Simultâneamente
e para servir de base ao acordo de paz alcançado pelo Tratado das Alcáçovas,
essencialmente político, redigiu-se o chamado Tratado das Terçerias ou
Terçarias de Moura, em que se definiam as questões referentes à crise dinástica
castelhana, além de registar as garantias de paz dadas por cada uma das partes.
”Terçaria” significa
caução ou depósito à guarda de outrem, neste caso “o depósito” seriam crianças,
quase como se fossem reféns.
As condições eram
um tanto duras para qualquer dos lados, mas principalmente para D. Joana de Trastâmara,
a quem os castelhanos chamavam de “empecilho” e que, através deste acordo era
definitivamente arredada da linha sucessória ao trono castelhano.
Vale a pena
realçar que estes acordos foram elaborados, nas suas linhas gerais, por duas
das mulheres mais poderosas do seu tempo que, apercebendo-se da indecisão em
acabar com um conflito que arruinava economicamente os dois reinos, se sentaram
frente a frente e levaram a bom termo as negociações que culminariam numa paz
honrosa e na satisfação das ambições pessoais dos soberanos castelhanos e do
futuro rei de Portugal, D. João II.
Pelo lado
português, a infanta D. Beatriz, duquesa de Viseu, cunhada de D. Afonso V e ao
mesmo tempo, tia e sogra do príncipe herdeiro português; pelo lado espanhol, sua
sobrinha, a própria rainha de Castela, Dona Isabel, filha da irmã mais velha de
D. Beatriz, a infanta Isabel de Portugal, 2ª esposa do rei D. João II, de
Castela.
(A “Excelente
Senhora”, embora também sua sobrinha. era filha de D. Joana, cunhada da duquesa
de Viseu”).
Em todo este processo,
D. Afonso V nem sequer foi ouvido. A 15 de Abril de 1479, delega todos os
poderes do reino em seu filho e herdeiro, excepto o cargo de protector da Universidade
que reserva para si, retirando-se assim não só da vida activa, como de qualquer
participação no futuro da sua jovem esposa.
Como primeira
condição, sem a qual não haveria qualquer negociação, Isabel de Castela exigia
que “la muchacha”, ou seja, D. Joana, renunciasse a todo e qualquer título real
(infanta, princesa, rainha), uma vez que não a considerava filha de rei, nem
que o casamento de seus pais tivesse sido canonicamente válido. Tudo o resto
era passível de acordo.
Assim, ficou
consignado que:
D. Afonso,
primogénito (e único filho sobrevivente, 1475-1491) de D. João, príncipe herdeiro
de D. Afonso V (e futuro D. João II, 1481-1495) casaria com D. Isabel, filha
mais velha dos Reis Católicos de Espanha. Do seu dote metade do valor revertia
para indemnizações do montante gasto por D. Afonso V nas guerras com Castela,
ficando a verba restante passível da sua restituição aos Reis Católicos caso
não se cumprisse o estipulado no acordo preliminar.
A Excelente
Senhora, então com 17 anos de idade, casaria com o filho varão mais velho dos
Reis Católicos, D. João (apesar deste ainda ter apenas 1 ano de idade), quando
este atingisse os 14 anos (e ela então 31…), passando a partir deste matrimónio
a poder intitular-se "princesa" e recebendo uma avultada verba como
direitos senhoriais.
Se D. João,
filho dos Reis Católicos, recusasse desposar D. Joana, era-lhe levantada a
terçaria e receberia de Espanha uma indemnização.
Caso o príncipe
morresse antes do casamento se realizar e houvesse outro filho varão, D. Joana
casaria então com este, caso ela, na altura, não excedesse os vinte anos de
idade.
Poderia renunciar
a este casamento, mas perderia então o direito ao dote e às arras prometidas, e
seria obrigada a ficar em terçaria ou entrar para um convento.
A partir do
momento em que entrasse em terçaria, a Excelente Senhora renunciaria a todos os
títulos que reclamava para si, ou que lhe tivessem sido dados pelo rei de
Portugal.
Caso ela
preferisse, poderia optar de imediato pela vida religiosa – nomeando-se os
conventos que a deveriam receber – comprometendo-se a não interferir nos
assuntos castelhanos. Se resolvesse quebrar a clausura, reentrava imediatamente
em terçaria. A sua deslocação só seria permitida em caso de peste ou de algum
perigo que ameaçasse a sua vida, mas teria de ser dada imediata informação
oficial aos Reis Católicos.
Neste regime foi
estipulado que ficariam também D. Afonso (o filho de D. João II) e D. Isabel
(filha dos Reis Católicos), até que todas as cláusulas do Tratado de Alcáçovas
fossem cumpridas.
Os três ficariam
sob a vigilância e educação da Infanta D. Beatriz de Viseu. Como garantia, esta
infanta entregaria à guarda dos Reis Católicos o seu filho mais velho, D.
Diogo, Duque de Viseu. Como este adoeceu, em seu lugar foi enviado o seu irmão
mais novo, o infante D. Manuel, até que D. Diogo se restabelecesse.
Em regime de
terçaria, conforme estipulado no Tratado, nenhum dos três infantes podia ser
vez alguma visitado nem por D. Afonso V, nem pelo príncipe D. João ou pelos
Reis Católicos. Para este efeito foi escolhida a vila raiana de Moura,
propriedade da duquesa de Viseu.
Joana optou pela
vida monástica em 1480, ingressando nas Clarissas, recusando assim, novamente,
a redução a terçaria. Dois anos depois, em 1482, abandonou o estado claustral,
com D. João II, já rei, que lhe deu estatuto de rainha e casa senhorial com
título e direitos, que manteve durante os reinados seguintes de D. Manuel I,
que muito a estimava, e de D. João III, a quem nomeou como seu herdeiro, ao
falecer.
Apesar de os
reis de Castela obrigarem em 1483 D. João II a jurar que não deixaria que D.
Joana contraísse matrimónio, saísse de Portugal ou abandonasse a vida religiosa,
o certo é que vários casamentos lhe foram apresentados e que sempre recusou.
Toda esta
liberdade inspirou tal receio aos Reis Católicos que, quando D. Manuel I subiu
ao trono, para evitar um possível matrimónio entre ambos e a consequente
reclamação do reino castelhano, estes lhe deram em casamento, sucessivamente,
duas das suas filhas!
E em 1505, já viúvo
de Isabel de Castela, o astucioso Fernando de Aragão, a contas com um
complicado sistema de regência e nada interessado em ceder a coroa a sua filha
e herdeira Joana, casada com Felipe, o Belo, pede a Excelente Senhora em
casamento, para, em seu nome, assegurar a sucessão do mesmo reino de onde, anos
atrás, com tanta dureza e crueldade a tinham afastado…
Fontes: Gomes,
Saúl António – D. Afonso V
Oliveira, Ana
Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
www.infopedia.org
Se quiser ver um original das Terçarias, consulte www.tabeliao.pt. Somos colecionadores de documentação do Douro. Por mera casualidade, este documento foi comprado na Região do Douro.
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