sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Notícias do Reino…

Lisboa, 1516
Acaba de ser publicada uma obra de Garcia de Resende, poeta, historiador, músico e debuxador (desenhador), secretário particular que foi de El-Rei D. João II, e homem de muita estima de El-Rei D. Manuel I, a que deu o nome de “Cancioneiro Geral”. Trata-se de uma compilação de mais de mil composições da poesia palaciana de várias épocas, tanto em português, como em castelhano. Escolhemos como exemplo, uma da autoria de D. João Manuel e que se intitula:

“Regra sua para quem quiser viver em paz”
Ouve, vê e cala,
e viverás vida folgada:
teu vizinho louvarás,
tua porta cerrarás,
quanto podes não farás,
quanto sabes não dirás,
quanto vês não julgarás,
quanto ouves não crerás,
se queres viver em paz.
Seis cousas sempre vê,
quando falares, que te mande,
de quem falas, onde e quê,
e a quem, como e quando:
nunca fies nem porfies
nem a outro injuries
não estês (estejas) muito na praça
nem te ries de quem passa,
seja teu tudo o que veste
a ribaldo não doestes
não cavalgarás em potro,
nem ta molher gabes a outro,
não cures de ser picão
nem travar contra razão.
Assim lograrás tas cãs
com tuas queixadas sãs.

Fonte: Jornal de História, 19º Fascículo

M. P. de Almeida - Poema

Companheira
Quando pela noite, em meu frio leito,
Chamo alegres memórias de outra vida,
Uma figura etérea, dolorida
Inclina-se a cismar sobre o meu peito.

No suave mistério daquele jeito
Traz a sombra da morte diluída…
Ao tentar ler no seu olhar desfeito
Meigamente, me diz em voz sentida:

“A quem sofre o Presente amargurado,
Mirando-se no espelho do Passado
Eu venho a recordar-lhe por piedade

Os momentos vividos com ternura
Nos dias perfumados da ventura…”
- Quem és tu? Supliquei…
“Sou a Saudade”.

Mário Pissarra de Almeida

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Alfredo, O Grande


A 26 de Outubro de 899, morre em Winchester, a antiga capital do reino de Wessex, Alfredo (AElfred), o Grande, o único rei da Inglaterra que até hoje teve esse cognome. Chamado de o “Carlos Magno inglês”, a ele se deve a união permanente da Inglaterra como um estado centralizado.
Nascido em 849, na localidade de Wontage, em Dorset, era o quinto filho de Ethelwulf, rei dos saxões do Wessex e da sua primeira mulher, Osburga, tendo quatro irmãos varões à sua frente na linha de sucessão. Em 871, com 22 anos de idade, após a morte do pai e dos seus outros irmãos, é nomeado rei pelos seus pares, devido aos seus sucessos militares e à menoridade dos seus sobrinhos, exactamente na altura em que os vikings dinamarqueses se lançavam com toda a força contra o reino de Wessex.
Para os Anglo-Saxões, a segunda metade do sec. IX foi uma época de terror. Nessa época a Inglaterra ainda não existia como nação, estava dividida em vários reinos, alguns deles controlados pelos dinamarqueses, que já vinham invadindo as ilhas Britânicas há bastantes anos. Em 865,desembarcam novamente na Anglia Oriental, mas desta vez com um vasto exército que ia devastando a Inglaterra. Inspiravam tal receio, que o Arcebispo de York acusa os seus fiéis pelo facto de dez anglo-saxões não ousarem defender-se contra um único dinamarquês!
Ao lançarem-se contra Wessex, encontram as forças de Alfredo, que os reprimiu e expulsou. Em 876 voltam à carga e os anglo-saxões são obrigados a refugiar-se nos pântanos de Somerset. Reagrupando os seus homens, enfrentou de novo o inimigo, conquistou Londres, e em 886, os dinamarqueses, na pessoa do seu rei Guthrum, aceitam a demarcação da fronteira do território escandinavo (o Danelaw), e a sua conversão ao cristianismo.
Depois da paz firmada, o rei empreendeu uma série de medidas para melhorar a defesa do seu país, que incluíam cidades fortificadas e a construção da primeira frota britânica. Assim, quando novamente em 892, e vindos da Normandia, os vikings atacaram de novo, Wessex manteve-se firme. Por esta altura, Alfredo foi reconhecido como rei por todos os ingleses.
A grandeza de Alfredo não reside apenas nos seus feitos como guerreiro. Homem piedoso, humano e bastante inteligente, embora prático e com os pés bem assentes na terra, a ele se deve o primeiro sistema de leis inglesas.
Incentivou a cultura, determinando que todos os rapazes ingleses nascidos livres, tivessem ao menos de saber ler inglês, e como não havia livros, ele próprio traduziu algumas obras do latim (tinha aprendido esta língua em pequeno, quando esteve em Roma por duas vezes), para anglo-saxão, atraindo muitos eruditos à sua corte. Fundou a Crónica Anglo-Saxónica, uma história “corrente” da Inglaterra, inventou uma espécie de relógio de água, e incentivou a publicação de manuais de teologia, geografia e história.
Reorganizou as finanças, o exército, o clero, reconstruiu Londres que tinha sido arrasada pelos dinamarqueses e espalhou fortificações por todo o reino, com tropas permanentes para as defenderem, fomentando assim um sentimento de nacionalidade, que levou mais tarde à fundação do Reino Unido.
Casou em 868 com Ethelswitha, descendente dos reis da Mécia, de quem teve seis filhos:
Ethelfleda (n. 869 - m. Tamworth, Staffordshire, 12 de Junho de 918), casada com Etelredo, rei da Mércia (m.911), cujo trono ocupou depois da morte do marido.
Edmundo (n. 870 - m. 899), coroado em vida do seu pai como co-rei de Wessex, morreu antes dele.
Eduardo (n. 872 - m. Farndon-on-Dee, 17 de Julho 924), apelidado "o Velho", sucedeu seu pai como rei de Wessex.
Ethelgiva (n. 875 - m. 896), monja, abadessa de Shaftesbury, Dorset.
Elfrida (n. 877 - m. 7 de Junho de 929), casada com Balduíno II, conde de Flandres (n.864-m.918) - filho do terceiro matrimónio da madrasta de seu pai, Judith.
Ethelweard (n. 880 - m. 26 de Outubro de 920); pai de três filhos: os dois maiores, Elfwine e Ethelwine, morreram na batalha de Brunanburgh em 937, e o menor, Thurcytel, foi abade de Croyland, Lincolnshire

