quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Santo António de Lisboa – II


A carreira militar de St. António em território nacional

Uma das facetas pouco conhecidas da figura de Santo António em Portugal, é a sua carreira militar que, para além do território nacional, se estendeu também aos países de língua e influência portuguesa, e que por mais estranho que possa parecer, decorreu após a sua morte.
Portugal enfrentava então uma das suas maiores crises de sempre. Após a Revolução de 1640, que tinha acabado com o domínio filipino, a nova monarquia lusitana, vinda da Casa de Bragança, precisava a todo o custo de ser reconhecida como tal, pelas outras monarquias europeias, tendo para isso de vencer as forças inimigas que, em muito maior número e bem melhor equipadas, se preparavam novamente para nos anexar.
Num acto de fé, o próprio D. João IV coroara Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, pelo que desde essa altura, os monarcas portugueses nunca mais usaram coroa.
Não é de estranhar portanto, que durante as guerras da Restauração (1640-1668), o auxílio divino de Santo António tenha sido invocado pelos soldados portugueses para os ajudar a vencer as batalhas. Atribuíram-lhe de tal modo os sucessos obtidos, que o rei D. Pedro II por alvará de 24 de Janeiro de 1668, determinou que o mesmo fosse incorporado como “praça” no Regimento de Infantaria 2, em Lagos, tendo por fiadora, a Rainha dos Anjos. (Quem se alistava no exército, naquele tempo, tinha de apresentar um fiador, que se obrigasse a substituir, ou fazer substituir o alistado, no caso deste desertar). Como que a dar razão a este procedimento, logo a 13 de Fevereiro desse mesmo ano, é firmado um tratado de paz entre os dois países.
A 2 de Dezembro de 1733, St. António é promovido a capitão, por D. João V, devido a ser-lhe atribuído o feito de colocar em fuga um grupo de castelhanos que marchara sobre o seu destacamento.
O regimento de Infantaria de Peniche, que a partir de 1808, foi denominado como Regimento de Infantaria nº13, também teve este Santo como patrono, sendo nomeado Alferes por D. Pedro II, que lhe concedeu um soldo de 6$000 réis. Por contribuição de todos os homens deste regimento foi-lhe construída uma capela, onde era costume os oficiais casarem diante da sua imagem.
Durante a Guerra de Sucessão de Espanha, em que Portugal participou, os portugueses elegeram Santo António como “Generalíssimo”, embora o generalíssimo visível, fosse o Duque de Cadaval. D. Pedro II ao expedir o decreto que assim o nomeava, entregou a imagem ao exército numa liteira magnífica, e todos os anos o Rei visitava a igreja do Padroeiro, ouvindo missa e entregando a quantia de 300$000 réis destinada ao pagamento dos seus soldos. Acompanhou sempre as tropas portuguesas, mesmo quando estas, chefiadas pelo Marquês de Minas entraram em Madrid.
Conta-se que em dias de exercícios, o Santo era levado para o pote da água, e ao primeiro toque para formar o regimento, as praças bradavam: “Abona Santo António de Cascais”. Chovendo, não havia exercício, e o Santo era tirado da água e muito festejado.
Em 1762, quando Portugal recusou aderir ao “Pacto de Família” e foi invadido pelas tropas francesas e espanholas, St. António foi decisivo na defesa da Praça de Almeida, durante os dois ataques que esta sofreu. Na descrição que se faz destas acções, diz-se que na defesa do primeiro, “presidio a esta acção Santo António que estava nas muralhas da praça”, e no segundo “Também presidio da muralha o nosso Generalíssimo Santo António”. Uma das portas da praça e um dos baluartes da fortaleza conservam o nome do Santo Português, em comemoração deste feito.
Como capitão tinha um soldo compatível com a sua categoria (10$000 réis), e que constava do livro de vencimentos do regimento. Esse dinheiro era entregue à irmandade de St. António, até à sua proibição pelo Marquês de Pombal, altura em que o glorioso Oficial continuou a servir o exército português gratuitamente.
