o seu destino se decidisse…

E a sua sorte não melhorou com o regresso de D. Afonso V ao reino. Instado pelo filho aceitou de novo a coroa, mas deixou que se entabulassem conversações com Castela tendo em vista a reconciliação entre os dois reinos e o que fazer de D. Joana. Por Portugal, foi a infanta D. Beatriz, cunhada do rei português e tia da jovem rainha que conduziu as negociações junto da representante de Castela, a outra tia da infanta, a própria rainha D. Isabel.

O Tratado de Alcáçovas, também chamado de Alcáçovas-Toledo, ou Paz das Alcáçovas assinado a 4 de Setembro de 1479, ratificado pelo rei de Portugal em Setembro do mesmo ano e pelos futuros Reis Católicos em Março de 1489, em Toledo, seguido das chamadas “Tercerias de Moura”, de que falaremos a seguir, põe fim a todas as ilusões que a infeliz D. Joana pudesse albergar…

Depois de pedida a anulação do seu casamento, sacrificada pela própria família aos interesses de Estado, prefere aceitar a entrada num convento do que sujeitar-se às humilhações que os tratados lhe impõem…

 

 

 

sábado, 17 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – II


Para acabar com esses rumores, o rei permitiu um parto público, pelo que, no momento do nascimento da pequena infanta, a quem foi dado o mesmo nome da mãe, encontravam-se, além do Rei e do arcebispo de Toledo, vários senhores da grande nobreza castelhana, certificando com a sua presença conforme os costumes da época, que não havia troca de crianças e se tratava realmente do filho do rei e da rainha.

Apesar disso, e de se constar muito em segredo que a rainha teria engravidado através de fecundação assistida praticada pelo médico judeu da corte com processos rudimentares (a primeira de que se tem conhecimento), a pedido do próprio Henrique IV para quem o nascimento de um herdeiro era absolutamente vital, os boatos sobre a infidelidade da rainha aumentaram quando se soube que oito dias antes do nascimento da princesa, o rei tinha elevado D. Béltran de la Cueva a conde de Ledesma!

A partir daí, a pequena Joana passou a ser apelidada de “a Beltraneja” pela forte facção dos nobres que se opunham ao rei, o que não impediu que fosse reconhecida como herdeira do trono nas Cortes de Toledo, reunidas nesse mesmo ano.

Dois anos depois do nascimento de Joana, o monarca, incapaz de resistir às pressões dos seus opositores e para evitar maiores confrontos, aceitou nomear o seu meio-irmão Afonso, de onze anos de idade, como seu sucessor, na condição de que este casasse com a sobrinha. Desta maneira, o próprio pai reconhecia publicamente a bastardia da filha!

 Como mesmo assim as intrigas palacianas e a contestação não abrandassem, Henrique IV procurou apoio militar em Portugal, oferecendo ao rei D. Afonso V, seu cunhado e viúvo há vários anos, a mão da sua meia-irmã Isabel, negociando também o casamento do príncipe herdeiro português, João, com a sua filha Joana.

A oferta era excelente para Portugal, mas o rei português apesar de ter assinado os capítulos do contracto matrimonial em Setembro de 1465, não se deu a grandes pressas e a oportunidade gorou-se para desgosto do príncipe de Portugal, entusiasmado com esse casamento.

Mas em Castela os anos que se seguiram foram bastante conturbados, ficando a rainha e a princesa “reféns” das mais poderosas famílias que apoiavam, ou melhor, dominavam o rei. A rainha D. Joana foi entregue à guarda do arcebispo de Sevilha, acabando por se apaixonar por um sobrinho deste, de quem teve dois filhos, o que não obstou a que até ao fim da sua vida lutasse pelos direitos sucessórios da filha. Ao contrário do marido, fraco e indeciso, a rainha de Castela tinha um caracter forte e enérgico que até os seus adversários reconheciam…Contudo, esta paixão foi funesta para a sua reputação e em nada beneficiou a filha.

Em 1468 morre em Castela o infante D. Afonso vitimado pela peste, e as forças contrárias ao rei através do pacto de Toros de Guisando, impõem a infanta Isabel como herdeira do trono castelhano, ao que Henrique IV, velho e cansado, mais uma vez acedeu, com a condição de que a infanta se não poderia casar sem o seu consentimento. Novamente Joana era humilhantemente preterida, desta vez em favor da sua tia e madrinha, apenas o tutor da pequena princesa protestou junto do papa contra a exclusão da legítima herdeira. Neste pacto, o rei concordou também em separar-se da rainha, devido ao seu adultério.

Quando em 1469, o Papa Paulo II envia a bula de dispensa de impedimento de casamento devido à proximidade de parentesco, Isabel quebrou o acordo e à revelia do irmão casou-se com o príncipe herdeiro de Aragão. Furioso, Henrique IV revoga o pacto anterior e Joana volta novamente a ser declarada a legítima sucessora do trono castelhano, depois de sua mãe ter jurado de que ela era verdadeiramente filha legítima do rei, primogénita e única herdeira do reino, juramento esse feito publicamente durante uma missa celebrada para o efeito, assistida pelo rei e parte da nobreza, sendo esse juramento sacramentado pela comunhão, após o que a rainha se recolheu ao Convento de S. Francisco de Madrid.

