Desde o fundo da Idade Média que se celebram as Festas de Natal, cujas origens pagãs se foram diluindo ao longo dos tempos, subsistindo no entanto alguns dos seus rituais, de que muitas vezes ignoramos o significado, perdida que está a sua anterior simbologia.
A comemoração ocidental de Janeiro como o Dia de Ano Novo, tem origem num decreto de Júlio César, em 46 a.C. Os romanos dedicavam esse dia a Jano, o deus da duas faces, uma virada para a frente e a outra virada para trás, representando o passado e o futuro, o fim e o princípio. Era também chamado o “Deus das Portas”, responsável por abrir as portas para o ano que se iniciava.
Para os povos antigos, o “Ano” era um ciclo temporal com início e fim. Quando esse fim chegava era necessário renová-lo, tendo para isso de se efectuarem rituais, de modo que o Mundo pudesse entrar num novo ciclo em ordem.
Á medida que o solstício do Inverno se aproximava, os povos antigos acendiam fogueiras para lembrar ao Sol oculto pelo céu cor de chumbo, que a sua morte era só aparente, e na Primavera ressuscitaria do seu combate às trevas invernais. No nosso país, é costume nas aldeias acenderem-se as fogueiras na rua, as chamadas fogueiras do galo, que devem permanecer acesas desde o Natal até aos Reis.
Em Trás-os-Montes, que, de todas as províncias portuguesas é aquela onde melhor se conservam os antigos rituais da passagem do solstício do inverno, especialmente no planalto mirandês, no dia 26 de Dezembro, dia de St. Estêvão, o Chocalheiro de Bemposta, Mogadouro, sai à rua para desempenhar os seus ritos mágicos.
Diz a lenda que o demónio tentou Nossa Senhora, e como castigo foi condenado a “pedir” esmola para Ela e para o Menino Jesus. Assim, no dia 26 de Dezembro sai para pedir esmola para Nossa Senhora das Neves, e no dia 1 de Janeiro, sai a pedir para o Menino Jesus.
Vestido de linho grosso geralmente tingido de preto, ostenta na cabeça uma máscara tauromórfica de madeira. Nas pontas dos chifres tem duas laranjas espetadas; cai-lhe do queixo uma barbicha de bode e escorrendo pela face tem uma pequena serpente. Da nuca pende-lhe uma bexiga de porco cheia de vento, e na testa tem um disco. Na mão segura uma tenaz, tendo à volta da cintura uma serpente de pano de grande porte.
O homem que usa a máscara (que é comunitária, assim como o trajo), fá-lo geralmente para pagar uma promessa ao Menino Jesus. Ninguém sabe quem ele é, a máscara tem de ser entregue até ao pôr-do-sol e é-lhe proibido entrar na igreja mascarado. Ao toque das Trindades é obrigado a recolher.
Figura demoníaca para o povo, ele é um resquício do culto à Grande Deusa Mãe. Na civilização cretense, assim como em algumas civilizações do antigo Oriente, o touro estava ligado ao deus-sol e à sua força criadora. A serpente simboliza a sabedoria, a fecundidade e também a imortalidade. Quando o Chocalheiro sai à rua no dia 26, tem a função de anunciar o nascimento do Sol Invictus (festa romana que se celebrava a 24 e 25 de Dezembro), ou em termos cristãos, o nascimento de Jesus, o novo Sol ou Luz do Mundo. Quando sai no 1º de Janeiro, tem por missão afastar os espíritos do Velho Tempo e despertar os espíritos benfazejos do Novo Tempo. A fruta que ostenta nos chifres é o símbolo da boa colheita que se deseja para o novo ano.
A 27 de Dezembro, dia de S. João Evangelista, um santo que está associado ao solstício do inverno (em oposição a S. João Baptista, associado ao solstício de Verão), saem o Carocho e a Velha em Constantim, Miranda do Douro.
O Carocho veste um fato grosseiro, e ostenta uma máscara de couro na cabeça. Na mão traz um garfo de madeira de grandes dimensões, com que tira as peças do fumeiro, no pescoço tem um rosário de carretas de linhas, já vazias. Do queixo da máscara sai uma barbicha de bode, como a do Chocalheiro, e calça umas galochas ou botas, com polainas por cima.
