«Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote, é um Dom». Miguel Torga
Pseudónimo do grande escritor e poeta Adolfo Correia da Rocha, nasceu a 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho de Anta, no concelho de Sabrosa, em Vila Real, Trás-os-Montes, filho de Francisco Correia da Rocha e de Maria da Conceição Barros, de quem ele diria mais tarde “ser a mais eterna das mulheres”.
Como filho de camponeses (Nasci como um cabrito/Ou como um pé de milho…), teve uma infância rural dura, que lhe deu a conhecer a realidade do campo, feita de árduo trabalho contínuo, como acontecia a tantos outros garotos como ele. Feita a quarta classe com distinção, o pai reconhecendo-lhe a inteligência, tira-o da enxada e envia-o para o seminário de Lamego, onde esteve pouco tempo. Sobre esta ida escreverá mais tarde, num dos volumes de “A Criação do Mundo”: “Ia na frente, de fato preto, montado, a segurar o baú de roupa que levava diante de mim. Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas e ela de colchão e cobertores à cabeça".
Aos treze emigrou para o Brasil, onde trabalhou durante cinco anos na fazenda de um tio, em Minas Gerais, que embora lhe desse trabalhos duros para fazer, apanhador de café, vaqueiro, tratador dos porcos, varredor, etc., o pôs depois a estudar no Liceu de Leopoldina. Porém a tia era tão má, que se viu forçado a regressar a Portugal em 1925, garantindo-lhe o tio que lhe pagaria a formatura. Em dois anos conclui os estudos liceais e em 1928, entra para a Universidade de Coimbra, finalizando em 1933 o curso de Medicina. Bastante crítico da “praxe” e de outras manifestações académicas, chama “farda” à capa e batina, tem um feitio socialmente difícil, reservado e pouco comunicativo.
Exerceu a profissão de médico em S. Martinho de Anta e outras localidades, chegando a ter consultório em Leiria, mas acaba por se fixar definitivamente em Coimbra, como otorrinolaringologista em 1941. Em 1940 casou com Andrée Cabbré, uma estudante belga, aluna de Estudos Portugueses com Vitorino Nemésio, em Bruxelas, e que tinha vindo fazer um curso de Verão à Universidade de Coimbra. “Vou tentar ser um bom marido, cumpridor. Mas quero que saibas, enquanto é tempo, que em todas as circunstâncias te trocarei por um verso”, confessa ele em “A Criação do Mundo, V”. Em 1955 nasce-lhe a sua única filha.
A sua oposição ao Estado Novo e a sua denúncia dos crimes da guerra civil espanhola valeram-lhe algumas vezes a prisão pela polícia do Estado ou a apreensão do seu passaporte, sendo a sua esposa proibida de leccionar em Portugal. Os seus livros foram sempre edições de autor, em papel barato, não só porque se recusava a entregá-los previamente à Censura, como era obrigação na altura, o que lhe valeu algumas apreensões (como aconteceu com “Os Contos da Montanha), mas também porque, como até os amigos reconheciam, ele era extremamente económico. No entanto, como médico, dava consultas gratuitas aos seus doentes mais pobres e diziam que era um homem de bom coração.
Estreou-se nas letras em 1928, quando entra para a Universidade, com Ansiedade, um livro de versos. Seguiu-se Rampa (1930), e Abismo (1932). Em 1934 publica o ensaio “A Terceira Voz”, onde aparece pela primeira vez com o pseudónimo que adoptará e pelo qual é mundialmente conhecido: Miguel Torga. Quando lhe perguntam a razão, explica: “Porque eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas na terra, como eu sou duro e tenho raízes. Miguel é um nome ibérico… Uma homenagem a duas grandes figuras espanholas: Miguel Unamuno, e Miguel de Cervantes”.
