De como El-Rei mandou tomar os filhos aos judeus que se iam fora do Reino
Muitos dos judeus naturais do Reino e dos que entraram de Castela tomaram a água do baptismo, e os que se não quiseram converter começaram logo a negociar as cousas que lhes convinham para a sua embarcação, no qual tempo El-Rei, por causas que a isso o moveram, ordenou que em um dia certo lhes tomassem a estes os filhos e filhas de quatorze anos de idade para baixo, e se distribuíssem pelas vilas e lugares do Reino, onde à sua própria custa mandava que os criassem e doutrinassem na fé de Nosso Salvador Jesus Cristo, e isto concluiu El-Rei com seu conselho, estando em Estremoz, e dali se veio a Évora no começo da Quaresma do ano de MCCCCXCVII (1497), onde declarou que o dia assinado fosse dia de Pascoela, e, porque nos do conselho não houve tanto segredo, que se não soubesse o que acerca disto estava ordenado, e o dia em que havia de ser, foi necessário mandar El-Rei que esta execução se fizesse logo por todo o Reino, antes que, por modos e meios que estes judeus poderiam ter, mandassem escondidamente os filhos fora dele, a qual obra não tam somente foi de grande terror, misturado com muitas lágrimas, dor e tristeza aos judeus, mas ainda de muito espanto e admiração aos cristãos, porque nenhuma criatura pode padecer nem sofrer apartar de si forçadamente seus filhos, e nos alheios por natural comunicação sente quási o mesmo, principalmente as racionais, porque com estas se comunicou a Natureza os efeitos de sua lei mais liberalmente do que o fez com as brutas irracionais, a qual lei forçou muitos cristãos velhos moverem-se tanto a piedade e misericórdia dos bramidos, choros e prantos, que faziam os pais e as mães a quem forçadamente tomavam os filhos, que eles próprios os escondiam em suas casas, por lhos não virem arrebatar dentre as mãos, e lhos salvavam, com saberem que nisto faziam contra a lei e premática de seu rei e Senhor, e aos mesmos judeus fez usar tanta crueza esta mesma lei natural, que muitos deles mataram os filhos, afogando-os e lançando-os em poços e rios, e por outros modos, querendo antes vê-los acabar desta maneira que não apartá-los de si, sem esperança de os nunca mais verem, e pela mesma razão muitos deles se matavam a si mesmos.
Fonte: Fontinha, Rodrigo Fernandes - Antologia Portuguesa, 1943, 4ª edição, retirado da Crónica de El-Rei D. Manuel, por Damião de Góis, vol.1º.
Muitos dos judeus naturais do Reino e dos que entraram de Castela tomaram a água do baptismo, e os que se não quiseram converter começaram logo a negociar as cousas que lhes convinham para a sua embarcação, no qual tempo El-Rei, por causas que a isso o moveram, ordenou que em um dia certo lhes tomassem a estes os filhos e filhas de quatorze anos de idade para baixo, e se distribuíssem pelas vilas e lugares do Reino, onde à sua própria custa mandava que os criassem e doutrinassem na fé de Nosso Salvador Jesus Cristo, e isto concluiu El-Rei com seu conselho, estando em Estremoz, e dali se veio a Évora no começo da Quaresma do ano de MCCCCXCVII (1497), onde declarou que o dia assinado fosse dia de Pascoela, e, porque nos do conselho não houve tanto segredo, que se não soubesse o que acerca disto estava ordenado, e o dia em que havia de ser, foi necessário mandar El-Rei que esta execução se fizesse logo por todo o Reino, antes que, por modos e meios que estes judeus poderiam ter, mandassem escondidamente os filhos fora dele, a qual obra não tam somente foi de grande terror, misturado com muitas lágrimas, dor e tristeza aos judeus, mas ainda de muito espanto e admiração aos cristãos, porque nenhuma criatura pode padecer nem sofrer apartar de si forçadamente seus filhos, e nos alheios por natural comunicação sente quási o mesmo, principalmente as racionais, porque com estas se comunicou a Natureza os efeitos de sua lei mais liberalmente do que o fez com as brutas irracionais, a qual lei forçou muitos cristãos velhos moverem-se tanto a piedade e misericórdia dos bramidos, choros e prantos, que faziam os pais e as mães a quem forçadamente tomavam os filhos, que eles próprios os escondiam em suas casas, por lhos não virem arrebatar dentre as mãos, e lhos salvavam, com saberem que nisto faziam contra a lei e premática de seu rei e Senhor, e aos mesmos judeus fez usar tanta crueza esta mesma lei natural, que muitos deles mataram os filhos, afogando-os e lançando-os em poços e rios, e por outros modos, querendo antes vê-los acabar desta maneira que não apartá-los de si, sem esperança de os nunca mais verem, e pela mesma razão muitos deles se matavam a si mesmos.
Fonte: Fontinha, Rodrigo Fernandes - Antologia Portuguesa, 1943, 4ª edição, retirado da Crónica de El-Rei D. Manuel, por Damião de Góis, vol.1º.
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