segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Jovem Esquartejada – II




…Quando um jovem, saindo da multidão, avançou para o vizir e assim lhe falou:
“Ó refúgio dos pobres, tu serás salvo na tua aflição, porque fui eu quem matou a mulher encontrada no cofre. Que me crucifiquem, pois, e que a justiça siga o seu curso”.
E ao califa, contou a sua história: “ Sabei senhor, que esta mulher era a minha esposa e mãe dos meus filhos. Amava-me e servia-me com dedicação. Um dia, caiu doente e pediu-me maçãs para comer (fruto muito raro em Bagdade). Levei-lhe 3 destes frutos e, encontrava-me na minha loja a atender os fregueses, quando vi passar um escravo negro atirando uma das maçãs ao ar. Perguntei-lhe onde a tinha arranjado e ele respondeu-me a rir: “Deu-ma a minha senhora. Havia muito tempo que a não via e quando voltei a encontrá-la, estava na cama doente e tinha 3 maçãs junto dela. E disse-me: O cornudo do meu marido teve muito trabalho para me arranjar estas maçãs. Comi e bebi com ela e, trouxe uma das três maçãs”.
Quando ouvi isto, ó comendador dos crentes, vi tudo escuro à minha frente. Fechei a loja e corri a casa, cego de cólera. Entrei no quarto, e, quando vi apenas duas maçãs, perguntei a minha mulher pela terceira. Cansada, ela respondeu que não sabia. Isto foi para mim a prova de que o escravo dissera a verdade. Agarrei numa faca, coloquei-me atrás dela e cortei-lhe a garganta. Depois cortei o seu corpo em pedaços, que guardei num cofre, atirando-o ao Tigre. Quando cheguei a casa, encontrei o meu filho mais velho a chorar.
- Porque choras tu rapaz? Perguntei-lhe
- Porque tirei uma das maçãs que a mãe tinha ao pé dela e levei-a para a rua para brincar com os meus irmãos. Então apareceu um escravo negro que ma tirou, perguntando-me onde a tinha arranjado. Respondi que o meu pai tinha tido muito trabalho para arranjar três maças para a minha mãe que estava doente, e pedi-lhe que ma devolvesse, mas ele empurrou-me e fugiu… Como tinha medo que a mãe me ralhasse, só agora voltei para casa.
Quando acabei de ouvir o meu filho, vi que aquele vil escravo tinha caluniado ignobilmente a minha mulher e que eu a tinha morto injustamente. Há quatro dias que a choro dia e noite, peço-te que me mandes executar imediatamente, porque não lhe quero sobreviver”.
Por Alá! – exclamou o califa – Que este jovem seja perdoado e encontrem-me esse maldito escravo…
Voltando-se para o vizir, deu-lhe novamente três dias para o encontrar, senão seria ele a morrer.
O pobre Giafar pensava com os seus botões: “Já por duas vezes fui ameaçado de morte – tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia quebra!”.
Na manhã do quarto dia, o vizir preparou-se para morrer; fez testamento e despediu-se da família. Ao abraçar a mais nova das suas filhas, sentiu qualquer coisa redonda na algibeira, e perguntou-lhe: “Filhinha, que tens aqui?” “Ó pai, é uma maçã que me deu há quatro dias o nosso escravo Rihan” respondeu a garota.
Este foi imediatamente agarrado e interrogado, confessando que roubara a maçã a uma criança, numa ruela. Giafar não cabia em si de espanto ao ver surgirem todas estas complicações que haviam causado a morte da jovem, por culpa de um escravo seu. Depois regozijou-se por ele próprio ter escapado de uma morte certa e recitou estes versos:
“Se os teus males são por culpa do teu escravo, porque não pensas em desembaraçar-te dele?
Não sabes que os escravos pululam, mas que a tua alma é apenas uma e não pode ser substituída?”
Mas reconsiderando, levou o escravo consigo á presença do califa, a quem contou a história.
E Harun ficou tão maravilhado, que a mandou registar nos anais, para servir de lição aos vindouros. Deu ao jovem viúvo uma das suas escravas e, quanto ao escravo, a pedido do vizir acabou por lhe perdoar o seu acto insensato…
Fontes: adaptação de um conto de “O Livro das Mil e Uma Noites”

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