… “deixou o
título de rainha, e tomou o nome de D. Joana, e despiu o seu corpo dos brocados
e sedas que trazia, e vestiram-na com os hábitos pardos de Santa Clara.
Tiraram-lhe da cabeça a Coroa Real de Castela e Portugal de que era intitulada,
cortaram-lhe os seus cabelos como a uma pobre donzela, e por maior agravo e
mágoa, não lhe deixaram os servidores de seu gosto e vontade, nem nada que
tivesse imagem d’estado”.
Foi assim que
Rui de Pina, nas suas Crónicas, se refere à entrada de D. Joana, a 6 de Outubro
de 1479, no Convento de Santa Clara de Santarém, dando início ao estipulado nos
acordos assinados em Alcáçovas. Por duas vezes é deslocada para outros
conventos devido aos surtos de peste que assolaram o país, até que no verão de
1480 é conduzida pelo príncipe D. João para Santa Clara de Coimbra onde, a 15
de Novembro desse mesmo ano, acabado o noviciado, pronuncia os votos solenes na
presença do príncipe herdeiro português e dos embaixadores castelhanos enviados
pelos Reis Católicos.
Não foi sem uma
certa revolta que a infanta se resolveu a professar, mas D.João, para quem a
razão do Estado justificava este sacrifício, pressionou-a “com esperanças de
futuro bem e com palavras assy brandas e prudentes”. Confiando no príncipe, D. Joana
acedeu.
D. Afonso V
esteve sempre afastado deste processo, mas a 21 de Outubro desse ano, contrariamente
ao acordado em Alcáçovas, resolve restituir o título de infanta a D. Joana:
“A nós praz que
a muito excelente Senhora Dona Joana, minha muito prezada e amada sobrinha,
haja daqui em diante e goze de todas as honras, privilégios, liberdades e
franquezas que sempre houveram e de que sempre gozaram as infantas, filhas dos
reis destes reinos”. Apenas o título de “Excelente Senhora” lhe foi concedido.
Em 1481 morre de
peste D. Afonso V no palácio de Sintra, no mesmo quarto onde nascera quarenta e
nove anos antes. Sobe ao trono seu filho, o rei D. João II e nesse mesmo ano já
a Excelente Senhora se não encontrava no convento, tendo regressado a Abrantes,
para grande inquietação dos Reis Católicos que em 1483 pediram ao Papa a
emissão de uma bula que a proibisse sair do convento. Como D. João II não fizesse
caso da bula papal, foi redigido outro acordo em como este jurava que não lhe
permitiria casar, sair de Portugal ou abandonar a vida religiosa.
Durante toda a
sua longa vida, D. Joana constitui sempre um perigo para os reis de Espanha e
um trunfo para os reis portugueses que lhe proporcionaram, como diz Damião de Góis,
Casa e estado de rainha, recusando sempre entregá-la a Castela.
Em 1505, depois
da morte de Isabel, a Católica, o seu viúvo Fernando de Aragão propôs casamento
a D. Joana, que recusou.
Atravessou os
reinados de D. João II, de D. Manuel I, que a mandou vir de Abrantes para
Lisboa, onde viveu nos Paços da Alcáçova, e a quem os Reis Católicos com receio
de um possível enlace entre eles, ofereceram ao rei português a mão da sua filha
mais velha, Isabel, e após a morte desta, a mão da segunda. Em 1522, reinando
já D. João III, e por achar que já não estava em idade para casar e ter filhos,
nomeou-o herdeiro dos seus direitos, assinando o documento como: Yo, La Reina.
Faleceu a 28 de
Julho de 1530, aos 68 anos de idade, nos Paços da Alcáçova e foi sepultada no Mosteiro
de Santa Clara de Lisboa, num jazigo junto à sala capitular, embora no seu
testamento tivesse pedido para a sepultarem no Convento de Santo António do
Varatojo, com o hábito de S. Francisco. Os reis portugueses puseram luto em sua
homenagem e em 1545, a rainha D. Catarina mandar-lhe-ia construir um túmulo
mais adequado à sua condição de “Rainha de Castela e Leão”.
Mas porque Deos
nom padece engano por castigo, a infeliz Beltraneja pôde assistir em vida ao
ruir das ambições dinásticas dos que tanto mal lhe fizeram. D. João II viu
morrer o seu único filho, D. Afonso, logo após o tão ambicionado casamento com
a infanta Isabel de Espanha, sem deixar herdeiros, ficando o trono para um ramo
colateral. Isabel, a Católica, viu morrer também o seu único filho varão sem
descendência, depois as outras duas filhas e um neto, ficando o trono de
Castela para a sua filha mais nova, Joana, cuja demência fez com que a
encerrassem ainda jovem, no castelo de Tordesilhas para o resto da sua também
longa vida.
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Arteaga, Almudena de – A Beltraneja
Cassotti, Marsílio – A Rainha Adúltera
Crónicas de Rui de Pina
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