A sua vida cheia de aventuras, deu origem a várias lendas, uma das quais diz, que quando esteve refugiado nos pântanos de Somerset, aceitou abrigo na cabana de um pastor. A mulher deste, não reconhecendo o rei, mandou-o cozer o pão enquanto ela ia trabalhar lá para fora. Absorto nos seus pensamentos, Alfredo esqueceu-se de vigiar a cozedura, deixando queimar o pão. Furiosa, a pastora bateu-lhe com o pau de tirar o pão do forno.
Numa outra aventura, com o objectivo de se informar das forças e dos meios de defesa do inimigo, Alfredo introduziu-se no acampamento disfarçado de tocador ambulante de harpa. Tocava e cantava tão bem, que os vikings o conservaram muito tempo com eles. Logo que ficou com o conhecimento exacto dos pontos fracos do inimigo, o rei voltou para junto dos seus, infligindo depois pesada derrota aos dinamarqueses.
Profundamente religioso, aceitava o governo como um encargo divino, e quando faleceu, a Igreja canonizou-o, sendo o seu dia santo festejado no dia 26 de Outubro, data da sua morte.
Redigiu o seu próprio epitáfio:”Desejei viver utilmente toda a minha vida e deixar aos homens que viessem depois a minha lembrança em boas obras”.
Junto com Carlos Magno são considerados os mais notáveis monarcas daquele século
A sua estátua, empunhando a espada, ainda monta guarda a Winchester, a capital do seu reino…


Fontes: História da Grã-Bretanha – col. Pequena História das Grandes Nações.
Grinberg, Carl – História universal, vol.6
Revista História Viva, n.21
Wikipedia.org

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

João Roiz de Castel-Branco

Viveu provavelmente nos fins do sec. XV ou princípios do sec. XVI, fazendo já parte dos poetas da segunda fase da chamada época medieval da literatura portuguesa, que medeia entre 1354 (data da morte de D. Pedro, conde de Barcelos) e o regresso de Sá de Miranda, da Itália em 1526, quando se dá início à literatura clássica do Renascimento.
Algumas das suas composições fazem parte do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, como a belíssima “Senhora, partem tão tristes”, de carácter amoroso, mas dedicou-se também a outros temas, como a presença portuguesa no norte de África, ou questões relacionadas com o desprezo pela vida na corte, onde mostra um espírito crítico e acutilante, bem patente na composição de que abaixo se transcreve um excerto.
Foi fidalgo da Casa Real de D. Manuel I, de quem obtém o ofício de contador da comarca e almoxarifado da cidade da Guarda, por carta de 21 de Agosto de 1515, e por morte deste, de D. João III.
Excerto da carta escrita a António Pacheco, vedor da moeda de Lisboa, talvez seu parente:
Em viver na Corte pouco se ganha, mas tudo se perde partindo nas Armadas
.
…Armadas idas d’além
já sabeis como se fazem,
quantos cativos lá jazem,
quantos lá vão que não vêm.
E quantos esses mares tem
sumidos que não parecem,
e quão cedo cá esquecem,
sem lembrarem a ninguém.

