domingo, 28 de novembro de 2010

Caravaggio - I


“ De Michelangelo de Caravaggio, diz-se indiferentemente tenebroso ou luminista. Esquecemo-lo, mas sem ele, não teria havido Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt. E Delacroix, Courbert e Manet teriam pintado de outra forma.” Robert Longhi

Comemora-se este ano o 400º aniversário da morte daquele que foi uma das personalidades mais interessantes da história da arte do sec. XVII e também uma das mais controversas. Considerado na altura uma autêntica “ovelha negra”, o seu carácter turbulento que o arrastou várias vezes à prisão, assim como o tratamento pouco ortodoxo que dava às suas pinturas, principalmente as de temas religiosos, contribuíram para que tal como os seus quadros, fosse completamente esquecido após a sua morte. E no entanto, Caravaggio chegou ao auge da fama e os seus polémicos quadros quando recusados pelos seus clientes eram comprados pelos coleccionadores de arte! As trevas, que ele introduziu na pintura envolveram também a sua memória…
Filho de Fermo di Bernardino Merisi, nasceu na Lombardia em 1571, não muito distante da aldeia de Caravaggio, donde a sua família provinha, e cujo nome mais tarde adoptou. O pai era “magister”, isto é, arquitecto decorador de Francesco I Sforza, duque de Milão e marquês de Caravaggio, morrendo em 1577, pelo que o pintor juntamente com os seus irmãos foi criado pela mãe, Lúcia Aratore, com bastantes dificuldades. Aos 12 anos entrou como aprendiz no estúdio do pintor milanês Simone Peterzano, um reputado pintor de Milão. Aos 18 anos parte para Roma onde não lhe foi fácil arranjar trabalho. Para fugir à fome e à miséria vendia quadros pelas ruas, mas acabou por ser hospitalizado talvez com a peste que grassava em toda a península. O seu quadro de “Baco Doente”, um auto-retrato pintado pouco depois de ter alta, mostra-o com as feições ainda debilitadas pela doença. No hospital começou as suas primeiras obras conhecidas, pintadas provavelmente para o prior da instituição, e mais tarde, depois de ter abandonado vários patronos, as suas telas chamam a atenção do cardeal Del Monte, patrono da escola de pintura “Academia de S. Lucas”, que o acolheu durante seis anos.
Foi Del Monte que o levou a frequentar os ambientes cultos e refinados da época, que abandonava pelas tavernas de Roma, onde arranjava os seus modelos e também as frequentes rixas que o tornaram sobejamente conhecido da polícia. Nunca abandonava a sua espada e o seu chapéu de abas largas, de feltro, que eram como a sua imagem de marca.
Viveu na época da Contra-Reforma católica quando a Igreja tentava por todos os meios opor-se às ideias difundidas por Lutero e a Inquisição tinha sido restaurada para acabar com os heréticos. Os duelos foram proibidos, assim como andar armado. Deve ter assistido à morte de Giordano Bruno pela fogueira, mas mesmo assim, desafiou tudo e todos com a sua pintura realista, humana e teatral, aliada ao uso dramático da iluminação. O seu jogo de luzes e sombras, em que o fundo da tela pintado de cor escura, geralmente negro (as trevas), é rasgado pela luz que se reflecte nas vestes, nos objectos, mas principalmente no rosto dos personagens, pintados com todo o realismo, é a principal característica dos seus quadros, onde por vezes as cenas religiosas se revestem de crueldade e violência, bem expressas em “A Decapitação de S. João Baptista” e “Judith e Holofernes”.
Nos seus quadros o mundo mergulhou na escuridão. A sua técnica, chamada de tenebrismo, é desprezada durante toda a sua vida, e aproveitada mais tarde por pintores como Rembrandt, Cézane, Ribera e outros que a desenvolveram. Pintava directamente na tela e apenas se conhece uma assinada por ele.
Os seus primeiros trabalhos conhecidos foram uns quadros sobre São Mateus, recusados pelo cliente por serem considerados imorais. Habituados ao Maneirismo e às cópias de Miguel Ângelo e Rafael, um S. Mateus com pernas grossa e cheias de varizes, incomodava e chocava…
Ao pintar “Baco”, o deus do vinho, com um ar efeminado, indolentemente inclinado com uma taça na mão, e pintado como se fosse uma gueixa oferecendo os seus encantos, rompia com todos os cânones da época, seguindo-se reacções muito duras tanto entre o clero conservador, como entre os nobres e os artistas seus contemporâneos.

Retrato de Caravaggio – Ottavio Leoni

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