terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Batalha de Nicópolis








Em finais do sec. XIV, os Turcos Otomanos tinham reduzido o outrora poderoso império bizantino a pouco mais do que a própria cidade de Constantinopla. Em 1389, o sultão Murad I tinha vencido os exércitos sérvios e búlgaros na batalha de Kosovo Polje, terminando assim com a independência da Sérvia e da Bulgária. O seu império abrangia a maior parte da península balcânica. Da Arménia e do Cáucaso estendia-se até ao Adriático. Só as muralhas de Constantinopla resistiam ainda aos Turcos. No Ocidente, um certo número de países seguiam com apreensão as conquistas otomanas.
O novo sultão era agora o temível Bayezid I, ou Bajazet, que tinha ascendido ao sultanato em 1389, após o assassinato do pai, Murad I, por um nobre sérvio no Kosovo. Uma das suas primeiras medidas é assassinar todos prisioneiros sérvios capturados na batalha como vingança pelo assassinato do pai, muito embora o próprio Bayezid tivesse mandado matar seu irmão Yakub, popular herói das campanhas balcânicas e um virtual pretendente ao trono otomano. Apesar de sua falta de piedade com os prisioneiros de guerra sérvios, e da redução daquele país à condição de vassalo dos Otomanos, Bayezid consegue uma aliança de paz com o rei Lázaro da Sérvia, ao tomar em casamento sua filha Olivera Despina, e ao conceder aos sérvios uma autonomia considerável sob o governo de Stefan Lazarevic, filho do rei Lázaro. É possível que os sérvios tenham preferido o protectorado otomano porque os Húngaros já faziam incursões em território Sérvio planeando conquistar o país e usá-lo como trincheira contra os Otomanos.
Quando da ascensão de Bayezid ao trono, a Bulgária resumia-se a um estreito polígono entre o Mar Negro, a cordilheira do Haimos, as fronteiras com a Sérvia e o rio Danúbio e a Roménia dividia-se em dois reinos: o da Valáquia (entre os Cárpatos e o Danúbio) e o do Principado da Moldávia (dos Cárpatos ao Rio Bug do Sul).
Na tentativa de conquistar Constantinopla e desejando eliminar os dois estados cristãos ao norte, de onde poderiam partir expedições de socorro, Bayezid impõe um cerco à capital bizantina em 1391 e dois anos depois, invade a Bulgária, tomando a capital Tarnovo e a maior parte daquele país, restando livres apenas o Czarado de Vidin e o Despotado de Dobruja.
Todavia, ao cruzar o Danúbio em 1394, é derrotado por Mircea I, comandante das forças romenas, na Batalha de Rovine. Mircea ocupa temporariamente a Dobruja até esta ser conquistada por Bayezid em 1396. Alcunhado de “O Raio” devido aos seus repentinos e devastadores ataques, tendo decidido alargar os seus domínios mais além, em 1395 marchou para Ocidente, ameaçando directamente a Hungria, governada pelo rei Sigismundo I, o Sacro Imperador Românico Germânico que chamou em seu socorro os príncipes e os povos da Europa Ocidental. Em princípios de Julho, alcançou Nicópolis, uma fortaleza búlgara situada nas margens do Danúbio que conquistou após um breve cerco aniquilando os defensores.
Desta vez, o Papa Bonifácio IX convocou uma cruzada para eliminar a ameaça muçulmana. A ideia propagou-se com os melhores resultados. Carlos VI de França prometeu ajuda e os duques de Borgonha reclamavam a honra de serem psotos à frente de um exército de cruzados. Assim, em Julho de 1396 Jean de Nevers, o herdeiro da Borgonha conhecido mais tarde como João Sem-Medo, pôs-se em movimento à testa de um exército heterogéneo formado por 10.000 franceses, 2000 alemães, 1000 ingleses e grande variedade de soldados provenientes da Polónia, Áustria, Lombardia e Croácia, bem como um contingente de Cavaleiros Hospitalários. Marcharam para leste e em Buda juntou-se-lhes um grande exército de 30.000 húngaros, sob o comando do seu rei Sigismundo. O objectivo dos Cruzados era nada menos do que expulsar os Turcos dos Balcãs e depois, através da Anatólia e da Síria, seguir rumo a Jerusalém para reconquistar a Cidade Santa. O seu primeiro alvo importante era Nicópolis, recentemente conquistada e agora ocupada pelos Turcos. À frente deste imponente exército marchavam oito cavaleiros, escoltando a bandeira da Virgem, cuja imagem estava rodeada de flores de lis. Os cruzados não tinham dúvida de que iam exterminar facilmente os inimigos da cristandade.