Seguiu-se A Criação do Mundo (1937), uma serie de 6 volumes de autobiografia ficcionada. Em 1941 começa a escrever o primeiro dos dezasseis volumes de “Diário”, onde reúne um vasto conjunto dos seus poemas. Em 1943 apareceu a obra O Senhor Ventura, um livro de contos rústicos, adaptado mais tarde ao cinema. Em 1954, rejeita o “Prémio Almeida Garrett”. Em 1960 é proposto para o Prémio Nobel da Literatura, sendo a proposta renovada em 1978, mas embora fosse inteiramente merecido, nunca lhe foi atribuído. Recebe o “Prémio Literário Diário de Notícias” em 1969. É galardoado em 1976, com o “Prémio Internacional de Poesia”, na XII Bienal de Poesia, da Bélgica e, em 1978 a Fundação Calouste Gulbenkian homenageia-o pelos seus 50 anos de carreira literária. Em 1980 recebeu o Prémio Morgado de Mateus, ex-equo com Carlos Drumond de Andrade, em 1989 é-lhe atribuído o “Prémio Camões”, e em 1992, é distinguido com o “Prémio da Vida Literária”. Em 1993, já doente, termina o último dos seus “Diário”, onde escreve o poema que abaixo se reproduz: “Requiem por mim”.
A sua ligação à terra, à região natal e a Portugal, à própria Península Ibérica e às suas gentes, é uma constante dos textos do autor. Tendo como homem a experiência dos sofrimentos da vida rural, da emigração, do contacto com as misérias e a morte, tornou-se o poeta do mundo rural, das forças telúricas, ancestrais, que animam o instinto humano na sua luta dramática contra as leis que o aprisionam.
Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a Natureza - mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à Natureza, como os trabalhadores rurais trasmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras:
Hinos aos deuses, não.
Os homens é que merecem
Que se lhes cante a virtude,
Bichos que cavam no chão,
Actuam como parecem
Sem um disfarce que os mude.
Pensa algumas vezes em sair de Portugal “Mas abandonar a Pátria com um saco às costas? Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua…”. Nunca se filiou em nenhum partido: “O meu partido é o mapa de Portugal”.
Autor de mais de 50 obras publicadas, exímio contista, romancista, ensaísta, e dramaturgo, os seus livros estão traduzidos para a generalidade dos idiomas europeus, assim como para chinês e japonês
Faleceu em 17 de Janeiro de 1995, no Instituto de Oncologia de Coimbra. Foi sepultado na sua aldeia, em S.Martinho de Anta, em campa rasa, junto da qual floresce uma torga.
REQUIEM POR MIM
Aproxima-se o fim
E tenho pena de acabar assim,
Em vez da natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos,
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.
Miguel Torga.
Obras publicadas
Poesia: Ansiedade, 1928 – Rampa, 1930 – O outro livro de Job, 1936 – Lamentação, 1943 – Nihil Sibi, 1948 – Cântico do Homem, 1950 – Alguns Poemas Ibéricos, 1952 – Penas do Purgatório, 1954 – Orfeu Rebelde, 1958.
Prosa: Pão Ázimo, 1931 - Criação do Mundo, Os Dois Primeiros Dias, 1937, - O Terceiro Dia da Criação do Mundo, 1938 – O Quarto Dia da Criação do Mundo, 1939 – O Quinto Dia da Criação do Mundo, 1974 – O Sexto Dia da Criação do Mundo, 1981 – A Terceira Voz, 1934 - Bichos, 1940 – Contos da Montanha, 1941 – Rua, 1942 - O Senhor Ventura, 1943 – Novos Contos da Montanha, 1944 – Vindima, 1945 – Fogo Preso, 1976.
Peças de Teatro: Terra Firme e Mar, 1941 – O Paraíso, 1949 – Sinfonia, 1947 – Fábula de Fábulas, 1982.
Impressões de Viagens: Portugal, 1950 – Traço de União, 1955.
Diário, 16 volumes entre 1941 e 1993.
Fontes: Wikipedia.org.
Literatura Portuguesa, 29º vol. Da Enciclopédia do Jornal O Público
cvc.instituto-camões.pt