E alguns que são tornados
livres destas borriscadas,
se os is ver às pousadas,
achai-los esfarrapados.
Pobres, e necessitados
por mui diversas maneiras,
por casas das regateiras
os vestidos apenhados.
Por isto, senhor Mafoma,
tresmontei cá nesta Beira
por tomar a derradeira
vida que tod’o homem toma.
Porque há lá tanta soma
de males, e de paixão,
que por não ser cortesão
fugirei daqui ‘té Roma.
Agora, julgai vós lá
se fiz mal nisto que faço,
em me tirar desse paço,
e mudar-me para cá.
Pois é certo que, se dá
algum pouco galardão,
lança mais em perdição
do que nunca ganhará.

Fontes: Enciclopédia de “O Público”, vol. 29, Literatura Portuguesa
Cruz, Maria Leonor García da – Os “Fumos da Índia” – ed. Cosmos

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

De como El-Rei…

De como El-Rei mandou tomar os filhos aos judeus que se iam fora do Reino

Muitos dos judeus naturais do Reino e dos que entraram de Castela tomaram a água do baptismo, e os que se não quiseram converter começaram logo a negociar as cousas que lhes convinham para a sua embarcação, no qual tempo El-Rei, por causas que a isso o moveram, ordenou que em um dia certo lhes tomassem a estes os filhos e filhas de quatorze anos de idade para baixo, e se distribuíssem pelas vilas e lugares do Reino, onde à sua própria custa mandava que os criassem e doutrinassem na fé de Nosso Salvador Jesus Cristo, e isto concluiu El-Rei com seu conselho, estando em Estremoz, e dali se veio a Évora no começo da Quaresma do ano de MCCCCXCVII (1497), onde declarou que o dia assinado fosse dia de Pascoela, e, porque nos do conselho não houve tanto segredo, que se não soubesse o que acerca disto estava ordenado, e o dia em que havia de ser, foi necessário mandar El-Rei que esta execução se fizesse logo por todo o Reino, antes que, por modos e meios que estes judeus poderiam ter, mandassem escondidamente os filhos fora dele, a qual obra não tam somente foi de grande terror, misturado com muitas lágrimas, dor e tristeza aos judeus, mas ainda de muito espanto e admiração aos cristãos, porque nenhuma criatura pode padecer nem sofrer apartar de si forçadamente seus filhos, e nos alheios por natural comunicação sente quási o mesmo, principalmente as racionais, porque com estas se comunicou a Natureza os efeitos de sua lei mais liberalmente do que o fez com as brutas irracionais, a qual lei forçou muitos cristãos velhos moverem-se tanto a piedade e misericórdia dos bramidos, choros e prantos, que faziam os pais e as mães a quem forçadamente tomavam os filhos, que eles próprios os escondiam em suas casas, por lhos não virem arrebatar dentre as mãos, e lhos salvavam, com saberem que nisto faziam contra a lei e premática de seu rei e Senhor, e aos mesmos judeus fez usar tanta crueza esta mesma lei natural, que muitos deles mataram os filhos, afogando-os e lançando-os em poços e rios, e por outros modos, querendo antes vê-los acabar desta maneira que não apartá-los de si, sem esperança de os nunca mais verem, e pela mesma razão muitos deles se matavam a si mesmos.
Fonte: Fontinha, Rodrigo Fernandes - Antologia Portuguesa, 1943, 4ª edição, retirado da Crónica de El-Rei D. Manuel, por Damião de Góis, vol.1º.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Passeio de Santo António


Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.

Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.

- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
… Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas…
E abalaram pró convento.
.
Augusto Gil

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A prisão de Camões…

A prisão de Camões
no dia da procissão do “Corpo de Deus”


