quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma missiva do Rei de Mequines (Meknés-Marrocos), para o Rei de Portugal D. Pedro II, em 1706.


“Há um só Deus todo-poderoso em todo o Mundo, ele seja louvado para todo o sempre, como aquele a quem se deve tudo, que ele há-de ajudar a quem tiver justiça, a razão por que é bendito entre as nações do mundo.

                               Muley Ixmael, filho de Xarife e de Rey.

 Mui alto, poderoso rei D. Pedro II de Portugal, aquele a quem publica a fama, numa mão a espada e noutra a justiça.
A ti, rei verdadeiro de todos os Estados de Portugal, com as notícias que tenho do bem que fazes aos meus por meu respeito, te considero digno da minha amizade, e que eu seja agradecido. Pela prática que o meu capitão mor do mar Benaxe me fez, que sendo cativo dos Ingleses, arribou ao porto dessa corte; e que chegando à tua presença real, logrou a maior fortuna, tendo-a por esse respeito, desmentido a má que lhe tinha sucedido no seu cativeiro, dando-lhe o resplendor da tua real Pessoa uma grande alegria, pela afabilidade e carinho que um escravo mouro achou num monarca tão superior, dando-lhe a esmola de trinta meticaes de ouro, oferecendo-lhe tudo o mais.
Estas finezas, meu Rei, me puseram em grande agradecimento, parecendo-me que trazes nas tuas veias aquele ilustre sangue do teu antecessor El-Rei D. Sebastião, que valendo-se dele o Xarife Muley Ahmed, meu parente, por chegar à sua presença, empenhou Pessoa, Reino e Fazenda, em o favorecer e assim o executou; História que temos nos nossos livros pelas maiores finezas que reis fizeram no mundo, por gente de diferente Ley. Pois EL-Rei de Castela, a que o mundo chamou Filipe II o não quis fazer, e se escusou de dar-lhe ajuda, e ele sozinho tomou a seu cargo uma obrigação de tanto peso; e torno a dizer que esta história de fineza está por lembrança enquanto o Mundo for Mundo.
E como te considero deste mesmo ânimo, conheço a tua descendência e sangue que te assiste deste rei. E te afirmo pela lei que sigo que te hei-de servir com tudo quanto no meu reino tenho, com grande vontade, e não se desacredite este meu oferecimento, pelos respeitos de me mandar os tempos passados um Português do teu reino a comprar cavalos, o que pus em conselho nos pareceres dos meus Xerifes e Tables, que todos uniformemente disseram ser contra a minha lei que nos proíbe o não possamos fazer, e quando alguns reis meus antecessores o fizeram, fora em caso de necessidade, a pique de perder a vida ou o reino, e somente nestes termos o podemos fazer; e como esta necessidade me não obriga, fora pôr o meu governo em má opinião dos meus, e se não fora este preceito, não te havia de faltar pelo amor que te tenho.
E se quiseres os cativos portugueses resgatados todos, os darei com vontade, e por este respeito busquei a Joseph Hespanhol, meu cativo, por ser homem de verdade e de razão, de quem faço muito caso e está casado com uma portuguesa, deixando dois filhos e uma filha nessa corte; e como conheço o seu procedimento, o mando a esse Reino, para aviso de que desejo dar resgate aos cativos portugueses; e se para este aviso me quiseres mandar uma pessoa de autoridade, o estimarei, ou com aviso mandarei eu o meu Capitão mor Benaxe, e tudo o que tratar com ele será da minha vontade”.

 Fontes:

Jornal da História

 Quem era Muley Ismael e porque escreveria ao Rei de Portugal?


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