“Eu vim à terra para cumprir a vontade de Deus”
Um sol
resplandecente inunda a cidade de Ruão
nessa manhã de 30 de Maio de 1431, prometendo um magnífico dia de Primavera. Para
as cerca de 10.000 pessoas que inundam a praça do Vieux-Marché, o dia doce e
quente permitir-lhes-á apreciar em pleno o espectáculo que se avizinha.
Um raio desse
mesmo sol invade a sombria câmara do Castelo de Bouvrenil onde Joana d’Arc, a
Donzela de Orleães, aguarda a sua sentença. Quando os dois monges dominicanos enviados
pelo implacável Bispo de Beauvais chegam, os três guardas que permanentemente
vigiam a prisioneira, saem da cela.
O irmão Martin
Ladvenu e o irmão Jean Tout-Mouillé informam Joana que irá ser purificada pelo
fogo, morrendo na fogueira como uma bruxa. Até aí serena e calma, a jovem tem
uma crise nervosa. Chora, grita, arrepela-se, apela a Deus pela injustiça de
que irá ser vítima. Os monges tentam acalmá-la, mas em vão
Por fim,
esgotada, Joana cede e pede para se confessar e comungar. Os dominicanos
aceitam ouvi-la em confissão mas não têm nenhumas instruções quanto à comunhão.
Mandam o meirinho Jean Massieu pedi-las ao bispo, que envia um padre com uma
hóstia.
Pouco depois, o
próprio bispo entra na cela e Joana ao vê-lo exclama:
- Bispo, morro
por vossa causa!
Depois da
comunhão, saem todos menos os dois monges e o meirinho. Depois de vestir o
traje que a Inquisição reserva para os seus condenados, o meirinho e o irmão
Martin Ladvenu sobem com ela para a carroça que os levará do castelo ao local
do suplício. São nove horas da manhã.
Mantém-se de pé
na carroça, escoltada por oitocentos soldados ingleses que afastam a multidão
que desde a alvorada se comprime pelas ruas para a ver passar.
Rezam e choram
ouvindo os gritos que Joana lança da carroça:
- Ruão, Ruão, é
então aqui que devo morrer?
Os ingleses
estão nervosos, tudo pode acontecer. Nicolas de Houppeville, que se tinha
recusado a continuar no julgamento, ouve-a lançar este grito, possivelmente
para agitar a multidão.
Na praça, três
estrados estão montados; no primeiro, destinado à Igreja, encontram-se o
cardeal Winchester, os bispos de Beauvais, de Noyon e de Norwick, os cónegos,
os doutores, uma mancha de púrpura, violeta e arminho; no segundo, destinado
aos representantes do poder público estão o bailio de Ruão e os seus
colaboradores; no terceiro, sentar-se-ão a Donzela para escutar a sentença e um
pregador, Nicolas Midi.
Um pouco mais
afastada, está a fogueira, colocada num nível superior, graças a um pedestal de
gesso, onde assentam os molhos de lenha e o poste, para que todos possam
verificar a morte da Donzela, sem que fiquem margem para dúvidas… A encimar o
poste, uma inscrição em grandes letras:
“Joana, que se
fez conhecer pela Donzela, mentirosa, perniciosa, abusadora do povo,
blasfemadora de Deus, dissoluta, apóstata, cismática, idólatra, invocadora de
diabos e herética”.
O pregador,
durante mais de uma hora, falou sobre o tema da palavra de S. Paulo: ”Se um
membro sofre, todos os membros sofrem”. O bispo Cauchon dirige-se pela última
vez a Joana, dizendo-lhe:
- Todas as vezes
que o vírus pérfido da heresia se pega a um dos membros da Igreja e o
transforma em servidor de Satanás…….
……Nós te
declaramos herética e relapsa…Deves ser banida da Igreja, deves ser entregue ao
poder secular…Pedimos a esse poder secular que seja moderado contigo na sua
sentença…
Lêem-lhe então a
sentença de relapsa, proferida contra ela no dia 24de Maio, mas os Ingleses
começam a ficar impacientes.
- Eh, padre, vai
fazer-nos jantar aqui? – grita um soldado inglês para Jean Massieu.
A um gesto, dois
ingleses agarram Joana e arrastam-na para a fogueira, ao mesmo tempo que os
prelados abandonam o seu estrado. É amarrada ao poste e sobre a cabeça
colocam-lhe uma espécie de mitra, tipo orelhas de burro, onde está escrito
“herética, relapsa, apóstata, idólatra”, mas contra o que é habitual não foi
amordaçada. O carrasco pega então fogo à palha e aos molhos de lenha colocados
na base da fogueira. Um fumo acre rodeia a condenada que pede ao padre Ladvenu
que ainda está junto dela, para que desça. Segura uma cruz de madeira que um soldado
inglês lhe deu, movido pela compaixão. Um padre segura uma cruz alta diante do
rosto de Joana, que reza invocando os seus santos.
As chamas e o
fumo escondem-na dos olhos da multidão que apenas ouve as suas orações, mas a
sua agonia é lenta e terrível, porque o carrasco, devido à altura a que está o
poste, não a pode “piedosamente” estrangular como era costume fazer-se aos que
morriam na fogueira reconciliados com Deus.
Por fim, de
entre as labaredas que rodeiam o poste, ouve-se um grito “Jesus!” e o silêncio
cai.
Logo que Joana
solta o seu último suspiro, o fogo foi abrandado para que os assistentes a
possam ver morta,
“Apareceu então,
direita e escura (carbonizada). Foi vista por todo o povo completamente nua e
mostrando tudo o que pode haver de secreto numa mulher, para com isso tirarem
todas as dúvidas ao povo”. Depois do que, “o carrasco voltou a lançar o fogo ao
seu pobre cadáver, que depressa foi completamente consumido e, ossos e carne,
tudo foi reduzido a cinzas”.
As cinzas foram
recolhidas e por ordem dos Ingleses, deitadas ao Sena, de cima da ponte
Mathilde.
Assim morreu aos
19 anos de idade, Joana, a doce pastora da Lorena, a quem um rei ficou a dever
a coroa.
Fontes: O
processo de Joana d’Arc – colecção Grandes Julgamentos da História.
Imagens:
www.wikipedia.org
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