quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Trégua de Deus


A desagregação do Império Romano e as invasões bárbaras criaram uma onda de violência de que as populações foram as principais vítimas.
A situação melhorou um pouco com o reinado de Carlos Magno, mas depois da morte deste, o desmembramento do seu império conduz ao declínio do poder central e à formação de novas entidades políticas: os principados.
Estes príncipes fossem eles duques ou condes, consideram-se soberanos “autónomos” no seu próprio território e cercam-se de uma hoste armada (as milites, que logo serão chamados de “cavaleiros”). Contestam antigas doações, espoliam e queimam as terras da igreja, pilham os próprios mosteiros atraídos pelas suas riquezas, raptam contra resgate, e, quando não havia torneios ou batalhas, guerreavam entre si ou por vingança, ou pela posse das terras, semeando o terror entre as populações que lhes sofriam os efeitos. Para agravar a situação, entre 1030 e 1040, a Europa sofreu toda a casta de provações, de que resultou profunda miséria, que, durante anos, assolou as populações.
Face a esta insegurança, a Igreja, principalmente a de França, onde a situação era pior, avança com um movimento de reforma espiritual, procurando conter os numerosos abusos praticados, baseados na lei do mais forte. Procurava também, transformar as igrejas e mosteiros em locais de asilo, onde a violência não poderia entrar, e moderar as actividades militares.
Para isso, avança com dois movimentos ideológicos: a “Paz de Deus”, que nasce em Puy, no ano de 900, onde se proíbe o ataque às populações desprevenidas e aos bens da Igreja, e, mais tarde, pelo concílio de Elne, em 1027, a “Trégua de Deus”, interditando a acção guerreira entre sexta-feira e segunda, em comemoração do tempo pascal, vindo a ser promulgados pelo Papa em 1095.
Era este o juramento que os senhores tinham de prestar:
1 – Não invadirei, por forma alguma, a igreja; não forçarei os celeiros situados em volta da igreja, em virtude da protecção que lhe é devida...
2 – Não assaltarei clérigo ou monge que não trazem armas seculares, nem aquele que os acompanha sem lança nem escudo, nem lhes roubarei o cavalo, a não ser que tenham cometido alguma falta pela qual tenha motivos de queixa…
3 – Não roubarei nem boi, nem vaca, nem porco, nem ovelha, nem cabrito, nem cabra, nem burro, nem a carga que este leva, nem égua nem poldro por adestrar…
4 – Não prenderei camponês ou camponesa, nem agentes da ordem ou mercadores, nem lhes roubarei o dinheiro, exigirei resgate ou lhes apreenderei os haveres, nem os fustigarei para lhes apanhar seus bens…
5 – Não tomarei pela força nem mula, nem macho, cavalo, égua ou poldro nas pastagens, desde o primeiro dia de Março até à Festa de Todos-os-Santos (Período do ano em que os animais estão nos campos), salvo se achar que me fazem mal…
6 – Não incendiarei nem destruirei casas…
7 – Não cortarei, nem arrancarei, nem vindimarei as vinhas de outrem sob pretexto de guerra, a não ser que elas se encontrem nas minhas próprias terras…
8 – Não destruirei o moinho e não roubarei o trigo que nele se encontrar, a não ser que eu esteja em missão ou integrado numa hoste e que isto suceda nas minhas terras…
9 – Não protegerei nenhum conhecido salteador de estradas…
10 - Não assaltarei nenhum negociante, nem peregrino, e não me apossarei dos seus bens, a não ser que aqueles estejam em falta…
11 – Não matarei os animais dos aldeões, a não ser por necessidade minha ou dos meus. Não roubarei um vilão nem lhe tomarei perfidamente os bens por ordem do seu senhor.
12 – Não assaltarei as mulheres nobres cujos maridos estejam ausentes, nem aqueles que as acompanhem…
13 – Não tomarei o vinho de quem o leva num carro, nem os bois que o puxam…
Este texto diz muito do que eram os costumes feudais na época…
Os que jurassem a “Trégua de Deus”, tinham o perdão dos seus pecados, quem não a jurasse, seria excomungado. Numa época em que o medo das penas do Inferno era intenso, esta atitude da Igreja permitiu que se desenvolvesse um espírito mais nobre, associando à guerra considerações morais e religiosas, que, pouco a pouco, acabarão por se impor.

Fontes: Grinberg, Carl – História Universal
O Tempo dos Cavaleiros – Colecção O Homem e a História, ed. Pergaminho.

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