quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alves Redol


Faz hoje 100 anos que em Vila Franca de Xira nascia António Alves Redol, um dos iniciadores do neo-realismo português, considerado como um dos seus expoentes máximos.
Filho de um pequeno comerciante, cedo começou a trabalhar. Em 1927, concluiu o Curso Comercial e no ano seguinte embarca no navio Niassa, com destino a Luanda, à procura de melhor sorte, mas só encontrando miséria e pobreza, regressa a Portugal em 1931
Ligado desde muito cedo aos meios de oposição ao salazarismo, a sua militância no Partido Comunista, assim como as conferências que proferiu e os artigos escritos em jornais como “O Diabo”, valeram-lhe a perseguição da polícia política, chegando a ser preso e torturado, o que condicionou a sua produção literária, obrigando-o a procurar outros meios de subsistência.
Empenhado na luta de resistência ao regime salazarista, compreendeu a literatura como forma de intervenção social e em 1939 publica o seu romance “Gaibéus”, obra que pode ser considerada fundadora do Neo-Realismo português, onde descreve a vida dura dos camponeses da Beira que iam fazer a ceifa do arroz ao Ribatejo, em meados do sec XX.
Alves Redol recebeu duras críticas pelo fato de sua obra abordar personagens, temas e situações que não eram explorados pela literatura e de utilizar uma linguagem simples que incorporava a fala das personagens de acordo com o ambiente em que viviam. Por isso, na epígrafe de Gaibéus, ele dá o seguinte aviso: “Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem".
Para melhor escrever os seus romances, Alves Redol não hesitava em ir viver e trabalhar junto daqueles que pretendia retratar. Que o diga o repórter do jornal “A Tarde”, quando em 1945, encontrou o escritor descalço, com a sua inseparável boina basca e uma camisola grossa de lã junto de um barco rabelo a ajudar a descarregar 16 pipas de vinho tratado, para poder descrever a vida trágica dos barqueiros do Douro. Quando o interrogou sobre o assunto, Alves Redol respondeu:
- Fiel ao meu método, vim instalar-me na região onde vivem, sofrem e lutam as minhas personagens.
Este episódio vem descrito num artigo da revista “Vida Mundial Ilustrada” de 1945.
A sua primeira obra de teatro, “Maria Emília”, foi representada em 1946, e em 1950 recebe o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências, com a obra “Horizonte Cerrado”.
Em 1960, houve uma tentativa de representação de “A Forja”, mas os ensaios acabaram proibidos. A peça, apresentada em 1965 no Festival de Teatro de Manica e Sofala, em Moçambique, pelo Teatro de Ensaio do Clube Recreativo do Buzi, só em 1969 seria levada à cena no nosso país.
Autor de uma vasta obra, a sua literatura centra-se nos dramas humanos vividos na sociedade ribatejana e, com o Ciclo Port Wine (1949-53), também nos da região duriense, denunciando as injustiças sociais e fazendo um retrato fiel da sociedade em que viveu.
Faleceu em Lisboa a 29 de Novembro de 1969.
Para além dos textos das suas conferências e artigos para os jornais, escreveu romances, contos, peças de teatro e estudos de etnografia, de que se destacam os romances Gaibéus (1939), Marés (1941), Avieiros (1942), Fanga (1943), Anúncio (1945), Porto Manso (1946), o Ciclo Port Wine (constituído pelas obras Horizonte Cerrado – 1949, Os Homens e as Sombras – 1951 e Vindima de Sangue – 1953), Olhos de Água (1954), A Barca dos Sete Lemes (1958), Uma Fenda na Muralha (1959), O Cavalo Espantado (1960), Barranco de Cegos (1963, considerado a sua obra-prima), O Muro Branco (1966), e, com publicação póstuma, a peça de teatro Os Reinegros (1974). As suas peças dramáticas foram reunidas em Teatro I (1966), Teatro II (1967), e Teatro III (1972).
Contos
1940 – Nasci com Passaporte de Turista
1943 – Espólio
1946 – O Comboio das Seis (em Contos e Novelas)
1959 – Noite Esquecida
1962 – Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos
1963 – Histórias Afluentes