A Velha veste saia, blusa de chita estampada, lenço na cabeça, xaile, um saco no ombro esquerdo e um rosário de castanhas assadas ao pescoço. Na mão direita segura uma estaca com que recolhe as esmolas de fumeiro.
Percorrem as ruas, ao som do tambor, flauta e gaita- de- foles, dançando, dando saltos e dizendo graçolas, ao mesmo tempo que vão recebendo peças de fumeiro, cereais e dinheiro para a festa de S. João. Com esta esmola pagam a festa do santo, e as peças de fumeiro destinam-se à festa comunitária que se realiza na véspera do Ano Novo, e onde participam todas as pessoas da aldeia, mais aquelas que os mordomos da festa convidaram.
Esta festa tem origem em rituais dionisíacos, aparecendo vestígios de antigo comunitarismo.
A Velha de Vila Chã da Barciosa, em Miranda do Douro, é representada por um homem vestindo uma saia preta de burel, enfeitada com rendas e bordados brancos. Enverga um casaco velho de burel preto e calça sapatos de bezerro. Na cabeça, leva um chapéu preto roto e sujo, enfeitado com fitas de várias cores. Ao pescoço traz um rosário de bugalhos com uma cruz de cortiça queimada, com que marca as moças solteiras. Na mão esquerda segura uma estátua de pau onde pendura os alimentos que lhe vão sendo dadas. Na mão direita segura uma bengala forte, que tem na extremidade algumas bexigas de porco cheias de vento, com que amedronta a criançada.
É acompanhada por um rapaz vestido de pauliteiro e por outro rapaz vestido de mulher. Dançam ao som da gaita e do bombo, a dança da “bicha”. Os mordomos seguem-nos recolhendo cereais, pão cozido, fumeiro e vinho, que depois são leiloados e o que sobra destina-se também a uma ceia colectiva.
A Velha é uma figura associada ao Diabo, símbolo da desordem e do caos, de onde surge uma nova ordem, o fim do “Tempo Velho” e começo de um “Tempo Novo”.
O Farandulo de Tó, em Mogadouro, forma com a “Sécia” e o moço, um conjunto ritual, cuja festa se celebra no dia de Ano Novo. O Farandulo é a figura principal do cortejo, pois representa o Velho por oposição ao Novo, as Trevas por oposição à Luz.
Veste saia de burel, velha e rota, e usa um casaco velho virado do avesso, ao pescoço traz um rosário de bugalhos de carvalho. A cara está enfarruscada com cortiça queimada.
A “Sécia” veste de rapariga nova, com saia e blusa sempre branca, com um véu de noiva até aos ombros. Numa das mãos segura um cestinho e na outra um ramo feito de um ramo de arvore despido de folhas, com uma laranja ou tangerina no topo e enfeitado com doces e «rosquilhas», que mais tarde será leiloado.
O moço veste fato normal. Na mão traz uma aguilhada para defender a “Sécia” do Farandulo que tenta enfarruscá-la.
Vão também acompanhados pelo mordomo, que traz um saco para a recolha. Tal como todos os outros também dançam ao som da gaita e do bombo. Só que o Farandulo nunca segue o caminho a direito; salta, pula muros, investe contra a “Sécia”, obrigando o moço a estar sempre de aguilhada em riste para a defender não a deixando enfarruscar.
Na luta entre o Farandulo e a “Sécia” podemos observar uma luta entre a Luz e as Trevas. O moço representa o poder invisível que defende a Luz ainda muito jovem, contra as Trevas que a querem impedir de brilhar.
O ritual de se marcarem as moças com a cruz de cortiça queimada tem origem nas festas Lupercalia e Floralia, dos antigos romanos, em que os homens tocavam nas mulheres para as tornar fecundas.
Estes festejos iniciavam-se logo pela manhã do dia de Ano Novo, mas na véspera, dia de Ano Bom (30 de Dezembro), acendiam-se as fogueiras purificadoras.
Esperemos que estas festas tão cheias de significado, não se vão diluindo também com a passagem do Tempo.
Fontes:www.wikipedia.org
mogadouro.com
Aeiou.expresso.pt
Eduardo Amarante – Mitos e lugares mágicos de Portugal