sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BELA INFANTA

Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente d’oiro fino
Seu cabelo penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem a governava.
- “Dizei-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava”.
- “Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Dizei-me tu ó senhora,
As senhas que ele levava”.
- “Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava”.
- “Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava”.
- “Ai triste de mim, viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...”.
- “Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i”.
- “Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gergeli;
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei p’ra si”.
- “Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi;
Que darias mais, senhora
A quem tu trouxera aqui?”
- “As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim”.
- “As telhas do teu telhado
Não nas quero par mi;
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três filhas que eu tenho
Todas três te dera a ti;
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir”.
- “As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui”.
- “Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir”.
- “Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti”.
- “Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!”
- “Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti…
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!”
- “Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido
Que me ias matando aqui”.

Romanceiro, de Almeida Garrett

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