sexta-feira, 20 de março de 2015

O Mito das Estações





Um dos mais belos e antigos mitos que se conhecem sobre as estações, teve origem na Babilónia e diz respeito à bonita história de amor entre a deusa Ishtar e o jovem Tammuz.
Entre as divindades babilónicas de menos categoria, contava-se um jovem deus, belíssimo e bondoso, que vagueava pelos campos a tocar flauta, protegendo os pastores e os seus rebanhos, tornando as colheitas fartas e velando pela saúde e pelo vigor de todos os seres vivos, homens, animais e plantas.
Graças a este deus jovial, a Natureza mostrava-se permanentemente risonha; as plantas floriam, as famílias aumentavam e, nos apriscos, o gado multiplicava-se.
Não admira, pois, que um belo dia, Ishtar, a deusa da beleza e do amor, começasse a suspirar por tão bonito moço, acabando por casar com ele.
A escolha foi acertada, pois Ishtar também protegia o desabrochar da vida e a ela se encomendavam as mães para que os filhos nascessem formosos e robustos e as fêmeas do gado tivessem crias saudáveis.
Mas...uma vez que Tammuz passeava por uma floresta próximo da cidade sagrada de Eridu, um feroz javali saiu, inesperadamente, de uns silvados e atacou o jovem deus, que acabou por morrer dos graves ferimentos infligidos pelas presas do animal.
Por toda a terra se espalhou uma enorme tristeza, como se um véu cinzento envolvesse todas as coisas e escondesse a claridade do sol. Lamentavam-se as plantas, carpiam-se as searas, que perderam as espigas; os rios deslizavam tristonhos e as suas águas foram secando.
Mas a mais confrangedora de todas as tristezas foi a de Ishtar, que assim se via privada do amor da sua vida. Inconformada com a sua perda, resolveu descer a Aralu, o mundo subterrâneo para onde Tammuz fora levado, um lugar sombrio onde os mortos eram alimentados com pó, usavam penas, o tenebroso reino dos mortos, dominado pela sua irmã e rival, a deusa Ereshkigal.
Paredes maciças protegiam este submundo de múltiplas camadas, umas dentro das outras, com portões fechados a cadeado e monstros a servir de guarda que lhe recusaram a entrada apesar das suas súplicas. Irritada, a deusa gritou:
-Guardião, abre ou despedaçarei estas portas, libertarei os mortos e levá-los-ei comigo para a Terra, a fim de devorarem os vivos!!!
Assustado, o guarda correu a pedir instruções à rainha do Inferno que autorizou a entrada da deusa, com a condição de esta se despojar de cada uma das suas vestes e adornos, à medida que transpusesse cada uma das sete portas que davam acesso ao interior do submundo.
Ishtar concordou com esta condição e, na primeira porta depôs a coroa; na segunda, os brincos; na terceira, o colar; na quarta, as pulseiras, e assim sucessivamente até que ao chegar junto de Ereshkigal estava nua e indefesa, pois como deusa da formosura e do amor, os adornos eram parte integrante da sua personalidade e do seu poder. Apenas conseguiu ter um vislumbre do seu amado marido antes que a rainha a mandasse aprisionar.
Depois disto, como poderia a vida continuar na Terra, se as duas divindades que a sustentavam estavam uma morta e a outra presa? O solo não era semeado nenhum útero podia conceber, as plantas murchavam, enfim, toda a Natureza caminhava para a extinção.
Preocupados, os deuses recorreram sem perda de tempo para Ea, o qual, por meio de um dos seus enérgicos encantamentos obrigou a rainha dos Infernos a libertar Ishtar. Reintegrada no seu poder, a deusa obrigou a sua rival a aspergir Tammuz com a água da vida, para que este a acompanhasse e a abrir-lhe as portas do Inferno para que os dois pudessem de novo regressar à Terra.
À medida que saíam, a Natureza ia-se regenerando e quando, por fim, Ishtar já na posse de todas as suas vestes e jóias, chegou com o esposo à superfície e deparou com a luz brilhante do Sol, entoou este hino de orgulhosa alegria:

Rejubilo com o meu esplendor e regresso à Terra a transbordar de felicidade excelsa e divina! Sou Ishtar, a deusa da noite estrelada; sou Ishtar, a deusa da manhã e da alvorada; sou a deusa sempre triunfante no Céu e na Terra”

Mas não era impunemente que se descia ao reino dos mortos; Ishtar reconheceu-o tempos depois, quando Tammuz, como se lhe tivessem inoculado o vírus de uma atracção maléfica pelas trevas em que caíra, começou a descer, todos os anos, aos abismos infernais, passando aí metade do ano no torpor do sono do Inverno, despertando na estação primaveril para cumprir novo ciclo renovador!


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