Imaginem-se agora as ruas tapizadas de espadanas e de flores, as músicas, as danças, as folias, que desde a véspera do dia soleníssimo traziam em alvoraçada espectação a gente da cidade. Figure-se a turba a condensar-se nas ruas estreitas e angulosas, nas Quelhas e corredouras, nos adros e nas praças irregulares. Acrescente-se a escassez, a quási ausência da polícia, a liberdade quási ilimitada, que para as festas populares e para as diversões de praça pública disfrutava a plebe naqueles tempos, como se fora a providencial compensação da estreita liberdade política e civil sob a antiga monarquia, e teremos a imagem de quais seriam os desmandos, as rixas, as pendências, naquela ocasião de pleníssima licença na cidade.
O Camões, por mancebo, ocioso, enamorado, é certo que naquele dia andava dando tréguas às suas amarguras. Pendurada a lira no lôbrego aposento, que a pobreza habitual lhe consentia por tugúrio, vagueava pelas ruas e praças de Lisboa, espaciando-se como os demais fidalgos, os burgueses e os peões, confundido na espessa mó do povo.
Achava-se o Camões nas cercanias de S. Domingos – quem sabe se dizendo algum requebro às donas e donzelas que passavam – quando a sua fortuna lhe deparou ocasião a uma inesperada e nova desventura. Corriam naquele dia pela cidade muitos homens, que em traje de mascarados, a pé ou a cavalo, se desenfadavam, como se fora em tempo de carnestolendas. Andava a cavalo passeando, um certo Gonçalo Borges, que tinha a seu cargo os arreios da casa real, e sucedendo de passar pela rua de Santo Antão, por detrás do convento de S. Domingos, dois mascarados a cavalo o investiram com zombarias e motejos. Sentiu-se e irou-se o criado de El-Rei. Vieram às mãos ofendido e ofensores. Eram os dois cavaleiros amigos do Camões. Estava presente. Estimula-o a amizade, incita-o o fervor do sangue juvenil e belicoso. Acode à briga em defensão dos seus contubernais. Leva da espada; fere o Gonçalves Borges na refrega. Abre-se devassa, e é nela compreendido. Prendem-no. Dão com ele no Tronco da Cidade. Para quem já tinha um desterro verdadeiro e talvez outro dissimulado com aparências de vontade, não seria de estranhar que a má sorte lhe aparelhasse na cadeia uma nova provação. Felizmente, o Gonçalo Borges, que seria também rixoso porventura, sarou da ferida, que o poeta lhe fizera, e, com generosa indulgência de mancebo, não porfiou em se vingar do seu antagonista, sendo-lhe parte no processo. Perdoou, por autêntico instrumento de notário público. E El-Rei D. João III, por sua provisão datada de Março de 1553, atendendo a que o ofendido não queria demandar Luiz de Camões, nem criminal nem civilmente, mandou que soltassem o poeta, alegando da sua parte, para justificar o indulto, o ser ele mancebo e pobre e ir naquele ano servir a Índia.
Apenas onze dias depois que saíra do seu cárcere, o Camões partia para a Índia, a tentar naquele teatro da glória portuguesa, e não menos da cobiça aventureira, a melhoria que a fortuna, sempre adversa, na Pátria lhe negara. Embarcou-se o poeta no próprio navio de Fernám Álvares Cabral, que naquele ano de 1553 ia por capitão-mor de quatro naus.

Fonte: Fontinha, Rodrigo Fernandes -Antologia Portuguesa, 1943, Livraria Simões Lopes, 4ª edição.
Texto retirado do livro “Galeria de Varões Ilustres”, de Latino Coelho.

domingo, 17 de outubro de 2010

A Ursa Menor



Mais pequena que a Ursa Maior e também menos brilhante, a Ursa Menor é uma constelação muito antiga sendo registada pela primeira vez por Thales de Mileto. O seu elemento mais conhecido é a Estrela Polar que situada no prolongamento do eixo da terra permanece sempre fixa no firmamento assinalando o Pólo Norte. Ao contrário dos Gregos que se orientavam pela Ursa Maior, os Fenícios foram os primeiros navegadores a usar a estrela Polar como orientação nas suas viagens.
Devido ao movimento da precessão dos Equinócios, que faz com que o eixo de rotação da Terra não aponte sempre na mesma direcção, a Estrela Polar faz parte de um grupo de estrelas que periodicamente se intercalam nesse lugar. Em tempos mais recuados era Vega, a estrela alfa de Lyra que ali brilhava, e quando há cerca de 4600 anos as pirâmides se erguiam no Egipto, era Thuban, a alfa do Dragão, que estava mais perto do Pólo. Daqui a uns milhares de anos deverá ser novamente Vega a ocupar esse lugar.
Mas tal como todas as outras constelações do hemisfério norte, também a Ursa Menor tem na mitologia grega a sua própria lenda.
Como na descrição anterior do mito da Ursa Maior foi contada uma das versões da lenda da Ursa Menor, aqui está uma outra:
Filho da ninfa Calisto e de Zeus recebeu o nome de Arcas, Arkas ou Arcade, e depois da transformação de sua mãe em ursa, foi entregue a Maia, a mãe do deus Hermes, que o criou. Mais tarde, voltou para junto de seu avô, o rei Licaon, que o nomeou seu herdeiro. Noutra versão conta-se que um dia o rei para pôr à prova a clarividência de Zeus que o tinha ido visitar, serviu-lhe ao jantar os membros do pequeno Arcade disfarçados no próprio repasto, mas este não se deixando enganar, virou a mesa e atingiu com um dos seus raios a Licaon, transformando-o em lobo. Juntou depois os pedaços do garoto, restituindo-lhe a vida.
Já adulto, indo uma vez à caça, encontrou uma ursa a quem perseguiu, não sabendo que era a própria mãe. Aterrorizado, o animal refugiou-se no templo dedicado a Zeus Lício, onde nenhum mortal podia entrar, e Arcade sempre no seu encalço, entrou também de arma em riste. Acusado de impiedade, foi condenado à morte.
Zeus, que tudo via, transformou Arcade em urso e atirou-o juntamente com a mãe para o céu onde ficaram como constelações, viradas de costas uma para a outra. A força do seu impulso foi tal, que as ursas apresentam longas caudas ao contrário dos seus irmãos terrestres.
Enquanto foi vivo, e depois da morte do seu avô, reinou sobre os Pelasgos do Peloponeso, a quem ensinou a semear o trigo, a fazer pão, a tecer e a fiar. Deu o seu nome a esta região, que se ficou a chamar Arcádia passando os Pelasgos a chamar-se arcádios, que em grego significa,” o povo do urso”. Casou com Laenira, de quem teve dois filhos, e de Érato, musa da poesia lírica, teve Azan. Depois da sua transformação o reino foi dividido pelos seus três herdeiros.
As duas Ursas estão separadas pela constelação do Dragão, e Böots, ou o Boeiro, tange-as constantemente com o seu cajado para que não possam descansar, nem afastarem-se do Pólo gelado.