Ao longo dos séculos, sempre a coragem e a determinação dos Cruzados foi muito mais forte do que o planeamento e a preparação. A Cruzada de 1396 não constituiu excepção, porque os exércitos europeus não tinham trazido material de assédio, pelo que foram forçados a cercar e a isolar Nicópolis, em vez de a subjugar. Este erro deu aos Turcos várias semanas para segurarem a fortaleza, enquanto esperavam por reforços que não tardaram a chegar. Resolvido a salvar Nicópolis, o sultão saiu da Turquia à testa de um grande exército, que incluía os temíveis janízaros (do turco Yeniçeri ou “Nova Força”), um contingente de infantaria composto por jovens cristãos raptados às famílias e obrigados a converter-se ao Islamismo. Era o chamado “imposto de sangue” imposto pelo Sultão Murad I e aplicado aos povos cristãos que ficavam sob o jugo otomano. Não podiam casar e depois de anos de treino intensivo, formavam a guarda pessoal do Sultão, a quem eram fiéis até à morte e à sua ordem combatiam até os seus antigos irmãos, sendo considerados a elite do exército otomano. Depois de se lhe juntarem os aliados sérvios, Bajazet ocupou posições defensivas na estrada para a cidade, com os flancos protegidos por fundas ravinas.
Era o dia 25 de Setembro de 1396. Ávidos de sangue e honra, os impacientes cavaleiros franceses lançaram imediatamente um ataque, não obstante os conselhos em contrário do rei Sigismundo que propôs que a infantaria húngara fosse a primeira a atacar. A princípio foram bem-sucedidos derrotando a infantaria turca e a cavalaria ligeira e lançando-se sobre os Janízaros. Bruscamente, a cavalaria francesa foi obrigada a uma paragem; tinham chegado a um campo de estacas aguçadas cravadas no terreno e tiveram de desmontar dos seus cavalos esventrados. Mesmo a pé eram combatentes formidáveis, rompendo a linha dos Janízaros e matando-os aos milhares.
Os Franceses e seus aliados subiram então uma pequena colina, na esperança de pilharem o acampamento do sultão; mas deram de caras com a cavalaria pesada otomana ali reunida. Isolados do resto do exército cristão, foram cercados e chacinados ou aprisionados.
Entretanto, a infantaria húngara dos Cruzados inicialmente saiu-se melhor, derrotando as forças turcas à sua frente, antes que os soldados sérvios de Bajazeto surgissem de emboscada e pusessem em fuga todo o exército dos Cruzados em pânico.
Apenas alguns poucos escaparam. O rei Sigismundo fugiu para o Danúbio, onde embarcou; Jean de Nevers e cerca de vinte e quatro outros cavaleiros de grande nome e fortuna foram feitos prisioneiro e libertados após o pagamento dos seus resgates, o que poderia demorar anos. Os restantes, no dia seguinte à batalha, foram obrigados a desfilar perante o Sultão furioso pelas baixas sofridas e entregues ao carrasco, depois de se negarem a converter-se ao Islão, sendo decapitados na presença do conde da Borgonha e dos outros cavaleiros. Os cruzados marcharam para o suplício como verdadeiros mártires. Segundo relatam testemunhas, podiam-se ouvir agradecer a Deus a graça que lhes fora concedida de morrerem por Ele. Os que sobraram foram dados aos soldados como escravos.