Conta-se que logo nos primeiros dias do reinado de D. Maria I, o comandante do Regimento de Lagos, major Magalhães Homem entregou-lhe uma petição solicitando a promoção de Santo António ao posto de major agregado do mesmo regimento, juntamente com 59 certificados atestando o bom comportamento do Santo e os milagres efectuados.
Entre várias coisas diz assim: “Outro sim certifico que em todos os papeis e registros acima mencionados não existe alguma nota relativa a Santo António, de mau comportamento ou irregularidade praticada por elle: nem de ter sido em tempo algum açoutado, preso, ou de qualquer modo punido durante o tempo que serviu como soldado raso no regimento: Que durante todo o tempo, em que tem sido capitão, vae quasi para cem annos, constantemente cumpriu seu dever com o maior prazer à frente de sua companhia, em todas as ocasiões, em paz e em guerra, e tal que tem sido visto por seus soldados vezes sem número, como elles todos estão promptos para testemunhar: e em tudo o mais tem-se comportado sempre como fidalgo e official: e por todos estes motivos acima referidos considero-o muito digno e merecedor do posto de major aggregado ao nosso regimento, e de quaesquer outras honras, graças ou favores que approuver a S. M. conferir-lhe. Em testemunho do que assignei meu nome, hoje 25 de Março do anno N. S. J. C. 1777. Magalhães Homem”.
Por decreto de 8 de Janeiro de 1780, foi-lhe concedida a patente de oficial-general. Durante as invasões francesas, o general Junot mandou que lhe continuassem a ser pagos os honorários.
Foi também herói da Guerra Peninsular, sendo nessa altura o protector do Regimento de Infantaria 19, de Cascais, acompanhando-os também em todas as batalhas que travaram durante os quatro anos de campanha, conduzido numa mulinha branca.
Era tal o ímpeto com que o Regimento 19 carregava contra o inimigo, que pelas fileiras deste, correu o boato de que o 19 seria invencível, enquanto fosse comandado pelo Santo. Assim, alguns soldados franceses armaram-lhe uma emboscada numa altura em que o Santo com apenas alguns soldados se apartara do grosso das tropas e matando quase todos os portugueses levam o Santo consigo. À voz de “Santo António foi feito prisioneiro”, o 19 cai que nem uma avalanche em cima dos franceses libertando o seu comandante. Após a Guerra, foi-lhe atribuída a condecoração da Cruz de Ouro nº 5, e promovido, por distinção ao posto de tenente-coronel. A Corte encontrava-se então no Brasil, e de lá, o futuro D. João VI enviou o decreto com a sua nomeação. Assinada a paz com a França em 1814, o Regimento regressou ao quartel acompanhado do seu santo protector, que ostentava honrosamente as cicatrizes de alguns ferimentos ocorrido durante as batalhas. Esta imagem encontra-se ainda na ermida de N. Sra. da Vitória, em Cascais.
Nas lutas civis desencadeadas após o advento do regime liberal, Santo António ficou neutral. Tratava-se de guerras entre irmãos e ele não saiu do quartel.
No entanto conta-se que, uma imagem que se venera na capela de Nossa Senhora da Saúde, em Setúbal, tomou parte na batalha do Viso, travada em 1847 entre as tropas do Conde de Vinhais e as do Marquês de Sá da Bandeira, por ocasião da revolução da Patuleia. Uma bala varou o Santo de lado a lado, e a luta terminou com um armistício.
Ainda se pensou em promover Santo António a coronel por ocasião do seu 7º Centenário, mas a ideia não foi avante.
Depois da proclamação da República, a imagem de Santo António, em Cascais, recolheu ao Museu Militar, mas na revolução de 14 de Maio o museu foi assaltado e a imagem, possivelmente tida como”reaccionária” desapareceu. Mais tarde foi recuperada e restituída.
Por alturas da presidência do General Carmona, a capela de Nossa Senhora da Vitória foi restaurada e a imagem voltou novamente ao lugar que lhe pertencia por direito.
A imagem de Santo António de Lagos foi mais feliz. Após as campanhas, recolheu à igreja de Santo António dos Militares, encontrando-se agora na secção de Arte Sacra do Museu Regional de Lagos, anexo à Igreja, adornada com uma faixa de oficial de infantaria e segurando na mão um bastão de comando.
Fontes: Aguiar, José Pinto de – Santo António de Lisboa, Oficial do Exército e herói nacional
Revista do Exército, Maio 2001

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