quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

1º de Dezembro de 1640 – I



Na noite de 30 de Novembro, uma sexta-feira, celebrou-se no palácio de D. Antão de Almada, a última reunião dos conspiradores. Eram vésperas do grande dia. Dentro de poucas horas, um punhado de audaciosos jogaria o seu destino e o da nação. Vivia-se febrilmente. “ Uns faziam testamento, outros encomendavam missas aos religiosos, e nenhum hesitava já. Nessa tarde, alguns homens do povo, mais influentes, haviam afirmado aos nobres que toda a Lisboa responderia ao grito de liberdade. Nessa última reunião aprazou-se tudo definitivamente: que às nove horas se juntariam no Terreiro do Paço; que uns acometeriam a guarda castelhana, outros a tudesca ou alemã; que em seguida correriam uns à janela a aclamar o duque d e Bragança, outros aos aposentos de Miguel de Vasconcelos para o matarem. Depois separaram-se. A noite estava carregada e triste. Era a última noite de escravidão.” Pinheiro Chagas.
Foi de inquietação essa noite, não só nos solares das famílias nobres avisadas da conjura, mas também nos bairros humildes onde muitos homens do povo, principalmente aqueles a que hoje chamaríamos de “chefes de fila”, aguardavam o sinal de arrastar a multidão a colaborar no golpe combinado.
Duas mulheres se destacaram: D. Filipa de Vilhena entregou as espadas a seus filhos D. Jerónimo de Ataíde e D. Francisco Coutinho, ambos ainda muito novos, pouco mais do que crianças, exortando-os a cumprir o seu dever para com a pátria. O mesmo fez D. Mariana de Lencastre com seus filhos António Teles e Fernão Teles da Silva.
O sol do dia 1º de Dezembro de 1640 não tardaria a raiar.
A manhã de sábado, ao contrário do que costuma suceder nesta estação do ano, surgiu clara, sem nuvens no azul cetinoso do céu, permitindo que o Sol brilhasse tão vivamente como num dia de Agosto. Consoante o plano estabelecido, manhã cedo, começaram a afluir ao terreiro do Paço os revolucionários, em pequenos ranchos para não despertarem suspeitas, ocultando as armas debaixo das grandes capas em moda nesse tempo, nas quais se embuçavam como se apenas quisessem resguardar-se do frio. Os fidalgos iniciados no segredo da conjura e os convidados de última hora apresentavam-se placidamente em ar de descuidoso passeio como Pinto Ribeiro lhes recomendara. Alguns nobres vinham de coche, outros a cavalo.
A aparência pacífica dos coches, que iam chegando ao terreiro do Paço não assustava os soldados da guarda, acostumados a verem a aparecer junto do palácio os cortesãos da duquesa. O povo também ainda não se acumulara em grandes quantidades. Todos esperavam com ansiedade o toque das nove horas.
Assim que a hora soou o grosso dos conjurados sobe rapidamente as escadas, entra na sala dos archeiros tudescos e, sem lhes darem tempo nem sequer a suspeitarem o que iria suceder, deitam ao chão os cabides das alabardas enquanto outros desembainhando a espada afugentam os archeiros atónitos e desarmados. Alguns ainda oferecem resistência, mas sem sucesso. É então que D. Miguel de Almeida, com toda a vivacidade dos seus oitenta anos, corre a uma varanda, abre-a e, brandindo um estoque, exclama:
- Liberdade! Liberdade! Viva el-rei D. João IV! O duque de Bragança é o nosso legítimo rei!
Respondeu-lhe debaixo um imenso grito de entusiasmo e júbilo:
- Liberdade! Liberdade! – brada o povo, num grito uníssono.
Assim que a multidão respondeu aos gritos dos conjurados, os restantes que ainda aguardavam nos coches o sinal de intervir, arremessaram-se contra a guarda castelhana, antes que esta se refizesse da surpresa que lhe causaram aqueles gritos intempestivos. Pouco tempo resistiram os castelhanos que foram completamente dispersados.
Vencido o obstáculo da guarda correram a juntar-se aos restantes conjurados que já seguiam em frente. D. António Telo jurara que seria o primeiro a haver-se com Miguel de Vasconcelos e com mais alguns dirigiram-se para os seus aposentos encontrando no caminho o corregedor Francisco Soares de Albergaria. Gritaram-lhe:
- Viva el-rei D. João IV!
Respondeu, fanfarrão:
- Viva el-rei D. Filipe!
Ainda não acabara e já duas balas o calavam para sempre.

Texto adaptado de: A Revolução de 1640, por Mário Domingues

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