Toda a cristandade sentiu uma emoção intensa em face do relato do destino pavoroso reservado aos Cruzados e voltaram a ver-se no Ocidente as procissões de penitentes conhecidas dos tempos das epidemias da peste. Poderia o sultão executar a ameaça de levar os seus cavalos a pastar nos jardins de S. Pedro?
Mas Bajazet que tinha também sofrido pesadas perdas, conquista as províncias remanescentes da Bulgária e pôs cerco a Constantinopla. Todavia, em 1401 levanta-se na Ásia um novo império mongól, liderado por Timur-I-Leng, conhecido na literatura ocidental como Tamerlão. Este já havia conquistado boa parte da Ásia Central, todo o Irão e o Cáucaso, e invadira o leste da Anatólia, alcançando os Otomanos pela retaguarda. Bayezid é obrigado a abandonar o assédio a Constantinopla e voltar todas as suas forças para a defesa da Anatólia. Em 20 de Julho de 1402, Bayezid é derrotado e capturado pelos Mongóis na Batalha de Ancara. Em vão esperou que os filhos o fossem libertar. Quando após o cativeiro de nove meses soube que iria ser arrastado em triunfo a Samarcanda, não pode suportar esta ideia e morreu em 1403 vítima de uma crise de coração.
Os turcos mantiveram sua pressão sobre Constantinopla que só cairia em 1453 aumentaram o controle sobre os Balcãs e tornaram-se uma grande ameaça para a Europa Central. A nobreza búlgara foi eliminada – os aristocratas foram obrigados a aceitar o Islamismo sob pena de serem executados. Os camponeses foram reduzidos à servidão sendo-lhes também aplicado o famigerado “imposto de sangue”. Demoraram cerca de cinco séculos a reconquistarem a sua liberdade! 

Fontes:
Grimberg, Carl - História Universal
Marsh, W.B. e Bruce Carrick - 365 Grandes Histórias da História
www.wikipedia.org 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O Aniversário da Lua



O Festival da Lua, também chamado na China de Festival de Meados de Outono, é um dos principais feriados tradicionais celebrados pelo povo chinês, ocorrendo sempre no 15º dia do 8º mês lunar do calendário chinês, (normalmente em meados de setembro no calendário gregoriano), e que coincide com a Lua Cheia do equinócio de outono do calendário solar. Este ano o festival celebra-se a 27 de Setembro.
É manifestamente uma festa das colheitas que se querem boas, sendo tempo de guardar provisões para o Inverno que se aproxima, reservas alimentares e sementes. a Lua é aqui ainda o símbolo da fecundidade. A lua é de água, ela é a essência do yin: como o Sol, é habitada por um animal, que é uma lebre ou um sapo.
O culto “oficial” à Lua parece remontar à dinastia Shang (1600 – 1046 a. C.) contudo referências ao festival do Meio de Outono surgem já nos célebres Ritos de Zhou (Dinastia Zhou do Oeste) altura em que entre a nobreza e os ricos vingou o hábito de sacrificarem à Lua no 15.º dia da 8.ª Lua. Tornar-se-ia uma festa popular já na Dinastia Tang (618 – 907) mas é na dinastia seguinte, a Song que a tradição se enraíza permanecendo até aos nossos dias.
Conta-se que o Imperador Xuanzong terá feito uma visita pela mão do mestre Taoista Lo Gong Yuan, até ao “Palácio da Lua” através de uma ponte que unia a terra à lua através dos céus, ou como consta numa outra versão, através de um sonho, onde terá sido recebido com “música”, “bailarinas” e “bolo lunar”, que foi então adoptado como símbolo da celebração. O bolo lunar é sempre redondo ou quadrado, redondo por ser a forma da lua, quadrado, pelas quatro faces da Lua.


Nesse dia, uma Lua límpida e brilhante paira nas alturas da noite transparente, de onde contempla a Terra com um sorriso. Nessa Lua redonda e luminosa mora a bela e solitária deusa Chang E, a mulher do herói ou semi-deus Hou Yi, o arqueiro que derrotou os nove sóis e, por isso perdeu a sua imortalidade.