Literatura Infantil
1956 – Vida Mágica da Sementinha
1968 – A Flor Vai Ver o Mar
1968 – A Flor Vai Pescar Num Bote
1969 – Uma Flor Chamada Maria
1970 – Maria Flor Abre o Livro das Surpresas

Estudos
1938 – Glória – Uma Aldeia do Ribatejo
1949 – A França – Da Resistência à Renascença
1950 – Cancioneiro do Ribatejo
1952 – Ribatejo (Em Portugal Maravilhoso)
1964 – Romanceiro Geral do Povo Português

O episódio publicado na revista ”Vida Mundial Ilustrada” de 1945, a que me referi neste post, foi retirado do blog:
diasquevoam.blogspot.com

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Santo Estêvão

Primeiro mártir do Cristianismo é celebrado em 26 de Dezembro na Igreja do Ocidente e em 27 de Dezembro na Igreja Oriental.
Segundo os Actos dos Apóstolos, Estêvão fazia parte comunidade cristã helenista (judeus de origem grega) de Jerusalém, sendo um dos 7 discípulos escolhidos por essa comunidade, a pedido dos Apóstolos dada as divergências entre esses cristãos e os de mentalidade judaica, e a quem os doze, depois de rezarem, lhes impuseram as mãos, e enviaram em pregação.
O seu êxito na conversão tanto de judeus como de gentios foi tal, que acabou por lhe granjear a inimizade de alguns membros da sinagoga, chamada dos Libertos (Descendentes dos Hebreus que no ano 63 a.C., foram levados para Roma como escravos e depois de postos em liberdade, regressaram à pátria), e acusado perante o Sinédrio de blasfémia.
A sua interpretação das Escrituras deixou o Sumo Sacerdote e os restantes membros cheios de raiva, pelo que foi sentenciado a ser apedrejado.
Normalmente, um réu condenado à lapidação era conduzido ao local do suplício, onde depois de despojado das suas vestes, uma das testemunhas o atirava do alto de uma tribuna de cerca de 2,40m. de altura, armada para o efeito, mas de modo a que caísse de costas. Então a segunda testemunha atirava a primeira pedra ao coração, se o supliciado continuasse vivo, todo o povo o apedrejava a seguir até à sua morte.
Mas no caso de Estêvão isso não aconteceu devido à fúria da população. Foi arrastado para fora da cidade começando logo a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram as suas capas à guarda de um jovem chamado Saulo, de Tarso.
Enquanto o apedrejavam, Estêvão orava dizendo: “Senhor, Jesus, recebe o meu espírito”. Depois, com voz forte exclamou “ Senhor, não lhes imputes este pecado”, e morreu.
O seu corpo ficou insepulto, até que homens piedosos o recolheram e depositaram numa caverna fora de Jerusalém.
A posição de Estêvão desencadeou uma violenta perseguição contra os cristãos helenistas da Igreja de Jerusalém, onde Saulo se destacou como um dos mais ferozes perseguidores, indo de casa em casa arrastando homens e mulheres para a prisão. Quão longe estava ele de imaginar que seria um dia um dos pilares de sustentabilidade da Igreja que estava a tentar destruir!
O seu nome vem do grego Στέφανος (Stephanós), o qual se traduz para aramaico como Kelil, significando coroa - e Santo Estêvão é, de resto, representado com a coroa de martírio da cristandade, recordando assim o facto de se tratar do primeiro cristão a morrer pela sua fé - o protomártir.
Durante os primeiros século do cristianismo, o túmulo de Estêvão achou-se perdido, até que em 415, um padre chamado Luciano teve uma revelação de que algures na povoação de Caphar Gamala, a alguns quilómetros a Norte de Jerusalém, se encontrava a tumba do mártir. Achadas as ossadas, foram trasladadas para Jerusalém, sendo posteriormente depositadas na igreja do santo Diácono Lourenço, por volta do ano 428, durante o reinado do imperador Teodósio, o Jovem (408-450). Mais tarde, depois da construção de uma igreja em sua honra, as ossadas foram para aí transportadas.
O seu nome vem do grego Στέφανος (Stephanós), o qual se traduz para aramaico como Kelil, significando coroa - e Santo Estêvão é, de resto, representado com a coroa de martírio da cristandade, recordando assim o facto de se tratar do primeiro cristão a morrer pela sua fé - o protomártir.
Gregório de Tours afirmou mais tarde que foi por intercessão de Santo Estêvão, que um oratório a ele dedicado, na cidade de Metz, onde se guardavam relíquias do santo, foi o único local da cidade que escapou ao incêndio que os Hunos lhe deitaram, no dia de Páscoa de 451.
O culto de Santo Estêvão encontra-se associado à festa dos rapazes nas aldeias de Trás-os-Montes, integradas no ciclo de festividades do Solstício do Inverno, no período que decorre do dia 24 de Dezembro ao dia 6 de Janeiro, e que no passado pagão terão sido dedicadas ao culto do Sol, num ritual em que intervêm os caretos, as máscaras tradicionais do extremo nordeste de Portugal.
É o Santo padroeiros dos pedreiros e dos colectores de impostos.