Fontes: Grimal, Pierre – Dicionário de Mitologia Grega e Romana
Magno, Albino Ferreira – Mitologia
Cvc.instituto-camoes.pt
Wikipedia.org

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Os Raminhos de S. João



Há muito, muito tempo, em terras do concelho de Oleiros, existia um par de namorados que amando-se ternamente pretendiam casar. Mas um jovem cavaleiro desconhecido, há cerca de um mês que rondava a porta de Luzia, assim se chamava a moça, com falinhas mansas e o povo já murmurava à sua passagem…
Assegurando ao noivo que o amava e era com ele que se queria casar, Luzia confessou-lhe que embora não gostasse do cavaleiro este exercia sobre ela um poder tão forte que chegava a infundir-lhe um certo terror. Irritado, José exigiu-lhe que se decidisse depressa ou romperia o noivado.
Entretanto, chegara a véspera de S. João e Luzia, desesperada, abandona os folguedos e corre à capela do Santo pedindo-lhe ajuda. Num murmúrio, este diz-lhe para fazer uma cruz de flores do campo e que a ponha à porta de casa.
De manhã, chega o cavaleiro e de mau humor diz-lhe que quer falar com ela, mas desta vez à janela, e que tire as flores da porta. Luzia recusa, discutem e com um estoiro, cavalo e cavaleiro desaparecem para sempre.
Livre do demónio que a perseguia, Luzia corre à igreja a agradecer a intervenção divina e nessa noite, nas festas, alegre e cantando ao desafio ouve o seu José responder:

Alfazema e rosmaninho
Numa cruz teu mal levou.
Foi S. João com carinho,
Que de novo nos juntou


E assim nasceu o costume dos raminhos de S. João…

Fonte: Moutinho, Viale – Lendas de Portugal, Diário de Notícias

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Conversas ao luar



Em certas noites calmas
Quando a lua aparece
Redonda e cheia
Inundando a minha alma
Com a sua luz suave e bela,
O sono vem brincar comigo
Como se fosse um garoto.
Ganha asas e a voar
No céu o teu rosto tece
Como se fosse uma tela,
E ficamos assim tu e eu
Noite fora a conversar
Até que por fim o maroto
Desce; em mim se enleia
E sorrindo-me cansado…adormece!