Diz a lenda, há sempre uma lenda, que havia dez sóis na terra que se substituíam saindo um a cada dia. Um dia, cansados das suas rotinas, resolveram sair todos de uma vez e o calor foi tanto que as pedras derretiam, as pessoas morriam e as plantas secavam. Por isso, o imperador, Yao, implorou ao pai dos sóis, Dijun, que os controlasse. Os sóis não deram ouvidos a seu pai e por isso ele enviou Houyi para a Terra com um arco mágico e flechas. Dijun esperava que Hou Yi apenas assustasse os sóis, mas quando ele viu a devastação causada por aqueles foi tomado por um acesso de fúria e derrubou nove deles, restando apenas o atual. Dijun por sua vez ficou furioso e baniu Hou Yi para a Terra para passar o resto de seus dias como um mortal.
Depois deter destruído os nove sóis Hou Yi conhece a bela mortal Chang'e por quem se apaixona e casam-se. Vivem felizes e o archeiro continua a ensinar a sua arte aos mais necessitados dos seus seguidores para que estes pudessem com a caça sobreviver e para se defenderem. Um dia, resolveu ir falar com a Imperatiz-mãe para saber como poderia novamente tornar-se imortal e conseguir que a sua amada também o fosse. A viagem foi muito longa e cheia de perigos, mas o nosso herói venceu todos os obstáculos e conseguiu da imperatriz o elixir da imortalidade. Se o tomasse junto com a esposa ascenderiam os dois aos céus.
Feng Meng, considerado o melhor de todos os discípulos de Hou Yi, era, no entanto, orgulhoso, invejoso e perverso. Todos os dias desejava que o seu mestre morresse, pois cobiçava ser considerado o mais exímio arqueiro do mundo. Contudo, ao saber do elixir que tornava irrealizável o seu sonho, tenta roubá-lo a Cheng'e aproveitando uma ausência do mestre. Cheng'e não querendo dividir o elixir com um homem tão perverso, toma-o e chorando amargamente, voa para a Lua, o lugar mais próximo da Terra e de onde poderia continuar a ver o seu amor.
Mas Feng Meng espera por Hou Yi arma-lhe uma emboscada, acabando por o matar com uma paulada na cabeça e esconde-se, aproveitando a escuridão, Ao saberem do crime, os habitantes da aldeia ficam consternados e partem à procura do assassino munidos de lanternas acesas, acabando por o encontrar. Amarram-no a uma árvore e matam-no, atravessando-o cada um com uma flecha.
Chang E continuou a habitar, tal como uma fada celestial, o luxuoso palácio de Guanghan feito de jade e esmeraldas, mas afastada da Terra e da companhia de Hou Yi, a sua eternidade tornou-se um mar de amargura, solidão e sofrimento.




quarta-feira, 2 de setembro de 2015

D. Mafalda



Mafalda, Matilde, Mahault ou Mahalda, da vida da primeira rainha de Portugal, como aliás de algumas outras, sabe-se muito pouco.
Filha de Amadeu III, conde de Sabóia, Maurienne e Piemonte e da condessa Mafalda de Albón, ignora-se ao certo o ano e o dia do seu nascimento, supondo-se que tivesse sido entre 1125 e 1130, pelo que teria entre 16 ou 20 anos quando se casou em 1146 com D. Afonso Henriques, que rondaria então os 37 anos de idade, pois a partir desse ano o seu nome figura, embora como Mahalda, em todos os documentos públicos do seu tempo, juntamente com o nome do rei. Seu pai tinha participado na 2ª Cruzada, sendo considerado um príncipe muito piedoso e um fiel Defensor do Papa, e além de D. Mafalda tinha mais 9 filhos. Pelo lado materno era sobrinha do rei Luís VII, de França, visto sua mãe ser irmã da rainha Adelaide, esposa deste soberano. Um seu tio-avô tinha sido Papa entre 1119 e 1124, com o nome de Calisto II e era também bisneta de Berta, imperatriz da Alemanha, casada com o imperador Henrique IV.