imagem: snpcultura.org




domingo, 25 de dezembro de 2011

NATAL


Menino dormindo…
Silêncio profundo.
Benvindo, benvindo,
Salvador do Mundo!

Noite. Noite fria.
Mas que linda que ela é!
De um lado Maria,
Do outro José.

Um anjo descerra
A ponta do véu…
E cai sobre a Terra
A imagem do Céu!

Pedro Homem de Melo




Sobre André Reinoso, pintor do sec. XVII e considerado o pioneiro do barroco em Portugal, pouco se sabe. Esteve activo entre 1610 e 16150, e a ele se devem obras de grande qualidade, como o conjunto de vinte pinturas pintadas em 1619 sobre a vida de S. Francisco Xavier, situadas sobre o arcaz da sacristia da Igreja de S. Roque, e que serviram de modelo a várias outras pintadas posteriormente.
No Mosteiro dos Jerónimos, no Convento dos Capuchos de Sintra, e em Óbidos também existem obras atribuídas a este excelente pintor, cuja família viveu em Viseu.

A todos um Feliz Natal cheio de Paz e Amor!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Á NOITE DE NATAL

Era noite de inverno longa, e fria,
Cobria-se de neve o verde prado;
O rio se detinha congelado,
Mudava a folha a cor, que ter soía.

Quando nas palhas de uma estrebaria,
Entre dois animais brutos lançado,
Sem ter outro lugar no povoado
O Menino Jesus pobre jazia.

— Meu filho, meu Amor, porque quereis
(Dizia sua Mãe) nesta aspereza
Acrescentar-me as dores, que passais?

Aqui nestes meus braços estareis;
Que se vos força amor sofrer crueza,
O meu não pode agora sofrer mais.

Frei Agostinho da Cruz



A Adoração do Menino é um quadro pintado por Kim Ki-Chang, um pintor sul-coreano, mais conhecido pelo seu apelido Woonbo.
Nascido em 1914 e na sequência de uma febre tifóide que o atacou aos sete anos de idade, ficou completamente surdo.
Aos 17 anos, sua mãe apercebendo-se do talento artístico que ele possuía, mandou-o estudar pintura. Nos primeiros anos dedicou-se à pintura tradicional, mas com o passar do tempo, foi descobrindo o seu próprio estilo.
Em 1951, durante a Guerra da Coreia a sua maneira de pintar sofreu uma grande transformação. Cristão desde muito jovem pintou uma série de obras sobre a vida de Jesus, finalizando-a com quadros de histórias da Bíblia, em que todos os personagens estão vestidos com trajes tradicionais coreanos.
É considerado um mestre da pintura coreana. Faleceu em Janeiro de 2001.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

LITANIA DO NATAL

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»
E assim, mais uma vez, Jesus nascia.
José Régio


