Particularmente
prezada durante a Antiguidade, lida e relida – sobretudo às
escondidas – ao longo de quase toda a Idade Média, revalorizada a
partir do Renascimento, a Arte de Amar
( Ars Amatoria,
em Latim), é uma trilogia escrita em verso pelo poeta romano Ovídio,
que, profundo conhecedor do coração humano, não hesitou em ensinar
através deles, aos homens e mulheres do seu tempo (e não só), a
difícil arte de seduzir e fazer perdurar o amor, antecedendo em
cerca de vinte séculos
a
“revolução sexual” dos nossos dias...
Os dois
primeiros volumes da trilogia, escritos entre 1 a.C., e 1 d.C., são
dirigidos ao elemento masculino e falam “sobre como conquistar os
corações das mulheres” e “como manter a amada”,
respectivamente. O terceiro volume, que é dirigido especialmente às
mulheres, contém os ensinamentos de “como atrair e seduzir os
homens”, foi escrito posteriormente.
Públio
Ovídio Naso, mais conhecido por
Ovídio,
nasceu a 20 de Março do ano 43 a.C., em Sulmona, num vale nos
Apeninos, a leste de Roma, numa importante família da classe nobre
rural, mas foi educado em Roma com os melhores mestres de retórica,
pois seu pai destinava-o à carreira política. O jovem, porém,
decide trocar a política pela poesia, e aos dezoito anos empreendeu
uma viagem à Grécia, um complemento indispensável à educação
dos jovens romanos.
Poeta de
verso fácil, Ovídio antes desta trilogia, escreve um longo poema de
forma epistolar, intitulado Heróides,
constituído por cartas fictícias de grandes heroínas amorosas,
históricas ou lendárias, para os seus amantes ausentes, uma
tragédia intitulada Medeia,
cujo rasto se perdeu e uma
série de poemas eróticos em cinco livros, com o nome de Amores,
dirigidos a uma amante, Corina.
O próximo
poema de Ovídio, Medicamina
Faciei,
um trabalho fragmentado sobre tratamentos de beleza feminina precedeu
Ars
Amatoria, ou “A Arte de
Amar”
que foi escrita já o autor passava dos quarenta anos, mais ou menos
na mesma altura em que na Galileia, vinha ao mundo um Menino chamado
Jesus. Nesse mesmo ano escreveu ainda outro poema Remedia
Amoris.
Esta
coleção de poesia elegíaca e erótica deu a Ovídio um lugar entre
os principais elegistas romanos, Cornélio Galo, Tíbulo e Propércio,
do qual ele próprio se via como o quarto membro. Casou-se
por três vezes e divorciou-se de duas das suas mulheres ainda antes
dos seus quarenta anos, tendo uma filha que lhe deu dois netos.
O
ideal de beleza, masculina ou feminina, os mecanismos de sedução,
os melhores métodos de obtenção do prazer e, mesmo, a arte da
traição e do engano, são alguns dos temas que preenchem este
manual do amor, e que provavelmente levaram a que o autor fosse
banido de Roma pelo Imperador Augusto, muito empenhado numa reforma
dos bons costumes. A celebração do amor extraconjugal pode ter sido
tomada como uma afronta intolerável a um regime que promovia os
'valores da família' e que já tinha levado ao exílio tanto da
filha como da neta do próprio Imperador.
O
certo é que no ano 8 d.C., o poeta foi exilado para Tomis, hoje
Constança na actual Roménia, sózinho e sem poder levar a sua
mulher, ao mesmo tempo que a sua obra Ars Amatoria era retirada de
todas as bibliotecas. Antes de morrer, preparava aquela que seria sua
última obra, Haliêutica,
sobre a arte da pesca; Caio Plínio Segundo acreditava que este era
mais um ato de diversão de Ovídio, que não tinha qualquer
interesse pelo tema tratado. Faleceu no ano 17 d.C.
A Arte de
Amar....
De
verdades, não mais, aqui se trata.
Ó mãe do
Amor, secunda o meu intento!
E vós,
longe daqui, ó finas faixas
que sempre
do pudor sois ornamento!
E tú,
também, ó longo véu que tapas
das
matronas os pés, vai-te no vento!
Eu só a
quem é livre me dirijo:
apenas me
dirijo a quem não tema
os
prazeres mais a furto concedidos...
não tem
pois mal nenhum este poema...
….
Se vais
para o amor como quem vai
pela
primeira vez ao fogo das pelejas,
trata de
procurar, antes de mais,
aquela a
quem desejas.
Trata
depois, então,
de
conquistar o coração
da jovem
que elegeste entre as demais mulheres.
E trata
finalmente, em último lugar,
de esse
amor prolongar
o mais que
tu puderes.
Aqui tens
o plano nas suas grandes linhas.
Este vai
ser de nosso carro o curso;
esta, a
meta – que há-de ser atingida
no termo
do percurso.
….
O pudor
impede a mulher
de
provocar certas carícias
mas se é
o homem a começar
ela
recebe-as com delícia.
Ah! tens
excessiva confiança
nas tuas
qualidades físicas
se esperas
que seja a mulher
a tomar a
iniciativa.
É ao
homem que compete começar
e dizer
palavras suplicantes
Á mulher
cabe acolher suavemente
essas
brandas palavras amorosas.
….
Fontes:
Ovídio – A
Arte de Amar – Edição da Galeria Panorama,1970
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