Como todas as princesas da sua época deveria possuir uma cuidada formação moral e religiosa influenciada pela Ordem de Cister, mas a noiva do nosso primeiro rei deve ter trazido também, juntamente com as suas aias e validos, alguma coisa da galantaria e do requinte que se verificava entre a alta aristocracia tanto de além Pirenéus como de além Alpes já muito mais sujeita à influência trovadoresca da França, que em Portugal ainda dava os primeiros passos.
As razões para este consórcio também não estão muito bem esclarecidas, mas além da Casa de Sabóia ter fortes ligações com a Casa de Borgonha de que D. Afonso descendia, o rei ganharia um excelente aliado para a expulsão dos mouros do território português. Roma também era favorável a esta união e o facto do monarca se unir matrimonialmente com a filha de um vassalo do imperador romano-germânico não só o distanciava do imperador hispânico, como o prestigiava e favorecia a legitimação do reino junto da Santa Sé.
Mas enquanto decorriam as escolhas e as negociações para o matrimónio do rei, em 1138 ou talvez antes, D. Afonso apaixonou-se por D. Flâmula ou Chamoa Gomes, sobrinha de Fernão Peres de Trava e filha de Gomes Nunes de Pombeiro, antigo conde de Toroño. Tinha sido casada com Paio Soares da Maia, com quem teve 3 filhos. O mais velho, Pedro Pais foi alferes – mor de D.Afonso entre 1147 e 1169. Após enviuvar, D. Chamoa entrou para o Mosteiro de Vairão, mas ainda teve uma relação com D. Mem Rodrigues de Tougues, de quem teve também um filho. É depois destes acontecimentos que D. Afonso estabelece com ela uma relação sentimental da qual nasceram 2 filhos e que só acaba com o casamento do Rei. Chamoa foi o grande amor da vida do monarca português que tudo tentou para casar com ela, mas dado que era “devota, isto é deo vota, votada a Deus”, nem a Santa Sé teria poder para a desligar dos votos monásticos. Por outro lado, D. Afonso teria também a oposição dos barões portugueses que, de maneira nenhuma, quereriam ver uma sobrinha do conde Fernão Peres de Trava, sentada no trono de Portugal…
Atendendo a todas estas razões e porque era imperioso garantir a sucessão do trono, D. Afonso Henriques aceita o casamento com D. Mafalda e Chamoa Gomes retira-se para o convento de Grijó, onde ainda sobreviveu ao rei. Seria um casamento de conveniência, como era normal na época, mas os cronistas dizem que era “mui formosa e dotada de muitas bondades.” Dizem também que tinha mau génio, que a união não seria muito pacífica, e que a presença da rainha no reino não estivera isenta de conflitos.
O mais célebre deu-se com S. Teotónio, prior do Mosteiro de St. Cruz, de quem se dizia que D. Afonso quando o via, descia do cavalo para lhe beijar a mão. Diz a tradição que D. Mafalda era de partos difíceis; assim achando-se uma vez às portas da morte, por ocasião de estar no último período de gravidez, sem poder nem ter forças para parir, diz a lenda que mandara chamar S. Teotónio, o qual deitando-lhe a benção, logo a rainha dera à luz o menino com toda a facilidade. Um quadro foi mandado fazer, em 1627, pelo prior geral D. Miguel de Santos Agostinho, para a capela de S. Teotónio na igreja de Santa Cruz, representando aquele milagre.
A Rainha foi depois ao Mosteiro em acção de graças, pela recuperação do parto, e pretendeu de todos os modos, ver o claustro interior. S. Teotónio guardava-se das mulheres como se fossem inimigos e nunca falava com uma sem ter testemunhas, recusou-lhe terminantemente a entrada por “nem ser coisa de ordem nem de louvável costume, mulher alguma entrar na morada dos que fugiam ao mundo, senão por ventura fosse morta nem ser ofício de rainha, nem por Deus lhe seria reputado a glória fazer tal cousa.” - Em Vida de S. Teotónio, 1968 p.164. Acrescenta Fonseca Benevides, que muitas foram as desavenças entre a rainha e o prior, a quem perseguiu com o seu ódio e muitas vexações.
