Urbano
Augusto Tavares Rodrigues, nascido em Lisboa a 6 de
Dezembro de 1923, e filho do também escritor Urbano Rodrigues, faleceu
hoje no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, onde se encontrava internado, aos 89
anos de idade.
Criado numa
família de grandes proprietários agrícolas, passou a sua infância em Moura,
Alentejo, recebendo fortemente as influências do campo alentejano e das suas
gentes, o que marcou indelevelmente a sua obra escrita.
Licenciado em
Filologia Românica desde cedo começou a militar na oposição ao Estado Novo,
tendo estado sempre ligado ao Partido Comunista Português o que lhe valeu o
impedimento de trabalhar como professor, a prisão em Caxias, onde surgiu como
autor da literatura de resistência, e depois o exílio em França. Entre 1949 e
1955, o escritor foi leitor de Português nas Universidades de Montpellier, Aix
e Paris.
Regressou a
Portugal depois do 25 de Abril de 1974, tendo-se doutorado em Literatura, em
1984, com uma tese sobre a obra de Manuel Teixeira Gomes.
Autor
prolífico, figura como um dos mais prestigiados escritores da segunda metade do
século XX em Portugal, sendo a sua
obra marcada pela consciência do indivíduo face a si mesmo e aos outros, até ao
reconhecimento de uma identidade social e política. Além de romances, escreveu
em diversas revistas e jornais, como o Bulletin
des Études Portugaises, a Colóquio-Letras,
o Jornal de Letras, Vértice, Nouvel Observateur, entre outros. Foi director da revista Europa e crítico de teatro d' O Século e do Diário de Lisboa.
Enquanto
repórter percorreu grande parte do mundo, tendo reunido os seus relatos de
viagem nos volumes Santiago de Compostela
(1949), Jornadas no Oriente
(1956) e Jornadas na Europa
(1958).
Em 1993
jubila-se como professor catedrático da Faculdade de Letras. Foi igualmente professor na Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Foi membro
efectivo da Academia de Ciências de Lisboa e membro correspondente da Academia Brasileira de Letras.
Partidário de
um comunismo ortodoxo,
Urbano afirma que a sua obra foi influenciada pelo existencialismo francês da
década de 1950.
Recebeu
variados galardões literários, como o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, com a obra Uma Pedrada no Charco, o Prémio da Associação Internacional de
Críticos Literários, o Prémio da Imprensa Cultural, o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco. No entanto
a sua maior mágoa era o de não ter ainda recebido o Prémio Camões, amplamente
merecido pela sua obra notável.
Segundo o Jornal “ O Público”, “ainda este ano será publicado
o seu último livro “Nenhuma Vida”, conforme foi divulgado nesta
sexta-feira pela editora.
Esse romance,
que será lançado para assinalar os 90 anos do escritor aborda questões que
Urbano Tavares Rodrigues tratou na sua obra, mas também ao longo da sua vida,
como as lutas políticas e sociais, a solidariedade, as relações humanas, mas
também a sexualidade e o erotismo. “É um romance muito curto e onde está
todo o espírito do autor”, diz Cecília Andrade, acrescentando que apesar de as
personagens não serem auto-biográficas, as questões abordadas têm muito da
experiência do autor.
Tem um
prefácio escrito pelo próprio e que é já uma despedida. "Daqui me vou despedindo, pouco a pouco, lutando com a minha
angústia e vencendo-a, dizendo um maravilhado adeus à água fresca do mar e dos
rios onde nadei, ao perfume das flores e das crianças, e à beleza das mulheres.
Um cravo vermelho e a bandeira do meu Partido hão-de acompanhar-me e tudo será
luz".
Do seu livro “Dias Lamacentos”, apresento um excerto
de um conto onde o seu amor pela terra alentejana está bem expressa:
“Terra
Vermelha
Á aproximação
a Serpa a planície torna-se vermelha. É a argila que lhe dá essa cor forte de
sangue de boi.
“Por estes
barros – dizia-me o meu pai, quando dantes aqui passávamos – muita gente se
esfalfou e ficou sem um vintém.”
Cada qual por si
– e o regime das chuvas não se compadecia desse engodo dos pequenos seareiros
pela terra úbere. Muitas dessas courelas que uma charrua de sonho e de raiva
lavrava contra o destino foram engrossar os latifúndios. Houve seareiros que
deram o dó de peito e se penduraram pelo pescoço da pernada de uma sobreira;
outros amaltesaram-se, andam por aí com os cães, babando-se, os artelhos à
mostra, mortos até para os filhos, que deles se envergonham.
……Sim, tenho de
fazer aqui a minha oração à infância (à minha maneira).
Ó meu barranco
pessoal, ó azinheira torta, terra que se esboroa sob estes sapatos de camurça
que as silvas vão lacerar! Penhascos, zambujeiros, moinhos árabes do longe, o
meu Guadiana barrento! Porque será que me apetece chorar? Só aqui, nestes
sítios que recorri tantas vez, em rapazinho, nestes barrocais que desgalguei
gritando, junto dos freixos e dos vimeiros onde cismei na melhor forma de
regressar a casa com os calções rasgados sem erguer as iras do cinto paterno –
só aqui se me trava a garganta. O que é que me comove?, a fuga do tempo?,
saudade de uma inocência que estou agora forjando? Mas se é tão sincera esta
emoção! Aqui descobri a beleza da árvore alentejana no espaço vazio, aqui,
depois da sesta e dos mergulhos no rio, acordei poeta, a cantar palavras
minhas, pela primeira vez. Aqui descobri a fraternidade e é aqui que ela pulsa
mais verdadeira em mim, junto destes deserdados, mesmo dos que não me “sonham”
com eles.
….O fuste
vermelho de um sobreiro. A terra vermelha. Baixo-me e apanho um torrão. Seco.
Cavo, mais fundo, com as minhas mãos inábeis de intelectual, sujo as unhas,
doem-me os dedos, mas prossigo, até que uma autêntica terra viva, mais
sangrenta, húmida e gorda, já surge; ergo-a, numa das mãos, como numa taça, à
altura do rosto. Observo-a de perto, limpo-a das pedras, pergunto-me se será
teatral este rito que invento, se foi a máscara que me aderiu à face ou se é a
origem que grita neste meu amor. Filho de um lojista que me destinava para
altos voos, criado entre a escola e a braseira, vestido de menino fino, nunca fui
nem nunca serei camponês. Mas como poeta, criatura de palavras, com um secreto
rosto de feridas e de estrelas, tenho também sobre esta terra os meus direitos.
Nela fiquei para sempre, ou ela comigo, impressa na cor das borboletas que
apanhei, na asa escura das trovoadas, na chama dos mesmos lumes de outrora, nas
lágrimas de um povo que se exila para a França.
Excessivo,
alucinado serei, mas teu de verdade, sem traição, se assim te cheiro ainda hoje
e me comovo por sentir viva nestas mãos, minha terra sem limites, guardada
metro a metro por sombras que não te entendem (olhos da força e do medo), minha
terra vermelha dos camponeses tristes, a quem não pertences, que partem, mas
prometendo tornar – para reverdeceres noutro Maio com a chuva das suas veias.”
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