A Natividade (Te tamari no atua), foi pintada em 1896 por Eugène-Henri-Paul Gauguin, pintor francês pós-impressionista, nascido a 7 de Junho de 1848, em Paris, e falecido em 1903, nas Ilhas Marquesas.
Aqui é possível perceber facilmente a mistura de sua cultura ocidental com o estilo de vida primitivo dos taitianos. Utilizou nativos para retratarr um fato cristão, bem como a cor amarela para enfatizar a santidade de Maria, deitada na cama (clicar no quadro para abrir).
Depois de ter sido marinheiro e empregado bancário, decidiu enveredar pela pintura, ao conhecer Camille Pissarro e o trabalho dos impressionistas. Em constante revolta contra os artifícios e os convencionalismos da época, encetou um retorno às origens em Taiti. A Bretanha constitui contudo o primeiro passo no seu percurso artístico. Libertando-se do Impressionismo, em O Cristo Amarelo (1889) utiliza cores lisas delimitadas por contornos, processo que se assemelha à arte do vitral medieval, e que vai aperfeiçoar naquilo a que se chamou o "cloisonnisme". Em Manao Tupapau (1892), já no Taiti, as prioridades do espaço pictural prevalecem sobre a realidade, as proporções das figuras são deformadas, a perspetiva alterada, as cores são intensas e profundas, mas nunca agressivas. Em A Lua e a Terra (1893) expressa os seus sentimentos sobre a cultura maori. Com O Cavalo Branco (1898) o seu estilo conserva-se essencialmente o mesmo, mas torna-se mais poderoso. A sua obra-prima é a alegoria Donde Vimos? Que Somos? Para Onde Vamos? (1897) uma espécie de testamento mágico-religioso executado antes de uma tentativa de suicídio. A sua arte influenciou diretamente os nabis, o Fauvismo, o Simbolismo e mesmo o Expressionismo de Edvard Munch.

Fontes: Infopedia

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


Miguel Torga - Antologia Poética


“O Massacre dos Inocentes”, um óleo sobre tela, datado de 1482 e pertencente à Galleria Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, é considerado a obra-prima de Matteo di Giovanni di Bartolo, um pintor renascentista italiano também conhecido por Matteo di Siena, por se ter radicado nessa cidade.
Nascido em Borgo Sansepolcro, cerca de 1430, foi viver para Siena quando a sua família para ali se mudou, e aí faleceu em 1495. Entre as suas obras principais contam-se também um retábulo datado de 1477, para o Oratório da Igreja de Nossa Senhora da Neve, em Siena e o retábulo de Santa Bárbara, de 1478/9, para a Igreja de San Domenico.
Imagem: Artchive.com

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

David Mourão-Ferreira, Obra Poética


O quadro “A Natividade” é da autoria de Anita Catarina Malfatti, considerada como a primeira representante do modernismo no Brasil. Nascida em São Paulo em 1889, aí faleceu em1964. Pintora, desenhista, gravadora, ilustradora e professora, inicia o seu aprendizado artístico com a mãe, Bety Malfatti. Devido a uma atrofia congénita no braço e na mão direita, aprendeu a utilizar a esquerda para pintar.
Podemos dividir as fases artísticas de Anita Malfatti em três: 1- a primeira seria quando define sua forma expressionista de pintar; 2- a segunda seria a das dúvidas, de que caminho seguir na arte; 3- dos 20,30 e início dos anos 40, quando depois da morte de Mário de Andrade e de sua mãe, se recolhe na sua casa, atravessando um período de reclusão. Iria finalmente, em paz consigo mesma, " pintar à vontade", " ao seu modo.
"É verdade que eu já não pinto o que pintava há 30 anos. Hoje faço pura e simplesmente arte popular brasileira. É preciso não confundir: arte popular com folclore… [...]eu pinto aspectos da vida brasileira, aspectos da vida do povo. Procuro retratar os seus costumes, os seus usos, o seu ambiente. Procuro transportá-los vivos para as minhas telas. Interpretar a alma popular [...] eu não pinto nem folclore, nem faço primitivismo. Faço arte popular brasileira".


Imagem: peregrinacultural.wordpress.com

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

LOA DO PRESEPE

Lição manuscrita do sec. XVIII

Pastor I

Pois todos somos chegados
À cidade de Belém,
Pelo anjo de Deus guiados,
Onde todo o nosso bem
Nasceu para remir pecados,
Vamos lhe oferecer
E dar graças todos juntos,
Pois este par de presuntos
Lhe trago para comer,
Atados com estes juncos.

Pastor II

Só este par de tassalhos
Achei lá no meu fumeiro;
E este gordo carneiro
Com doze cabeças de alhos
Vos manda meu companheiro.
Não vos pude mais trazer
Põe ser longe o caminho.
Mais este barril de vinho;
É para o velho beber,
Que está muito fraquinho.
Que vos há-de despertar
E fazer falar francês;
Porém, olhar, não tombar
Nem jogar Martim Cortês.