De qualquer modo, D. Mafalda cumpriu em pleno o seu papel de procriadora, dando à luz em 12 anos de casada, sete filhos. O primogénito herdeiro, a quem foi dado o nome de Henrique, nasceu a 5 de Março de 1147, fruto de um parto difícil e complicado, como foram todos os seis seguintes. Sucederam-se Urraca (1148), Teresa (1151), Mafalda (1153), Martinho, futuro Sancho I (1154), João (1156) e Sancha, nascida em 1157 a quem não chegou a ver pois morreu dez dias após o seu nascimento.
Não se conhece qualquer interferência da rainha na vida política do país. Dedicou-se à educação dos seus filhos e dos bastardos do rei, que como era uso na altura eram criados juntos e passou pelo desgosto de ver morrer o seu primogénito. Às mortes do outros três filhos que morreram jovens, Mafalda, João e Sancha , já não assistiu, pois já não era deste mundo.
Quanto ao seu casamento, é certo que durante os doze anos que durou, não se conheceram quaisquer ligações amorosas ao rei, mas dado o feitio colérico de D. Afonso, sujeito a excessos, violências e brutalidades e as suas constantes ausências da corte devido aos combates que teve de travar para a expansão e consolidação do reino, não deve ter primado pela felicidade...
Segundo as poucas notícias que temos dela, são-lhe atribuídas algumas obras sociais, como a fundação de uma igreja em Marco de Canaveses juntamente com uma albergaria para peregrinos e pobres “e com boas portas fechadas porque os peregrinos que ali albergarem não recebam algum desaguisado. E estarão aí camas boas e limpas em que se possam bem albergar nove desses peregrinos, aos quais serão dadas rações de entrada ou de saída e lume e água e sal quanto lhe fizer mester. E finando-se algum desses peregrinos seja enterrado com três missas. E com pano e cera.” – La Figaniére, 1859,p.222.
Fundou também o Mosteiro da Costa, sobranceiro a Guimarães. Atribui-se-lhe o estabelecimento do serviço de dois barcos em Moledo e Porto de Rei, de modo a proporcionar a travessia do rio Douro, perto de Lamego. Os barqueiros recebiam pelo serviço as rendas de algumas propriedades locais pertencentes à rainha e estavam proibidos de cobrar o que quer que fosse aos passageiros, sob pena de multa ou prisão. Mandou também construir uma ponte sobre o rio Tâmega e outra sobre o Douro, em Mesão Frio.
Morreu a 3 de Dezembro de 1157/1158, provavelmente de complicações do último parto, com cerca de 32 anos e jaz sepultada na Igreja de St. Cruz, no mesmo mausoléu do seu marido, que lhe sobreviveu 27 anos.

Descendência:

D. Henrique (1147 – 1155) presumível herdeiro do trono, falecido aos 8 anos de idade.
D.Urraca ( 1148 – 1211?) casada com Fernando II, de Leão e cujo casamento foi anulado pelo Papa ao fim de onze anos de casamento, por falta de dispensa de parentesco.
D. Teresa (1151 – 1218) também conhecida por Matilde, casou em primeiras núpcias com o conde Filipe da Flandres em 1184, e depois com o duque Odo III da Borgonha, de quem se separou, tendo-se tornado condessa regente da Flandres.
D. Mafalda (1153 – 1162) noiva de Afonso II de Aragão, morreu jovem.
D. Martinho, futuro Sancho I (1154-1211) herdeiro do trono de Portugal, depois da morte do seu irmão Henrique, altura em que lhe trocaram o nome para Sancho por ser um nome mais usual entre os monarcas leoneses.
D. João (1156 – 1163) falecido ainda criança.
D. Sancha (1157 – 1167) faleceu aos dez anos.
Fontes:
Domingues, Mário – D. Afonso Henriques
Freitas do Amaral, Diogo – D. Afonso Henriques
Benevides, Francisco da Fonseca – Rainhas de Portugal
Oliveira, Ana Rodrigues – Rainhas Medievais de Portugal
Imagem: Purl,pt