terça-feira, 31 de julho de 2012

O Poeta e o Oleiro


Há muitos, muitos anos atrás, estava o oleiro Hammudah a decorar um vaso lindíssimo, quando uma pedra, atirada da rua, lhe partiu um outro vaso também muito belo.

Furioso e gritando a sua indignação, dirigiu-se para a porta da sua olaria onde já havia um monte de curiosos, deparando com o culpado, o poeta Fauzi, à sua espera, envolvendo-se os dois numa grande discussão.

Levados perante o qadi (juíz), este, um homem calmo e bondoso, vendo a exaltação do oleiro interrogou-o em primeiro lugar:

- Mas, afinal, que se passa? Parece que foste agredido, é verdade?

- Sim, senhor juiz, é verdade. Estava eu na minha oficina a preparar dois novos vasos para vender, quando ouvi um ruído surdo e a seguir um baque. Tinha sido o poeta Fauzi, que ao passar à minha porta e vendo um dos meus belos vasos, já pronto, a secar, lhe atirou uma pedra, partindo-o.

Isto não se faz! Quero que me seja paga uma indemnização!

Virando-se para o poeta, o juiz perguntou:

- Porque procedeste desta maneira? Que tens a alegar em tua defesa?

 - Qadi - respondeu Fauzi - há três dias voltava eu da mesquita, quando ao passar à porta do oleiro, percebi que ele declamava um dos meus poemas. Ao notar que os versos estavam errados, aproximei-me dele delicadamente, e ensinei-lhe a forma correcta, que ele repetiu sem qualquer dificuldade.

No dia seguinte, quando por lá passei, ele declamava-os novamente, mas completamente deturpados. Cheio de paciência ensinei-lhos de novo, pedindo que não os depreciasse. Hoje, ao voltar do trabalho, qual não é o meu espanto, quando ouço a minha linda poesia ser declamada por ele com as rimas estropiadas, estragando completamente os meus versos. Então, apanhei uma pedra do chão e parti-lhe um dos seus bonitos vasos. O meu procedimento não passou, afinal, da resposta de um poeta que se sente ferido na sua sensibilidade artística a um indivíduo grosseiro.

Ao ouvir estas alegações, o juiz disse ao oleiro:

- Espero que tenhas aprendido a lição. Procura respeitar as obras alheias a fim de que os outros artistas respeitem as tuas. Se te julgavas com o direito de estragar o verso do poeta, achou-se ele também com o direito de partir o teu vaso. Lembra-te de que se o poeta é o oleiro da frase, o bom oleiro é o poeta da cerâmica!

Por isso, determino que o oleiro Hammudah fabrique um novo vaso de linhas perfeitas e cores harmoniosas, no qual o poeta Fauzi escreverá um dos seus lindos poemas. Esse vaso será vendido em leilão e o produto dessa venda será dividido igualmente entre os dois.

E reza o resto do conto que o sucesso da venda foi tal, e tantas foram as encomendas, que tanto o oleiro como o poeta acabaram por se tornar ricos e amigos para o resto da vida…

Conto adaptado de um outro inserido na Revista “Jornal do Exército”




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