N. G.

sábado, 9 de outubro de 2010

A Ursa Maior

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Desde que o Homem olhando o céu à noite, aprendeu a conhecer as estrelas, elas tornaram-se um método indispensável de orientação para todas as civilizações. Serviam de guias tanto para as caravanas árabes que atravessavam a imensidão de um deserto vazio, como mais tarde para as frotas de marinheiros, navegando também eles na imensidão de um mar desconhecido.
Os diversos padrões que formavam nos céus levou a que os Antigos as nomeassem conforme o que essas figuras lhe pareciam: animais, cabeleiras, homens, mulheres…Ás constelações, os gregos deram o nome de figuras mitológicas fazendo algumas delas, parte do Zodíaco.
No hemisfério norte, as mais conhecidas são as constelações boreais da Ursa Maior e da Ursa Menor, também chamadas de Grande Carro ou (Carro de David) e Pequeno Carro. Embora a constelação da Ursa Maior seja muito grande, são as suas brilhantes sete estrelas desenhando um quadrado e uma cauda no azul-escuro do céu nocturno, que a tornam tão útil e conhecida. Se prolongarmos cinco vezes as guardas da Ursa Maior, encontraremos a Estrela Polar, na cauda da Ursa Menor, que há mais de 2000 anos nos indica o Norte.
A Ursa Maior é conhecida por vários nomes conforme as tradições dos povos que por ela se orientam. Assim, em França chamavam-na de Caçarola, na Inglaterra era O Arado ou a Biga do Rei Artur, e na Europa Medieval, de Carruagem ou Carroça. Na Índia, chamavam-lhe Os Sete Sábios, na China, “Pei-To”, e as suas sete estrelas representavam uma concha que oferecia comida nos tempos de fome. Os egípcios associavam-na à imortalidade, pois as suas estrelas, visíveis todo o ano representavam a vida eterna. Na mitologia nórdica é O Carro ou Carruagem de Odin, puxada por 3 cavalos. Para os índios Cherokee as estrelas representavam um grupo de caçadores que perseguiam um urso desde o princípio da Primavera, até ao Outono. Os árabes viam nela uma caravana e os nossos navegadores chamavam a Maior de “Carro” e a Menor de “Buzina”.
A figura mitológica associada a esta constelação é a da ninfa Calisto, companheira de Artémis, Deusa da caça, e também a Senhora da Lua. Nos mitos mais antigos era a própria Artémis que se transformava em ursa.
Calisto era segundo algumas versões, a filha do rei Licaonte da Arcádia, e a companheira dilecta de Artémis, deusa da caça, que tal como ela e as restantes companheiras tinha feito voto de castidade. Zeus, apaixonado pela sua beleza aproximou-se dela sob a forma da deusa, violentando-a depois. A sua gravidez acabou por ser descoberta quando Calisto se recusou a tomar banho no lago junto com as outras ninfas. Indignada, a deusa expulsou-a, mas Hera, a ciumenta esposa de Zeus, ao saber do sucedido perseguiu-a, transformando-a numa ursa e tirando-lhe a voz, para que ela não pudesse pedir ajuda ao rei dos deuses.
Vendo-se naquele estado, a pobre Calisto ainda tentou pedir auxílio, mas tudo o que conseguiu foi rugir! Passou então a vaguear pelos campos onde antes caçara, fugindo dos caçadores e dos outros animais selvagens, dando à luz um filho chamado Arkas ou Arcas, que Hermes por ordem de Zeus entregou ao rei Licaonte para que o criasse. Passados uns anos, o jovem foi à caça, e Calisto reconhecendo-o levantou-se e parou a olhar para ele, com vontade de o abraçar, mas Arcas assustado e não sabendo que ela era a sua mãe, levantou a lança para a matar. Zeus, que os estava observando, desviou o golpe, transformou Arcas num urso mais pequeno e levou os dois para o meio do céu, transformando-os em constelações, que ficaram para sempre conhecidas como Ursa Maior e Ursa Menor.
Hera, indignada com as honras concedidas a Calisto e Arkas, pediu a Tétis, sua mãe adoptiva e a Oceano, que não as deixassem mergulhar nas suas águas puras, ao que eles acederam. É essa a razão porque as duas constelações, movendo-se sempre em círculos no céu, jamais descem como as outras estrelas e mergulham no oceano, ficando apenas junto à linha do horizonte. Outras versões contam que Hera as empurrou para perto do pólo norte onde as estrelas são sempre visíveis, para que mãe e filho nunca tivessem descanso. Junto a elas colocou a constelação do Boieiro para que não as deixe afastar do pólo gelado.
Noutras lendas, Calisto é transformada em ursa por Artémis e abatida por ela num ataque de fúria quando a encontrou grávida, ou então Hera, maldosamente aponta-a a Diana, que vendo apenas uma ursa a abate, e depois ao reconhecê-la, a transforma em constelação. Também se diz que foi Zeus a transformá-la assim para a esconder da ira da esposa.
A Ursa Menor, embora parte da sua lenda tenha sido aqui contada, tem também uma outra versão que darei a seguir.
Segundo Robert Graves em “Os Mitos Gregos”, o mito de Calisto explica o aparecimento de duas jovens vestidas de ursas nas festividades áticas da Artemisa de Bráuron, bem como a tradicional ligação que se estabelecia entre esta deusa e a Ursa Maior.
Calisto foi também o nome dado a uma das luas de Júpiter, a terceira maior do nosso Sistema Solar, descoberta em 1610 por Galileu Galilei, mas assim nomeada por Simon Marius ou Johannes Kepler.
Camões, no canto V dos Lusíadas refere-se a esta lenda ao dizer” Vimos as Ursas, a pesar de Juno, banharem-se nas águas de Neptuno” e vários artistas desde o Renascimento, como Rubens, Tiziano, Boucher, Hans Rottenhammer e outros, imortalizaram-na nos seus quadros.


pt.wikipédia. org
cvc.instituto-camoes.pt
Camões, Luís – Os Lusíadas, Canto V
Magno, Albino Pereira – Mitologia
Graves, Robert – Os Mitos Gregos, vol.1

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Santo António de Lisboa - IV


