quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Um Conto de Natal


À roda da lareira, aquecidos pelo fogo do “canhoto” que ardia alegremente, a neta perguntou à doce velhinha que, sentada no “escano” aquecia as mãos ao lume:
-Avozinha, quando eras menina, como nós, queimavam-se “canhotos” assim tão grandes?
-Assim grandes e maiores. Ainda me lembro…E o meu pai contava-nos a história do “canhoto”.
-Conta, avozinha, conta lá…
A restante garotada largou nozes e pinhões, juntando-se à volta da avó para ouvirem a história:
-“Quando Jesus, o Deus Menino, nasceu numa noite escura e fria, já a neve branqueava o largo campo de Belém. Os pastores, alertados pelo Anjo, ao chegaram à gruta desabrigada que lhe servia de casa, viram que a Virgem Maria tremia de frio, porque o seu manto velho e puído agasalhava Jesus. Condoído, um dos pastores correu a juntar uns paus secos e restos de lenha, fazendo com eles uma fogueira consoladora que depressa alumiou e aqueceu os que ali estavam. E juntando-se em redor do Menino, os pastores, acompanhados pelos Anjos que tocavam uma música divina cantaram “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa-vontade”.
Depois de acomodarem os rebanhos, reuniram-se, e para adormecerem o Deus Menino, cantaram-lhe baixinho:
Oh meu Menino Jesus
Oh meu Menino adorado,
Aqui tendes a visita
Dos pobres pastores de gado.

Ao verem que mesmo com o calor da fogueira, Nossa Senhora ainda tinha frio, um deles tirou vinho da sua cabaça e aqueceu-o no borralho, outro sacou do surrão um favo de mel, louro e cheiroso, que foi misturado ao vinho e dado de beber à Mãe do Redentor.
Assim, através do leite materno, Jesus saboreou, ao nascer, o saboroso vinho da Terra da Promissão e o doce mel das colmeias do Hebron.
E desta maneira nasceram dois costumes de fortes raízes tradicionais, que ainda hoje se mantêm: o fogo alimentado à lareira durante dias pelo “canhoto”, o pedaço de tronco de árvore velha, carcomido pelo tempo, e o confortador vinho quente, que o mel adoça e perfuma, bebido na santa Noite de Natal”.
- Meninos, para a mesa! Chama a mãe.
E alegres como passarinhos, os garotos debandaram…
Muitos séculos passaram, mas a recordação da fogueira acesa para aquecer a Mãe do Senhor, continua! E se a alegre revoada dos Anjos cantou e bailou em Belém à volta das labaredas que aqueciam o ambiente da desmantelada estrebaria, são agora as Almas, que também vêm de revoada a matar saudades dos que lhe são queridos e gozar do agradável calor do lume que, pela noite velha arde mansamente! É o Lume das Almas!
-Alminhas santas! – reza a velhinha, agora só, no canto da preguiceira. – Vindes friinhas das Alturas de Deus! Quentai-vos, está tanta neve a cair! Quentai-vos ao lume do Senhor e fazei-me companhia.
Pela sua enfraquecida memória vêm à recordação as loas que os velhinhos sabiam:

Alminhas benditas chegai-vos
Ao lume santo do lar,
Rogai a Deus que nos guarde
À vossa beira o lugar.

E embalada pelo calor do lume, a boa avó adormeceu…


Fontes: Natal, do Minho ao Algarve Açores e Madeira – Planeta Editora
Conto adaptado do texto “O Natal Minhoto”.

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