Em Outubro de 1470 é proclamada Princesa das Astúrias e outro noivo se perfila no horizonte…Desta vez a escolha recaiu sobre Carlos, duque de Guyenne e Berry, irmão de Luís XI de França, tendo-se realizado os esponsais por procuração. Mas como diz o velho ditado – Quando a sorte é adversa nada vale ao infeliz – ainda não foi desta vez que a pequena princesa de oito anos conheceu o noivo. Em 1472 o duque morre e a dança matrimonial continua…

As atenções voltam-se novamente para Portugal, mas como o príncipe João entretanto se tinha casado com sua prima Leonor, a mão de Joana foi oferecida ao rei D. Afonso V. Enquanto as negociações decorriam, o monarca castelhano que já se encontrava doente morre em 1474, ao regressar de uma caçada, e seis meses depois morria a rainha Joana, deixando a jovem princesa entregue aos cuidados dos seus tutores, o cardeal de Espanha, o duque de Arévalo, o marquês de Vilhena, o condestável de Castela e o conde de Benavente.

Com apenas doze anos de idade, Joana encontrava-se órfã de pai e de mãe, à espera de um marido que defendesse os seus direitos à Coroa castelhana, pois assim que o rei morreu, a infanta Isabel proclamou-se como a legal sucessora ao trono, com base no testamento do seu pai, o rei João II, e na ilegitimidade da “Beltraneja”, fazendo-se jurar como rainha de Castela.

E aí o rei português acordou! Ao ver tão ao seu alcance a Coroa de Castela, o último rei cavaleiro da Idade Média em Portugal, pôs de lado o seu longo celibato de vinte e três anos e correu em socorro da sua pequena dama…

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Excelente Senhora – I



Nascida para reinar, nunca a coroa de rainha que lhe estava destinada pousou na sua cabeça…Noiva várias vezes e depois casada, o seu matrimónio nunca foi consumado…E a sua juventude sumiu-se aos 18 anos de idade, por detrás das grades de um convento

Filha única do rei Henrique IV de Castela e da sua segunda esposa, a princesa D. Joana, irmã do rei D. Afonso V de Portugal, nasceu a 28 de Fevereiro de 1462, ao fim de sete anos de matrimónio, sendo-lhe posto o nome de sua mãe, Joana. A sua madrinha de baptismo foi a meia-irmã de seu pai, a infanta Isabel, mais tarde conhecida como “Isabel, a Católica”, que num futuro próximo lhe tomaria a coroa sem nenhum remorso.

Jurada herdeira da coroa castelhana no mesmo ano em que nasceu, é o seu próprio pai, que em 1464 lhe passa um atestado de ilegitimidade, quando, cedendo a pressões internas, nomeia herdeiro do trono a seu meio-irmão Afonso, na condição de que ele case com a sobrinha!

Tão pouca idade e já tão maus pronúncios… Mas porquê?

Recuemos um pouco no tempo…

Henrique IV, então apenas o herdeiro do trono de Castela, tinha casado aos 16 anos com Branca de Navarra, da qual se separou 13 anos mais tarde, já rei, e sem, ao que parece, conseguir consumar o matrimónio. Os rumores de impotência do rei espalharam-se pelas diversas cortes, mas isso não impediu que D. Afonso V, de Portugal, lhe cedesse a sua jovem e bela irmã em casamento. A esterilidade era sempre atribuída às mulheres,

além de que, havia prostitutas que garantiam a virilidade do monarca castelhano…e a paz com Castela era muito mais importante!

E assim, depois de obtida a dispensa papal para o casamento, visto serem primos, o matrimónio realizou-se em Maio de 1455. Mas Henrique IV proibiu que na manhã seguinte à noite de núpcias fosse exibido, como era costume, o lençol manchado de sangue atestando a virgindade da rainha e a virilidade do rei, Da virgindade da rainha, com apenas 16 anos de idade, ninguém duvidava, mas os rumores de impotência do rei foram aumentando de tom, conforme os anos passavam sem que o esperado herdeiro aparecesse.

Por sua vez, o comportamento frívolo da rainha e das suas damas não eram de molde a pacificar os rumores, pelo contrário. A rápida ascensão na corte de um jovem e atraente fidalgo chamado Beltrán de la Cueva, que tinha conquistado as simpatias do casal real, e junto de quem a rainha se divertia em saraus e torneios, assim como a deterioração das relações do rei com o seu valido, o marquês de Villena, levaram a que em breve se falasse na homossexualidade do monarca e nos amores da rainha com o novo favorito.

Henrique IV assumiu então de forma escandalosa duas relações públicas, uma delas com uma das damas da rainha, provavelmente para provar a falta de fundamentos dessas acusações, mas nenhuma delas deu “frutos”.

Quando em 1462, ao fim de sete anos de casamento, a rainha ficou finalmente grávida, foram muitos os que duvidaram da verdadeira paternidade da criança…