O Culto Antonino

O culto a Santo António só chegou a Portugal depois da sua canonização e de um modo deveras insólito: No mesmo dia em que Gregório IX o canonizava na catedral de Espoleto, os sinos de Lisboa começaram a tocar sem que ninguém lhes mexesse. Quando a notícia da sua canonização cá chegou, ficou tal modo arreigado no povo, que é neste dia que se celebra o feriado municipal da cidade, como se do seu Padroeiro se tratasse, em vez de ser celebrado no dia 22 de Janeiro, dia consagrado a S. Vicente, esse sim, declarado Padroeiro de Lisboa por D. Afonso Henriques, ou no dia de S. Jorge, celebrado na Primavera, pois foi em seu nome que Lisboa foi tomada aos Mouros.
Ainda em vida já a fama da sua santidade se tinha espalhado por parte da Europa, e mais tarde, as viagens marítimas feitas pelos portugueses, espanhóis e italianos em que iam sempre missionários para fazerem a evangelização dos gentios, ajudaram a espalhá-lo por praticamente todos os continentes.
A primitiva igreja de Santo António, possivelmente construída no reinado de D. Sancho II, que lhe tinha grande devoção, foi totalmente destruída pelo terramoto de 1755, salvando-se apenas a capela-mor com a estátua do santo, e o lugar do seu nascimento. A actual igreja mandada construir por Paulo de Carvalho, irmão do Marquês de Pombal, em estilo barroco, teve como arquitecto Mateus Vicente, que também projectou a Basílica da Estrela. Foi parcialmente paga pelas crianças que pediam “um tostãozinho para o Santo António” e por essa a razão está o chão todo coberto de moedas. A cripta está transformada numa capela, pois diz a tradição ter sido ali o quarto do Santo.
O Menino Jesus que o acompanha sempre, tem origem no sec XV, através de uma lenda contando que Santo António numa das suas paragens no castelo de Camposampiero, pertencente ao seu amigo, conde Tiso, foi visto por este uma noite, a conversar com o Menino, que lhe aparecia muitas vezes para falarem.
É representado geralmente com um livro numa mão, símbolo da sua sabedoria, e, porque na outra tem sempre um lírio, símbolo de pureza, ou uma cruz, símbolo da fé, ou um pão, ou então, simplesmente levantada numa atitude de pregador, os artistas tiveram de pôr Jesus sentado ou em pé sobre o livro. Os pés geralmente não estão juntos, mas um à frente do outro, numa indicação de “caminhar”, pois como pregador andou de terra em terra, chegando a atravessar os Alpes a pé, para difundir a palavra de Deus.
Considerado como Santo milagreiro, quando não atende um pedido, a sua imagem pode ser por vezes, bastante maltratada… Se as moças lhe pedem um noivo e ele se demora a arranjá-los, batem-lhe, viram-no de cabeça para baixo, atiram-no pela janela, põem-lhe cera na cabeça, enforcam-no, tiram-lhe o Menino, etc…Os marinheiros levavam-no consigo nas viagens, e muitas vezes mergulhavam-no no mar, para que Ele lhes evitasse as tempestades.
Uma moça casadoira tinha-lhe posto em casa um altarzinho sempre com flores, para que lhe arranjasse um marido. Como o noivo nunca mais aparecia e ela já estava a passar da idade, pegou na imagem e atirou-a pela janela. Na rua estava a passar um cavalheiro que apanhou com ele na cabeça. Vendo de onde tinha sido atirado, foi bater à porta da jovem, para lho entregar e…o romance aconteceu!
Em Itália também se contam muitos milagres do Santo ainda durante a sua vida, como por exemplo: Uma senhora tinha dado à luz um lindo menino, mas o marido, extremamente ciumento, não queria assumir a paternidade da criança, dizendo que sua mulher o tinha atraiçoado. Foram ter com Santo António que se virou para o recém-nascido e lhe pediu que dissesse quem era o seu pai. O menino estendeu os bracinhos para o marido ciumento, dizendo “Eis aqui o meu pai”…
Girolamo de Carpi, em 1530 pintou um quadro sobre este milagre, que se encontra na Pinacoteca de Ferrara.
Em França, fez com que uma burra ajoelhasse para adorar a hóstia. Ressuscitou os mortos, curou leprosos e epilépticos, restituiu os cabelos a uma senhora a quem o marido os tinha arrancado, pregou aos peixes, e teve também o dom da ubiquidade, pois por duas vezes pelo menos, estando a pregar em Pádua, calou-se de repente, baixou a cabeça, e de uma delas veio a Portugal salvar o pai da forca, e da outra, foi orientar os meninos do coro de um convento, retomando depois o sermão normalmente. E como estes são inúmeros os milagres que lhe atribuem, tanto em vida como depois da sua morte, nenhum outro fez tantos e tão diversos.
Na Basílica de Pádua que lhe serve de túmulo, estão gravados em baixo-relevo, alguns dos milagres que lhe foram atribuídos, e uma série dos melhores pintores e escultores das escolas italianas, tais como Giotto, Donatello, Bellini, Tiziano, André Ricci ou Bellano, entre outros, deram a sua contribuição para a decoração da igreja.
Quando em 1263 os seus restos mortais foram trasladados para a nova basílica, em Pádua, encontrou-se a sua língua intacta, por entre os ossos do seu esqueleto. Está guardada dentro de um relicário nessa mesma basílica.
Quem milagres quer achar
Contra males e demónio,
Busque logo a Santo António
Que aí o há-de encontrar.
Aplaca a fúria do mar
Tira os presos da prisão
Aos doentes torna sãos
E o perdido faz achar.
E sem respeitar os anos
Socorre qualquer idade;
Abonem esta verdade
Os cidadãos paduanos.

