Há muitos,
muitos anos atrás, estava o oleiro Hammudah a decorar um vaso lindíssimo,
quando uma pedra, atirada da rua, lhe partiu um outro vaso também muito belo.
Furioso e
gritando a sua indignação, dirigiu-se para a porta da sua olaria onde já havia
um monte de curiosos, deparando com o culpado, o poeta Fauzi, à sua espera, envolvendo-se
os dois numa grande discussão.
Levados perante
o qadi (juíz), este, um homem calmo e bondoso, vendo a exaltação do oleiro
interrogou-o em primeiro lugar:
- Mas, afinal,
que se passa? Parece que foste agredido, é verdade?
- Sim, senhor juiz,
é verdade. Estava eu na minha oficina a preparar dois novos vasos para vender,
quando ouvi um ruído surdo e a seguir um baque. Tinha sido o poeta Fauzi, que
ao passar à minha porta e vendo um dos meus belos vasos, já pronto, a secar,
lhe atirou uma pedra, partindo-o.
Isto não se faz!
Quero que me seja paga uma indemnização!
Virando-se para
o poeta, o juiz perguntou:
- Porque procedeste
desta maneira? Que tens a alegar em tua defesa?
- Qadi - respondeu Fauzi - há três dias
voltava eu da mesquita, quando ao passar à porta do oleiro, percebi que ele
declamava um dos meus poemas. Ao notar que os versos estavam errados,
aproximei-me dele delicadamente, e ensinei-lhe a forma correcta, que ele
repetiu sem qualquer dificuldade.
No dia seguinte,
quando por lá passei, ele declamava-os novamente, mas completamente deturpados.
Cheio de paciência ensinei-lhos de novo, pedindo que não os depreciasse. Hoje,
ao voltar do trabalho, qual não é o meu espanto, quando ouço a minha linda
poesia ser declamada por ele com as rimas estropiadas, estragando completamente
os meus versos. Então, apanhei uma pedra do chão e parti-lhe um dos seus
bonitos vasos. O meu procedimento não passou, afinal, da resposta de um poeta
que se sente ferido na sua sensibilidade artística a um indivíduo grosseiro.
Ao ouvir estas
alegações, o juiz disse ao oleiro:
- Espero que
tenhas aprendido a lição. Procura respeitar as obras alheias a fim de que os
outros artistas respeitem as tuas. Se te julgavas com o direito de estragar o
verso do poeta, achou-se ele também com o direito de partir o teu vaso. Lembra-te
de que se o poeta é o oleiro da frase, o bom oleiro é o poeta da cerâmica!
Por isso,
determino que o oleiro Hammudah fabrique um novo vaso de linhas perfeitas e
cores harmoniosas, no qual o poeta Fauzi escreverá um dos seus lindos poemas.
Esse vaso será vendido em leilão e o produto dessa venda será dividido igualmente
entre os dois.
E reza o resto
do conto que o sucesso da venda foi tal, e tantas foram as encomendas, que tanto
o oleiro como o poeta acabaram por se tornar ricos e amigos para o resto da
vida…
Conto adaptado
de um outro inserido na Revista “Jornal do Exército”
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