Um dos
mais belos e antigos mitos que se conhecem sobre as estações, teve
origem na Babilónia e diz respeito à bonita história de amor entre
a deusa Ishtar e o jovem Tammuz.
Entre as
divindades babilónicas de menos categoria, contava-se um jovem deus,
belíssimo e bondoso, que vagueava pelos campos a tocar flauta,
protegendo os pastores e os seus rebanhos, tornando as colheitas
fartas e velando pela saúde e pelo vigor de todos os seres vivos,
homens, animais e plantas.
Graças a
este deus jovial, a Natureza mostrava-se permanentemente risonha; as
plantas floriam, as famílias aumentavam e, nos apriscos, o gado
multiplicava-se.
Não
admira, pois, que um belo dia, Ishtar, a deusa da beleza e do amor,
começasse a suspirar por tão bonito moço, acabando por casar com
ele.
A escolha
foi acertada, pois Ishtar também protegia o desabrochar da vida e a
ela se encomendavam as mães para que os filhos nascessem formosos e
robustos e as fêmeas do gado tivessem crias saudáveis.
Mas...uma
vez que Tammuz passeava por uma floresta próximo da cidade sagrada
de Eridu, um feroz javali saiu, inesperadamente, de uns silvados e
atacou o jovem deus, que acabou por morrer dos graves ferimentos
infligidos pelas presas do animal.
Por toda
a terra se espalhou uma enorme tristeza, como se um véu cinzento
envolvesse todas as coisas e escondesse a claridade do sol.
Lamentavam-se as plantas, carpiam-se as searas, que perderam as
espigas; os rios deslizavam tristonhos e as suas águas foram
secando.
Mas a
mais confrangedora de todas as tristezas foi a de Ishtar, que assim
se via privada do amor da sua vida. Inconformada com a sua perda,
resolveu descer a Aralu, o mundo subterrâneo para onde Tammuz fora
levado, um lugar sombrio onde os mortos eram alimentados com pó,
usavam penas, o tenebroso reino dos mortos, dominado pela sua irmã e
rival, a deusa Ereshkigal.
Paredes
maciças protegiam este submundo de múltiplas camadas, umas dentro
das outras, com portões fechados a cadeado e monstros a servir de
guarda que lhe recusaram a entrada apesar das suas súplicas.
Irritada, a deusa gritou:
-Guardião,
abre ou despedaçarei estas portas, libertarei os mortos e
levá-los-ei comigo para a Terra, a fim de devorarem os vivos!!!
Assustado,
o guarda correu a pedir instruções à rainha do Inferno que
autorizou a entrada da deusa, com a condição de esta se despojar de
cada uma das suas vestes e adornos, à medida que transpusesse cada
uma das sete portas que davam acesso ao interior do submundo.
Ishtar
concordou com esta condição e, na primeira porta depôs a coroa; na
segunda, os brincos; na terceira, o colar; na quarta, as pulseiras, e
assim sucessivamente até que ao chegar junto de Ereshkigal estava
nua e indefesa, pois como deusa da formosura e do amor, os adornos
eram parte integrante da sua personalidade e do seu poder. Apenas
conseguiu ter um vislumbre do seu amado marido antes que a rainha a
mandasse aprisionar.
Depois
disto, como poderia a vida continuar na Terra, se as duas divindades
que a sustentavam estavam uma morta e a outra presa? O solo não era
semeado nenhum útero podia conceber, as plantas murchavam, enfim,
toda a Natureza caminhava para a extinção.
Preocupados,
os deuses recorreram sem perda de tempo para Ea, o qual, por meio de
um dos seus enérgicos encantamentos obrigou a rainha dos Infernos a
libertar Ishtar. Reintegrada no seu poder, a deusa obrigou a sua
rival a aspergir Tammuz com a água da vida, para que este a
acompanhasse e a abrir-lhe as portas do Inferno para que os dois
pudessem de novo regressar à Terra.
À medida
que saíam, a Natureza ia-se regenerando e quando, por fim, Ishtar já
na posse de todas as suas vestes e jóias, chegou com o esposo à
superfície e deparou com a luz brilhante do Sol, entoou este hino
de orgulhosa alegria:
“Rejubilo
com o meu esplendor e regresso à Terra a transbordar de felicidade
excelsa e divina! Sou Ishtar, a deusa da noite estrelada; sou Ishtar,
a deusa da manhã e da alvorada; sou a deusa sempre triunfante no Céu
e na Terra”
Mas não
era impunemente que se descia ao reino dos mortos; Ishtar
reconheceu-o tempos depois, quando Tammuz, como se lhe tivessem
inoculado o vírus de uma atracção maléfica pelas trevas em que
caíra, começou a descer, todos os anos, aos abismos infernais,
passando aí metade do ano no torpor do sono do Inverno, despertando
na estação primaveril para cumprir novo ciclo renovador!
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