Pastor III

Trago-vos este cabaz
De ovos crus, e mais cozidos;
Os crus em calda mexidos
Darei a este rapaz
Para que esperte os sentidos.
São muito bons para a memória;
Mandá-lo-eis ensinar,
E assim pode escapar
Da ira da palmatória,
Quando lhe quiserem dar.

Pastor IV

A vós, Senhora Rainha,
Mãe deste lindo donzel,
Esta infusa de mel
Para lhe fazer a papinha
Vos trago no meu fardel.
È muito bom, de enxame novo;
Não dou outro, que faz frio,
Misturado com um ovo,
Não há quem tenha fastio.

Pastor V

Vós, santo velho bendito,
Parece que estais cansado
Aqui vos trago atado
Às costas um bom cabrito
Para comerdes assado;
E logo na mesma hora
O mandareis esfolar,
E depois de todo assar,
Comereis com o Senhor,
E preste-vos o jantar.

Pastora

Eu, esta pobre camisa
Vos ofereço, Senhora,
Suposto que venha agora,
Tríngua forte, mala guiza,
Obra de mão de pastora.
Mas, ainda que seja grossa
E feita de pano cru,
Pois o Menino está nú,
Vesti-a, por vida vossa,
Com o nome de Jesus!

(Despedida)

Senhor, ficai-vos embora,
Querido, amado de nós;
Sim, estamos satisfeitos
Em que, morrendo por nós,
Pois sendo vós nosso bem,
O que tudo confessamos,
Querendo-vos como firmes
Em que sempre vos amamos.

Cancioneiro Popular Português, de Teófilo de Braga.




A Adoração dos Pastores é um óleo sobre tela sobre o tema da Adoração dos Pastores, do ciclo da Natividade, de autoria de pintora Josefa de Óbidos. Pintado em 1669, mede 150 cm de altura x 184 cm de largura.
A pintura pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.
Josefa de Óbidos, nascida Josefa de Ayala Figueira (Sevilha, Fevereiro de 1630 — Óbidos, 22 de Julho de 1684)), foi uma pintora nascida em Espanha que viveu e produziu em Portugal. Como retratista da Família Real Portuguesa, destacam-se os seus retratos da rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, esposa de D. Pedro II, e de sua filha, a princesa D. Isabel, que foi noiva de Vítor Amadeu, duque de Sabóia, a quem esse retrato foi enviado
.


Clicar para abrir.

domingo, 18 de dezembro de 2011

NATAL 2011


Apenas oito dias nos separam da celebração do Natal e portanto vamos esperar a vinda do Menino com um quadro e um poema diários alusivos à quadra tão simbólica que se aproxima.
Achei por bem começar com o vilancete que Abel pastor canta no “Auto da História de Deus”, da autoria de Gil Vicente, a mais brilhante figura da literatura portuguesa (1465?-1536?).
Quanto ao quadro que o acompanha é da autoria do pintor veneziano Tintoretto, (Jacopo Comim, também conhecido como Jacopo Robusti, Veneza, c.1518 – Maio 1594), o maior representante do “maneirismo” e um dos precursores do Barroco.



Vilancete

Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.
Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas
louvai nas alturas
Deus das criaturas.
Louvai arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.

Gil Vicente

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BELA INFANTA

Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente d’oiro fino
Seu cabelo penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem a governava.
- “Dizei-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava”.
- “Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Dizei-me tu ó senhora,
As senhas que ele levava”.
- “Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava”.
- “Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava”.
- “Ai triste de mim, viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...”.
- “Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i”.
- “Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gergeli;
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei p’ra si”.
- “Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi;
Que darias mais, senhora
A quem tu trouxera aqui?”
- “As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim”.
- “As telhas do teu telhado
Não nas quero par mi;
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “De três filhas que eu tenho
Todas três te dera a ti;
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir”.
- “As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui”.
- “Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir”.
- “Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti”.
- “Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!”
- “Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti…
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!”
- “Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido
Que me ias matando aqui”.