Fontes: www.tribunatp.com.br.
www.agencia.ecclesia.pt.
Rolim, P. – Santo António de Lisboa, 1931, Coimbra Editora, Lda.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Santo António de Lisboa – III

Carreira militar de Santo António fora do país

Com o domínio filipino, Portugal começou a ser atacado nas suas possessões estrangeiras, principalmente no Brasil, e Santo António chega lá como náufrago e à deriva…
Em 1595, uma frota de franceses luteranos ao atacaram o forte português de Arguim, na costa africana, levaram com eles uma imagem de Santo António que mais tarde deitaram ao mar. A imagem lá foi mar fora e acabou por arribar às costas brasileiras, sendo levada para o Convento de S. Francisco, na Baía, onde ficou. A Câmara da cidade escolheu-o para padroeiro e fê-lo assentar praça como soldado na Fortaleza da Barra.
Em 1624 uma forte armada holandesa parte à conquista do Brasil, e a protecção dada por Santo António aos portugueses especialmente na Baía, foi tal que, o governador promoveu-o a capitão, tendo chegado a tenente-coronel por decreto de D. João VI, pelos relevantes serviços prestados ao “salvar a Monarchia da grande e difícil crise” a que esteve sujeita durante as invasões francesas em Portugal.
Em Pernambuco, além de ajudar a salvar a cidade ocupada pelos holandeses, participou com êxito na Guerra dos Palmares, pelo que foi eleito Padroeiro da cidade, onde seguiu também carreira política, sendo nomeado vereador.
No Rio de Janeiro, era Santo António capitão quando uma armada francesa veio atacar a cidade e ele foi nomeado General dos Exércitos nos Campos. O problema é que o padroeiro da cidade era S. Sebastião, portanto para não ferir susceptibilidades, acordou-se que S. Sebastião defenderia pelo lado do mar e Santo António pelo lado de terra. Portaram-se exemplarmente!
Em 1814 é promovido a tenente-coronel e agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, tendo o rei oferecido à imagem um bastão de comando guarnecido de 84 rubis. Mas é em S. Paulo que o Santo atinge o posto maior da sua carreira, ao ser nomeado Coronel.
Como o Brasil era muito grande, S. Bento e S. Francisco Xavier também tiveram honras de soldados rasos em alguns lugares.
Proclamada a República em 1889, um dos primeiros actos do Governo Provisório foi suspender os soldos a S. António, mas por pouco tempo, uma vez que enquanto não fosse anulado o decreto da sua promoção, ele teria direito aos vencimentos. Em 1923 é “privado do soldo até 2ª ordem”, e em 1924 o Presidente do Conselho fez lavrar o seguinte despacho:
“O Coronel António de Pádua vai quasi em três séculos de serviço. Nomeio-o General e ponho-o na reserva”.
Há mais um outro episódio engraçado passado com o Santo no Brasil:
Um dos Ministros de Guerra da Republica quis tirar Santo António de militar, e informou disso o Guardião do Convento. Este recordou-lhe os muitos serviços prestado pelo Santo, ao que o ministro perguntou:
- Ainda está no activo?
- Santo António não cessa de fazer milagres e está sempre activo…
_ Então compareça no Quartel-General…
Como o Santo não compareceu foi simplesmente demitido, sem direito a reforma!
Em Angola teve o posto de capitão de infantaria devido aos serviços prestados nas lutas contra os gentios, e até estes que não conheciam Deus, traziam uma imagem do santo ao pescoço.
Em Moçambique também alcançou o posto de capitão de fuzileiros, mas teve a companhia de S. Sebastião, que era capitão dos Granadeiros.
Em Macau, foi soldado até 1780, subindo depois ao posto de capitão, e em Goa foi alferes capelão.
Em Espanha, Filipe V, depois da reconquista da praça de Oran deu-lhe o título e o soldo de almirante, e em Inglaterra esteve alistado como oficial, no exército inglês. Na Baviera foi também oficial, e no Tirol há uma imagem dele na igreja de Rietz, a quem nos dias de festa punham uma espada, um bastão de comando, uma faixa e um chapéu com plumas e assim saía em procissão.
A história militar de Santo António, embora possa parecer estranha, faz parte do próprio fundo religioso do povo português, que sempre acreditou no poder da Providência Divina, não nos esquecendo que a fundação do reino de Portugal, foi ” legitimada” pelo milagre de Ourique!
Estava de tal maneira arreigado o seu culto no exército e no povo que até nos arraiais o cantavam:

Santo António de Lisboa
Não quer que lhe chamem Santo
Quer que lhe chamem Soldado,
General, Mestre de Campo.


Fontes: Aguiar, José Pinto de – Santo António de Lisboa Oficial do Exército e Herói Nacional
www.franciscanos.org.br.
Revista Militar do Exército, Maio 2001