sábado, 26 de maio de 2012

A Longa Viagem de Hsuan-Tsang – I

Embora as civilizações da China Imperial e da antiga Índia se tenham desenvolvido relativamente isoladas, separadas pelas altas montanhas dos Himalaias, os contactos comerciais, tanto por via marítima como terrestre, sempre existiram entre ambas. Contudo, foi através da religião e não do comércio, que na Idade Média os laços culturais entre elas se fortaleceram.
O Budismo, que evoluiu na Índia a partir dos ensinamentos de Siddharta Gautama, (sec. VI a. C.), mais conhecido como Buda, o Iluminado, penetrou na China no princípio do sec. II d.C., e peregrinos chineses efectuavam a arriscada viagem até à Índia, a fim de visitarem os lugares santos e recolherem textos sagrados.
Mas nenhum ficou mais conhecido do que Hsuan-Tsang, também conhecido como Hiuan-Tsang, cuja peregrinação ao longo de 17 anos o tornou num monge venerado na sua própria época, e deu origem a uma compilação não só das suas das suas viagens, mas também dos contos e lendas a ela associados, sendo considerada uma das obras-primas da literatura chinesa. Hsi-Yu chi (Viagem ao Ocidente) é também um tributo perene a um homem cuja única ambição era a busca do conhecimento.
Nascido em Luoyang, Henan, no ano de 602, como Chén Hui ou Chén Yi, era o mais novo dos quatro filhos de uma família conhecida há gerações pela sua cultura, sendo educado por seu pai na mais estricta observância da filosofia de Confúcio. Mas desde cedo se sentiu atraído pelo budismo, possivelmente por influência do seu irmão mais velho, ele próprio um monge budista, e após o falecimento do seu pai em 611, ingressou num mosteiro onde a sua inteligência lhe granjeou o favor excepcional de tomar ordens com apenas 13 anos de idade, sendo monge de pleno direito aos vinte anos.
À medida que se apercebia da escassez de textos sagrados budistas em língua chinesa, decidiu partir para a Índia e percorrer as regiões que um milénio antes, os “pés de ouro” do princípe Sidharta Gautama, o Buda, tinham pisado. Poderia também “interrogar os sábios sobre as questões que lhe atormentavam o espírito”, conforme escreveu mais tarde. Assim, em 629, aos 27 anos de idade, e apesar da proibição do imperador T’ai-Tsong, da dinastia Tang para a sua viagem ao estrangeiro devido ao estado de guerra existente no país, Hsuan-Tsang lançou-se numa jornada solitária através dos desertos e dos gelados desfiladeiros das montanhas, que já tinham tirado a vida a grupos de peregrinos bem mais equipados.
Hsuan-Tsang era um homem atraente, de estatura elevada, com um tom de voz cativante e maneiras delicadas. Deixando a sua casa no Nordeste da China, encetou uma caminhada a pé ao longo de 8000 Kms., através da China Setentrional e do Deserto de Gobi, a que os chineses chamavam ”o rio de areia onde não se encontram nem aves, nem quadrúpedes, nem água, nem pastagens” prosseguindo em direcção a Samarcanda através dos colos gelados da cordilheira de Tien Shan, nos Himalaias, inflectindo depois para sul em direcção a Cabul, no Afeganistão, e descendo até à região noroeste do subcontinente indiano, a muitas centenas de quilómetros de distância. Arrostou ora com calores sufocantes, ora com tempestades de neve, foi assaltado por ladrões e quase morreu às mãos de piratas no rio Ganges. Passou fome e sede, viajando muitas vezes sem companheiros e sem guias.

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