Romanceiro, de Almeida Garrett

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Lenda da Coroa Real de Cedros


Esta lenda é uma tradição da ilha do Faial nos Açores, e passa-se no tempo da ocupação das ilhas pelas forças de Filipe II, de Espanha. Já antes, eram frequentemente assaltadas e roubadas por piratas e corsários, que também levavam homens e mulheres da terra para venderem como escravos.
Num certo dia, uma embarcação pirata comandada por um rei mouro apareceu nas costas da ilha para mais um assalto, mas como a embarcação foi avistada a tempo, as populações locais tiveram tempo de se preparar. Encontrando forte resistência, os piratas foram obrigados a fugir de forma precipitada sem conseguirem roubar nada.
Na fuga apressada, o rei mouro esqueceu-se da sua coroa que tinha posto sobre um muro de pedra enquanto combatia. A coroa era feita de prata lavrada e enfeitada em toda a volta com lindos ramos desenhados no metal luzidio e ao aperceber-se da sua falta, resolveu voltar à ilha para a recuperar.
Disfarçando-se de marinheiros comuns, procuraram-na sem resultado e apesar das perguntas que fizeram aos habitantes, ninguém sabia de nada. Para não levantarem mais suspeitas, desistiram da busca e fizeram-se novamente ao mar, para não mais regressarem…
Afinal, a coroa do rei pirata tinha sido encontrada por uma mulher da localidade dos Cedros, que ao saber que andavam à sua procura, a escondeu conforme pôde - levantando as saias, enfiou-a numa perna, como quem enfia um anel num dedo…E aí a conservou até ter a certeza que o rei mouro tinha desistido do precioso objecto.
Calculando o valor da coroa, e não desejando que os seus conterrâneos soubessem que a tinha, deixou-a ficar muito tempo na perna, que ao fim de alguns dias começou a inchar e a doer. Aflita, a mulher acabou então por confessar o sucedido, mas como a perna estava muito inchada, a população não teve outra alternativa senão cortar a coroa para a poderem retirar.
Depois de soldarem cuidadosamente a parte cortada, o objecto ficou para a freguesia dos Cedros, onde morava a referida mulher cujo nome se desconhece. Com o passar dos anos a coroa passou a ser usada pelos locais nas festas do Divino Espírito Santo.
Esta coroa tinha 13 Centímetros de altura e continha engastada uma gema de cor da qual se ignora o verdadeiro valor. Com o passar dos anos e com medo de estragar tão simbólico e rico objecto, foi feita uma imitação da primeira, que passou a ficar guardada na casa do mordomo da festa do Espírito Santo.
.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

N.Correia - Poemas

De Amor nada Mais Resta que um Outubro


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia, in “Poesia Completa

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Genserico, Rei dos Vândalos – II

Com o assassinato de Valentiniano III, Genserico deu por terminado o seu acordo com Roma, e em 455 lança um ataque à capital do Império. O Papa Leão I sai ao seu encontro, e tal como tinha feito três anos antes com o rei dos Hunos, Átila, pede-lhe que poupe a cidade. Mas o rei vândalo concorda apenas em respeitar vidas, igrejas e edifícios e durante duas semanas as hordas vândalas lançam-se sobre a cidade, arrebanhando tudo o que tivesse algum valor.
Quando regressa a Cartago, leva consigo como reféns a imperatriz viúva Licina Eudoxia e as suas duas filhas, Placídia e Eudoxia, assim como ouro, obras de arte, artesãos, armamento e os tesouros do Templo de Jerusalém trazidos pelo Imperador Tito em 77 d.C., quando destruiu a cidade, deixando atrás de si uma Roma profundamente humilhada.
O valor do saque foi tal, que, tanto romanos como bizantinos lançaram vários ataques contra Genserico, para o reaverem, mas sem sucesso. No último deles, em 468, o velho rei derrotou a frota conjunta de Roma e Bizâncio, junto ao Cabo Born, a norte da Tunísia, incendiando as mais de mil naves que a compunham. Em 474, os Bizantinos assinaram uma paz perpétua, reconhecendo a soberania vândala sobre todas as províncias por eles conquistadas.
Internamente, Genserico estabeleceu a monarquia hereditária ao designar seu filho Hunerico, como seu sucessor, contrariando o antigo costume da livre eleição do chefe pela nobreza vândala. Isto deu origem a uma revolta que o rei reprimiu com toda a violência e sem qualquer piedade, aproveitando para debilitar a nobreza tradicional substituindo-a por outra mais leal à sua família.
Com as mulheres da família imperial em seu poder, Genserico obrigou o seu herdeiro a repudiar a princesa visigoda com quem estava casado, acusando-a de traição, e enviando-a de volta à família seriamente ferida e mutilada, com as orelhas e o nariz cortados, casando-o depois com Eudóxia, uma das princesas romanas.
Incentivou a segregação racial proibindo os casamentos mistos, com excepção dos da família real por motivos políticos e permitiu o porte de armas apenas ao seu povo. Ariano convicto como todos os vândalos, perseguiu duramente o catolicismo, confiscando os bens da Igreja Católica, deportando bispos e sacerdotes, e impondo pesados impostos às famílias de origem romana e ao clero, o que lhe valeu a oposição de toda a Igreja africana.
Morreu a 25 de Janeiro de 477, vencido pela idade, ao fim de 50 anos de reinado, senhor incontestado do Mediterrâneo ocidental.

