sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Romanceiro Português

A morte de D. Beltrão

Quedos, quedos, cavaleiros, que el-rei os manda contar!
Contaram e recontaram, só um lhe vinha a faltar:
Era esse Dom Beltrão, tão forte no batalhar.
Nunca o acharam de menos senão naquele contar,
Senão ao passar do rio, nos portos do mal passar.
Deitam sortes à ventura a qual o havia de ir buscar,
Que, ao partir, fizeram todos preito homenagem no altar,
O que na guerra morresse dentro em França se enterrar.
Sete vezes deitam sortes a quem no há-de ir buscar;
Todas sete lhe caíram ao bom velho do seu pai.
Volta rédeas ao cavalo, sem mais dizer nem falar…
Que lh’ a sorte não caíra, nunca ele havia de ficar.
Triste e só se foi andando, não cessava de chorar.
De dia vai pelos montes, de noite vai pelo vale;
Aos pastores perguntando se viram ali passar
Cavaleiro de armas brancas, seu cavalo tremedal.
-Cavaleiro de armas brancas, seu cavalo tremedal,
Por esta ribeira fora ninguém não no viu passar.
Vai andando, vai andando, sem nunca desanimar,
Chega àquela mortandade donde fora Roncesval;
Os braços já tem cansados de tanto morto virar;
Viu a todos os franceses, Dom Beltrão não pode achar.
Volta atrás o velho triste, voltou por um areal,
Viu estar um perro moiro, em um adarve a velar.
-Por Deus te rogo, bom moiro, me digas sem me enganar,
Cavaleiro de armas brancas se o viste por ‘qui passar,
Ontem à noite seria, hora do galo cantar.
Se entre vós está cativo, a oiro o hei-de pesar.
-Esse cavaleiro, amigo, diz-me tu que sinais traz.
-Brancas são as suas armas, o cavalo tremedal,
Na ponta de sua lança levava um branco sendal,
Que lho bordou sua dama, bordado a ponto real.
-Esse cavaleiro, amigo, morto está nesse pragal,
Com as pernas dentro d’ água, o corpo no areal.
Sete feridas no peito a qual será mais mortal:
Por uma lhe entra o sol, por outra lhe entra o luar,
Pela mais pequena delas um gavião a voar.
-Não torno a culpa ao meu filho, nem aos moiros de o matar;
Torno a culpa ao seu cavalo de o não saber retirar.
Milagre! Quem tal diria, quem tal poderá contar!
O cavalo meio morto ali se pôs a falar:
-Não me tornes essa culpa, que ma não podes tornar:
Três vezes o retirei, três vezes para o salvar.
Três me deu de espora e rédea c’o a sanha do pelejar.
Três vezes me apertou cilhas, me alargou o peitoral…
À terceira fui a terra desta ferida mortal.


Fonte: Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna – Vol. I, Fundação Calouste Gulbenkian
Versão de Trás-os-Montes e Alto Douro

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