Fontes: www.wikipedia.org
Grinberg, Carl – História Universal
Revista Historia Y Vida

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Genserico, rei dos Vândalos – I

Se Átila, rei dos Hunos, ficou conhecido como o Flagelo de Deus, Genserico, rei dos vândalos, foi comparado ao Quarto Cavaleiro do Apocalipse pelos católicos da época.
Expulsos das margens do Danúbio pelos Hunos, os Vândalos aproveitando o congelamento do Reno, cruzaram a fronteira com a Gália na noite de 31 de Dezembro de 406, juntamente com parte dos alanos e suevos que se lhes tinham juntado, enfrentando as tropas romanas e os seus aliados, os francos, após a travessia do rio. Na batalha que se seguiu, o rei Geodesildo morreu, sendo sucedido no trono pelo seu filho Gunderico, que após ter saqueado a Gália durante cerca de 3 anos, foi forçado pelos romanos a estabelecer-se na Península Ibérica, onde após vários confrontos com os visigodos, se fixaram no sul da província, escolhendo Sevilha como sua capital, e controlando o tráfico marítimo através de Gibraltar.
Filho ilegítimo do rei Geodesildo e de uma mulher alana, Genserico nasce provavelmente cerca de 389, junto ao Lago Balaton (actual Hungria), sendo eleito rei dos vândalos e alanos em 427/8, depois de um conflito entre os dois irmãos, que acabou com a morte de Gunderico.
No ano de 429, aproveitando o pedido de auxílio feito por Bonifácio, governador romano da província da África Proconsular, em luta com a elite romana, abandona a Bética aos visigodos, e transpondo o estreito a partir de Tarifa, desembarca entre Tânger e Ceuta, à frente de todo o seu povo, cerca de oitenta a cem mil pessoas, incluindo velhos, mulheres e crianças, com a intenção de fundar um novo reino.
A fim de impedir um ataque dos romanos e seus aliados, destrói a frota inimiga fundeada em Barcino e ordena aos seus homens que arrasem Tânger. Em pouco tempo controla um território que abrangia a zona costeira do actual Marrocos e Argélia, e dirigindo-se para leste, põe cerco por terra e mar à cidade de Hipona (actual Anaba, na Argélia). Entre as vítimas da carestia que assolou a cidade durante os treze meses de assédio a que foi submetida, conta-se Santo Agostinho, Bispo de Hipona, então com 75 anos de idade, considerado um dos Doutores da Igreja.
Os africanos, fartos do poder de Roma, aliaram-se aos vândalos e em 435 o Imperador Valentiniano III é forçado a reconhecer Genserico como soberano dos territórios conquistados.
Em 439, apodera-se de Cartago, a segunda cidade do Império e o principal porto do Mediterrâneo, apresando a frota imperial ali atracada. Faz da cidade a sua capital, e a partir dali, as suas naus pilham, saqueiam, raptam, conquistando bases marítimas de grande valor comercial e estratégico como a Córsega, Sícilia, Sardenha, ou Baleares. Privada dos seus “celeiros” tradicionais, Roma vê-se obrigada a comprar os cereais de que necessita, o que deixa os romanos enfurecidos.